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Muito além da cretinice religiosa

Em junho de 2014, quando todos no Brasil estavam entupidos de jogos da Copa do Mundo de Futebol, publiquei nesta A GAZETA onde garatujo semanalmente, artigo debaixo do tema: Intolerância Religiosa.

O texto tinha como base as teses ou teorias sobre fanatismo ou intolerância religiosa, de  François-Marie Arouet Le Jeune (1694-1778) cognominado Voltaire. A propósito, a partir deste ano a obra de Voltaire, Tratado Sobre Intolerância foi redescoberta pelo público leitor da França.

De lá para cá, aconteceram em duas ocasiões atos de terrorismo tendo como palco a cidade de Paris: No inicio de janeiro deste ano, o ataque ao Charles Hedbo e; agora notadamente à casa de espetáculos Bataclan, com muitas vítimas fatais. No primeiro ato sinistro, no “Charlie Hebdo”, considerei como cretinice religiosa, por causa de alguns cartuns trazendo representações de Maomé, espalhados pelo mundo afora, com legendas atribuindo aos seus seguidores à pecha de “idiotas”.

Infelizmente, o segundo ataque, mais feroz do que o anterior, deixa claro não se tratar de um caso isolado, pois parece óbvio que o “massacre” está associado a um estreito sistema de crenças, em que o fanático supõe exprimir toda a verdade. A verdade, entre aspas, de nunca permitir a liberdade de pensamento e expressão. Essa postura intolerante é perigosa, especialmente por incitar os seguidores duma religião com mais de um bilhão de adeptos. É ameaçadora, pois inflama uma multidão em defesa de uma suposta “causa santa”, no entanto com efeitos nocivos sobre a paz mundial. Então, os atos de terror, quase apocalíptico, vão muito além da cretinice religiosa do Estado Islâmico.

O trágico e contraditório, é que esse radicalismo lança por terra à ética islâmica cuja virtude é “não oprimir o estrangeiro que peregrina na vossa terra e amá-los como a vós mesmos”. E, o que é pior, suscita uma Lei arcaica da nação muçulmana de cumprir, ao pé da letra, uma assertiva divina: “amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”.

O mais grave ainda, desse absolutismo religioso, é que nada os tira desse extremismo milenar; nem mesmo as virtudes comuns do amor, do respeito e da tolerância ensinadas pelo seu líder perpétuo Maomé

Outra coisa que poucos sabem, mesmo com os variados aplicativos de comunicação instantânea, é o fato de o Islamismo ser a religião que mais cresce na Europa, talvez por isso também cresça o xenofobismo nesta parte do mundo. Os portugueses católicos têm verdadeiro “lusofobismo” dos islâmicos.

Essa cara intolerante do Islamismo se radicaliza num fanatismo que vai além do zelo excessivo pela crença, pois se mostra irracional. Caracteriza-se pela ausência de autocrítica, é arrogante e estribado numa mentalidade imatura. A cara intolerante do islã, os meios de comunicação documentam a toda hora, é contagiada de atos brutais que vão da perseguição à eliminação dos que são considerados oponentes desse sistema religioso.

O Islamismo, ou a sua “banda podre” se ressente, e muito, duma característica universal peculiar a todas as religiões: A marca da alteridade. Alteridade no sentido de colocar-se no lugar do outro numa relação interpessoal. É a “face do outro” que se impõe com sua irredutível alteridade, que me envolve e  me põe em questão, torna-me imediatamente responsável. Que me remete, de forma inexorável, à caridade com preocupação de justiça, especialmente justiça social, diria Emmanuel Lévinas (l905-l995).

A alteridade nos remete para o plano da comunidade universal, para a perspectiva de uma cidadania cosmopolita. Nos faz agir considerando a humanidade em si mesmo e na pessoa dos demais, nunca como meio, mas sempre como fim em si mesmo, implica estabelecer outra forma de relação com os seres humanos e com a natureza. Aí não pode haver espaço para a instrumentalização. Este ideal de uma civilização cosmopolita permite que os seres humanos possam se sentir e se tratar como membros de uma só comunidade, não apenas pelo estreitamento das relações interpessoais, quanto pelo fato de compartilharem uma causa comum. Compartilhar a mesma condição, reconhecer em si e nos demais a mesma dignidade, enfim, sentir-se no mundo como co-habitantes da mesma.

Diante dessa atitude radical, mais política do que religiosa,  muitos intelectuais, tanto nos países islâmicos quanto na Europa e outras regiões, reagem contra o radicalismo e defendem uma franca modernização do islamismo. O problema, diria mamãe Dolores da novela Direito de Nascer, é que “o capeta está solto” e não há espaço para diálogo, ou  diplomacia.

*Pesquisador  Bibliográfico em Humanidades.
E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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