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A literatura acreana está de luto

Reparem bem no que digo. Muitos já se perguntaram ou ainda  haverão de perguntar (para si ou para outrem), por que uma pessoa faz festa para homenagear outras? Para que alardear os nomes das pessoas que mais se destacaram durante o decorrer do ano? E mais, ainda, por que homenagear os fazedores de cultura? Ora, ora… No primeiro caso, sem entrar no mérito da questão do critério de escolha, sem se questionar se houve uma concorrência leal, etc, o certo é que já vivemos num mundo tão contaminado pela violência, num mundo tão faltoso de sensibilidade entre as pessoas. No segundo caso (fazedores de cultura), diria o seguinte: qualquer feito, no sentido de se progredir, de se sobressair (no mundo empresarial, político-social), e de se construir um mundo mais alegre, mais esperançoso e menos árido, (através das artes), deve ser, sim, alardeado pelos quatro cantos da sociedade.

No caso dos fazedores de arte e cultura, especificamente, os poetas, pintores e compositores, estes, com mais veemência, devem sair do anonimato e da clandestinidade, devem ganhar visibilidade. Essa é uma das formas de eles proporcionarem, aos amantes das artes, um entretenimento capaz de fazer com que as pessoas esqueçam um pouco a severidade e as barbáries que estão latentes por todos os lados do mundo. E que nós escritores, poetas, pesquisadores, cien-tistas, estamos saturados dessa miséria humana que recaiu sobre o mundo, de modo assustador.

O ser humano se amesquinhou de tal forma que, num passado recente, um jovem discente de jornalismo colocou-se, frontalmente, contra as atitudes de uma das nossas Academias, a Academia Juvenil de Letras (AJAL), por esta ter usado, segundo ele, inadequadamente, o espaço da Aleac (As-sembleia Legislativa), para realizar um sarau intitulado “Sarau do Povo”. Importante esclarecer que o espaço aqui mencionado, trata-se de um minúsculo auditório existente nas dependências da Aleac, completamente independente do amplo espaço que é usado, sistematicamente, pelo colegiado que compõe aquela eminente Câmara Legislativa. Naquela oportunidade, argumentava aquele aprendiz de jornalismo que o uso daquele espaço elitizava os eventos desse porte (os saraus literários / rodas poéticas).

Afirma-se, desse infeliz comentário, que a Aleac nada mais é do que “Uma Casa do Povo”. Então? Não somos nós que elegemos e que sustentamos os políticos que lá estão? Nada mais justo que nós, o povo, possamos utilizar, vez ou outra, ou mesmo assiduamente, aquele espaço. É um espaço que deve servir não só para os embates, façanhas e/ou artimanhas político-partidárias, mas também para disseminar e  divulgar a cultura local, ceder espaço aos poetas, contistas, cronistas etc.

A propósito de espaço físico, é bom dizer que as nossas Academias (AAL, APA e AJAL) estão de luto e com “o pires na mão”! Pois não temos mais local apropriado para realizarmos nossos saraus (mensais). E esta é, hoje, a maior preocupação dos poetas e amantes da cultura, da cidade de Rio Branco. E deveria ser também, a preocupação de todos, inclusive, dos jornalistas e seus aprendizes, que são pessoas que, de certa forma, detém o poder da palavra, através dos veículos de comunicações. Onde estão as vozes a favor da cultura, da poesia, da literatura? As vozes em defesa das Academias? Há um silêncio sepulcral, enquanto a poesia, a literatura, a cultura choram no Acre.

Entendo que todos nós devemos lutar pela valorização e divulgação da cultura, pois é, também, através da cultura e da arte que combatemos a violência. A poesia, a música, a pintura, a escultura e a dança, enfim, toda arte, de um modo geral, nos tornam mais sensíveis e humanos, mais capazes de olharmos o outro com bons olhos e enxergamos a essência de sua alma.

Diz-se, ainda, que é a arte e a cultura apontam o melhor caminho ao ser humano. E se toda pessoa preferir e se convencer que este será o seu melhor itinerário, certamente ajudará o mundo a se transformar num melhor lugar pra se viver, um lugar cheio de harmonia e ternura, onde cada um de nós poderá mostrar a sua melhor parte. E, assim, de um momento para outro poderíamos ver que a nossa “melhor parte”, se colocada em exercício, neutralizando as coisas ruins do mundo e aquilo que há de ruim em cada pessoa. Sim, porque cada pessoa tem seu lado bom e seu lado ruim. Vencerá aquela parte que se colocar em evidência, em exercício constante. Desse modo, teremos cultura se praticarmos cultura, teremos arte se praticarmos arte e assim sucessivamente.

E nós, os poetas, fazedores de cultura e seus amantes, tudo que queremos é apenas um espaço para praticarmos e divulgarmos a nossa arte, despretensiosa e constantemente. Não desejamos o desconforto da chuva e do sol ardente… a cultura, a arte, a literatura, são espelhos que mostram a sociedade.  A arte é uma das poucas atividades que resgatam a estupidez!

Enfim, para o bem ou para o mal, o que está implícito nestes argumentos é o potencial transformador da literatura, a sua capacidade de mudar os indivíduos. A literatura fala a nós, de nós, da humanidade. A literatura coloca ao alcance do leitor a possibilidade de refletir sobre si, de ler-se e conhecer-se, pois, na medida em que trata das inquietações humanas e descreve o que há de mais profundo e obscuro na alma humana, em sua universalidade, é também a mim, a ti e a nós que ela nos fala. Em outras palavras, a literatura contribui para que conheçamos melhor e mais
profundamente o gênero humano e, assim, para nos conhecermos a nós mesmos e nos humanizarmos.

Esperaremos, então, que esta voz textual seja ouvida, que surja um espaço propício a dar guarida aos nossos saraus literários. Quiçá, uma pessoa com poder de decisão e com sensibilidade no coração se compadeça de nós, pobres poetas e escritores  de almas ricas e com pires na mão!

Viva a Poesia! Viva a arte!

* Deise Torres – É advogada, poeta, professora, imortal da APA

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