O fim da vida em um piscar de olhos
BRENNA AMÂNCIO
A notícia da morte da promotora de Justiça Criminal Cumulativa do Bujari, Nicole Gonzalez Colombo Arnoldi, no dia 29 de novembro, chocou todo o Acre. Jovem, bonita e bem sucedida, Nicole deixou a vida aos 35 anos de idade.
A princípio, a suspeita apontava para um suicídio, o que veio a se confirmar mais tarde. Em coletiva de imprensa, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Acre, Oswaldo D’Albuquerque, confirmou a hipótese como sendo a mais aceitável.
Até o momento, pouco se sabe sobre o que aconteceu com Nicole naquele último domingo de novembro. Ela estava triste. A mãe dela, que não mora no Acre, tinha conhecimento disso. Tanto, que ligou para o amigo da filha, o promotor Thalles Fonseca Tranin. Ela pediu para que arrombasse a porta do apartamento onde Nicole vivia em Rio Branco e a levasse ao Pronto Socorro, pois não estava bem emocionalmente.
Thalles e outra amiga da promotora foram até o local, mas já encontraram Nicole sobre a cama ferida com um tiro na cabeça. Os dois ainda a encontraram com vida, agonizando. Porém, apesar da massagem cardíaca, ela não resistiu.
Hoje, duas semanas depois, muitas indagações ainda permanecem. O que teria acontecido com Nicole? O que teria levado ela a cometer suicídio? O que se passara naquele domingo enquanto ela estava sozinha?
A primeira hipótese, dita e repetida à imprensa, era de que Nicole Arnoldi sofria de um quadro de depressão. Inclusive, que ela lutava contra a doença há alguns meses e tomava remédios.
No entanto, o fato é que ninguém suspeitava disso, alega o amigo Thalles Fonseca. Para ele, Nicole era alegre e vivaz, uma pessoa cheia de planos para o futuro.
“Ela era sorridente e muito vaidosa. Pintava as unhas todas as semanas. Comprava roupas. Gostava de se arrumar. Uma pessoa depressiva não aguenta sair da cama”, justifica.
Thalles afirma, ainda, que a promotora havia arrumado o apartamento há pouco tempo e até comprado uma cama nova. Além disso, falava sempre de planos para o futuro.
Ele confirma que Nicole realmente tinha uma situação complicada com o ex-namorado. O amigo acredita que algo referente ao relacionamento passado pode ter levado ela ao ponto de tirar a própria vida.
“Naquele domingo, ela tentou muito falar com ele. Não sei se conseguiu, mas acredito que o que ela teve foi um surto. A mãe dela, que é psicóloga, disse exatamente assim: Nicole não estava com depressão”, aponta.
O amigo e a família da promotora descartam a possibilidade de depressão devido ao fato de ela não apresentar sinais comuns da doença, tais como tristeza profunda, sono conturbado, vontade de desistir de tudo, entre outros.
De acordo com Thalles, ele e a amiga nunca tiveram uma conversa referente a algo parecido. “Nunca passou pela minha cabeça perguntar a ela se teria coragem de tirar a própria vida. Ela não dava margem para a gente pensar isso”.
Ele confessa que Nicole andava um pouco deprimida, mas que o surto foi uma total surpresa. “Tenho certeza que de onde a Nicole estiver, ela está arrependida por isso. Foi um momento de insanidade que, com certeza, ela não faria se estivesse bem. Ela gostava de viver”.
Tristeza profunda escondida por um sorriso
BRUNA LOPES
Uma tristeza normal dura em média 15 dias. Passado esse período, a pessoa ou alguém próximo devem buscar ajuda, explica a psicóloga Claudia Correia. Mas, calma. O fato de procurar um profissional não significa que o paciente tenha depressão, até porque, o diagnóstico dessa doença leva tempo.
O procedimento padrão, segundo Claudia Correia, consiste no encaminhamento desse paciente para o psiquiatra. Apenas o profissional pode receitar medicamentos que ajudam na volta do ânimo da pessoa.
“Ser medicado nesta nessa fase também não significa que o caso seja de depressão. Se o paciente toma o medicamento, faz as terapias indicadas e não melhora, tanto o psicólogo quanto o psiquiatra observam o paciente e investigam outras hipóteses, inclusive, a depressão”, explica Correia.
A doutora Claudia ressalta que psicólogo nenhum aponta o diagnóstico, ele apenas avalia. “Essa avaliação ocorre com a observação do comportamento. Até mesmo daqueles pacientes que tentam esconder os sintomas ou fraquezas. Pacientes que não apresentam uma personalidade que não é real. Pela experiência, percebo que ali existe um eu impostor. Apesar da tentativa do paciente, a minha percepção é maior. Essas pessoas podem ser as mais simpáticas, queridas e extrovertidas. Os leigos não conseguem perceber qualquer irregularidade”, pontua a psicóloga.
Além disso, existem aquelas pessoas que sofrem de depressão, mas não aceitam a doença. “São pessoas que afirmam categoricamente que não são doentes. Essa resistência não ajuda. Infelizmente, esta realidade é desconhecida. E sim, existe o problema da depressão escondida, justamente porque estas pessoas são hábeis em dissimular a situação real”, confirma a psicóloga.
Muitas pessoas escondem a depressão devido os estigmas da sociedade. “Podem sentir vergonha, medo de perder o emprego, trazer algum prejuízo quanto à profissão que exerce. Ser visto infelizmente como um perturbado, problemático mentalmente”, detalha Claudia.
A depressão é uma doença como qualquer outra. Se não fosse, não existiria medicamentos. E ela merece a mais séria preocupação e cuidado, alerta a psicóloga. “Pesquisadores da Universidade de Rochester descobriram que a depressão era mais difícil de detectar quando as pessoas tinham uma disposição alegre, especialmente quando eram idosos”, destaca a profissional.
Exemplo de pessoa que esconde a tristeza do mundo
Uma pessoa com um casamento estável, filhos lindos e saudáveis, uma carreira gratificante. Pois bem, pode ser que exista na vida desta pessoa um episódio doloroso, traumático, que nunca tenha sido devidamente tratado. Os psicólogos têm um acrônimo para este tipo de pessoa: PHDP (Perfectly-Hidden-Depressed-Person).
“A aparência externa de confiança e felicidade está em nítido contraste com o que está acontecendo por dentro. E, infelizmente, o problema é, muitas vezes, ignorado, principalmente pelo sofredor, que pode acabar cometendo suicídio. A tragédia é que ninguém seja capaz de identificar os sinais, ou que a pessoa com depressão nunca tenha coragem de falar com alguém. É por isso que devemos sempre ouvir com atenção quando um amigo ou ente querido nos fala sobre sua exaustão e ansiedade”, exemplifica Claudia Correia.
“Vivemos numa sociedade doente”, afirma psicóloga
BRUNA LOPES
“Uma coisa é a pessoa que aparenta confiança ao exercer seu trabalho, por exemplo, outra bem diferente é quando essa pessoa está sozinha, seja em casa ou no carro. Uma verdadeira transformação acontece. Vivemos numa sociedade doente”, descreve a psicóloga Claudia Correia. Ninguém pega depressão. A doença se desenvolve e evolui com as experiências vividas.
Atualmente, a depressão é dividida em três tipos. A leve, tratada com medicamento (por um curto prazo de tempo) e terapia. A moderada, caracterizada pela administração de remédio por um prazo maior. E a profunda, caracterizada pelos pensamentos e tentativas de auto-extermínio (suicídio) e que precisa ter o acompanhamento minucioso de psicólogos e psiquiatras.
Dependendo do tipo de depressão que sofre a pessoa, essa transformação em um momento solitária pode levar a algo trágico. “As pessoas precisam aceitar que a depressão é uma doença como qualquer outra, porém grave. Que merece a atenção e comprometimento do paciente, médicos e das pessoas que convivem com essa pessoa”, alerta Claudia.
É interessante ressaltar, que uma pessoa com depressão profunda, que tenta contra a própria vida, por exemplo, tem como objetivo acabar com uma dor insuportável, explica a psicóloga. “Vários pacientes que sobrevivem às tentativas descrevem sentir a mente ser comprimida e espremida ou uma inquietação por todo o corpo, além de uma voz que sussurra meios para acabar com essa dor. Não pensam em nada e em ninguém. Eles não pensam em tirar a vida e sim acabar com aquela dor”, completa Claudia.
Uma pessoa não desenvolve depressão profunda do dia para a noite. Trata-se de um processo. Já o estopim da tristeza para depressão, sim.
“Os motivos para depressão podem ser orgânicas, hormonais, psicológica ou hereditária. As crises podem ocorrer ao longo da vida. Às vezes, melhora ou piora. Mas, ainda sem um tratamento adequado. As pessoas precisam aceitar que estão doentes”, alerta a psicóloga.
Entre os sintomas mais comuns estão a oscilação no sono, a falta de vontade de fazer as coisas que eram prazerosas. Come muito ou para de comer. Isolamento e diminuição na produtividade. Tristeza, baixo astral por um longo período com ou sem motivo.
Sintomas não convencionais que podem apontar um tipo de depressão
Segundo a psicóloga Claudia Correia, alguns sintomas corriqueiros podem indicar um tipo de depressão. Dor de cabeça constante, erupção na pele, dor na coluna ou sofrer com gastrite cuja dor não acaba com remédios.
“Se um paciente reclama dessas dores. Peço uma avaliação de um profissional especializado para saber a saúde clínica desse paciente. E se o médico, após a avaliação, diz que não tem qualquer problema seja na cabeça ou na coluna, mas as pessoas parecem não acreditar nos exames. Quem nunca questionou um médico e disse que tem que haver algo de errado? Menos uma doença psicológica”, declara Claudia.
Corrida contra o tempo atrapalha a formação das crianças
A ansiedade e o estresse em busca dos melhores resultados, a pressa para conquistar sucesso na carreira, na vida pessoal podem sim levar à depressão. Essa situação é preocupante quando se trata de uma família. Os pais vivem mais o ambiente externo do que o com a família.
“Percebemos o pai e mãe competindo entre si para ver quem faz mais sucesso profissional durante todo o dia e, quando chegam em casa, eles descarregam entre si e nos filhos. Os pais devem ter atenção e responsabilidade no trato com as crianças. Muitos pais confundem o papel da escola nesse momento. Escola forma e cuida da parte intelectual do indivíduo. Já a educação, princípios, valores, moral, caráter devem vir de casa”, afirma a psicóloga.
Os professores nesses casos são vítimas, ao receber uma turma de crianças extremamente estressadas, aponta Claudia.
“Resultado desse comportamento dos pais é a agressividade das crianças nas escolas. Ou tem casos de crianças que se isolam, não querem interagir. O professor até percebe a situação, chama os pais e comunica. Os pais que se importam procuram ajuda. Isso quando vão à escola. Isso é obrigação dos pais fazer o acompanhamento escolar dos filhos”.
Quando explode o problema com drogas, alcoolismo ou prostituição, os pais, geralmente, afirmam que começou de uma hora para outra.
“E nós sabemos que não é bem assim. Existe um processo. Mães e pais precisam estar atentos aos sinais. Mas, os pais gostam de se enganar. É difícil admitir que um filho tem problema, mas o do vizinho pode ter”, exemplifica a psicóloga.
Isso ocorre em famílias de todas as classes sociais, aponta Claudia. “Televisão, internet, jogos eletrônicos exercem uma influência poderosa nas crianças que estão em fase de formação. Além disso, o sentimento de abandono dos cuidadores marca essa criança. Quando uma mãe fala que tem cinco filhos e criou eles da mesma forma e só um entrou para o mundo das drogas. Sempre falo que nós temos na mão cinco dedos e nenhum deles é igual ao outro”, explica a psicóloga.
A orientação para os pais é passar mais tempo com os filhos. “Mas, não é qualquer tempo. É um tempo de qualidade. Ter foco nessa relação. Ter atenção e firmeza. Isso pode evitar que essa criança desenvolva uma depressão no futuro. Costumo dizer que a sociedade atual é formada por pais doentes e filhos adoecidos”, concluiu a psicóloga.
MP/AC oferece atividades para o corpo, a mente e o espírito dos servidores
BRUNA MELLO
Tudo começou na gestão do procurador-geral do Ministério Público do Acre (MP/AC), Oswaldo D’Albuquerque. Em 2014 começou a ser elaborado o programa Viver Para Servir, que surgiu a partir da necessidade de uma nova concepção de trabalho. A partir também da reflexão de que a energia vital, ao entrar em desarmonia com o universo físico e não-físico, coloca por terra qualquer tentativa de viver bem consigo mesmo.
O programa foi construído por muitas mãos, durante oficinas construtivas, levando em consideração a compreensão das deficiências dos profissionais do MP/AC, que vai do campo cognitivo à experimentação, na tentativa de compreender as questões fundamentais da humanidade. Além disso, o projeto foi baseado na Organização Mundial da Saúde (OMS) que define saúde como situação de perfeito bem-estar físico, mental e social.
O procurador-geral do MP/AC diz que a implantação do programa Viver para Servir, reconhecido e premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), visa criar um ambiente de trabalho saudável. “Com pessoas felizes, sabendo que isso iria refletir positivamente no atendimento à população”, completou.
Segundo a diretora de planejamento do MP/AC, Beth Oliveira, a ideia do programa é estimular os servidores a buscarem a própria felicidade em harmonia com o trabalho. “A qualidade de vida no trabalho depende de três aspectos. Da saúde física, da saúde mental e da saúde espiritual”, explica.
O programa Viver Para Servir foi elaborado por meio da vivência e experiências dos servidores do órgão. Várias atividades são elaboradas mensalmente através do programa como oficinas literárias, oficina de cinema, oficina de teatro, oficina de artes plásticas, de defesa pessoal, de fototerapia, de consciência corporal, de percepção musical, entre outras.
Em novembro, por exemplo, uma das oficinas realizadas pelo programa foi a oficina de teatro. Nesta oficina, o objetivo é expressar e desenvolver o espírito de coletividade através das potencialidades corporais e vocais, além de valorizar o mundo imaginário, muitas vezes esquecidos pelos adultos.
Contudo, Oliveira destaca que ainda há resistência por parte dos servidores de participar das atividades, pois ainda é muito forte o tabu criado pela sociedade, de que cuidar do espírito é apenas seguir alguma religião.
“Acho que esse tipo de trabalho não é só importante, é fundamental. Mas, nós vivemos em uma cultura que nós nascemos para ser máquinas, nascemos para ter utilidades e ainda não compreendemos a dimensão do que é ser humano. As pessoas acham que para cuidar do espírito é preciso estar na igreja. A igreja é um dos caminhos, mas cuidar da saúde espiritual é, sobretudo, equilibrar o ápice do equilíbrio da mente, do corpo e de algo muito superior”, aponta.
A diretora afirma que não basta apenas cuidar do corpo se a mente e o espírito estão vazios. “Não adianta você vestir um monte de máscara, se quando você tirar todas aquelas máscaras não existe nada embaixo. Esse é um momento em que você entra em desespero”, ressalta sobre a importância de cuidar do espírito.
“Foi como se eu tivesse perdido um braço”, disse diretora
Com relação à promotora do MP/AC, Nicole Gonzalez, encontrada morta em seu apartamento no dia 29 de novembro, Beth Oliveira diz que foi uma grande perda para o Ministério Público. Além disso, ela diz que a morte da promotora foi uma grande lição de vida. “Nós precisamos ser gente. Precisamos estar atentos aos sinais do ser humano. Acho que isso mudou para todo mundo aqui”.
Apesar de não ser amiga da promotora, Beth garante que a dor da perda de um colega de trabalho pode ser comparada a perda de um membro do corpo. “Foi como se eu tivesse perdido um braço, como se alguém tivesse amputado um membro meu. Nós todos aqui somos um corpo orgânico”, descreve.
Beth acredita que após a fatalidade, o olhar do órgão para os servidores muda. Assim como, o olhar dos servidores para as ações desenvolvidas pelo MP/AC. “Não que as pessoas estejam mais atentas ao que está acontecendo. Mas, para que a gente perceba os sinais da nossa própria existência, que ela é humana e que o sistema faz de tudo para que nós sejamos utilidades e não humanos”.
O procurador-geral do MP/AC acredita que após o episódio com a promotora Nicole, pode ser constatado que o órgão está no caminho certo, com relação ao acompanhamento da saúde dos servidores.
“Decidimos fazer o que já estávamos fazendo, que é investir em ações voltadas para melhorar a qualidade de vida no trabalho, seja aprimorando o que já existe, seja pensando em novas iniciativas”, afirma D’Albuquerque.
Centro de Especialidades em Saúde
Entre os projetos desenvolvidos pelo programa Viver Para Servir está o Centro de Especialidades em Saúde. A unidade é um espaço de referência em saúde e qualidade de vida no trabalho no âmbito do MP/AC. Os serviços são oferecidos a todos os membros, servidores e respectivos familiares do órgão, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
O Centro promove ações de saúde e qualidade de especialidades de excelência em saúde. A diretora de Planejamento explica que são oferecidos atendimento ambulatorial, procedimentos de enfermagem, fisioterapia, psicologia, e atendimento relacionado ao serviço social.
Para Oliveira, o acompanhamento da saúde do servidor público é mais que fundamental, é essencial. Ela relata que esses funcionários estão diariamente recebendo “cargas negativas” e expostos ao estresse. No caso do MP/AC, especificamente, o profissional deve estar completamente lúcido para poder atender as necessidades dos cidadãos que procuram o órgão.
“Acredito que todas as instituições precisam cuidar do seu maior patrimônio: as pessoas, os servidores. São elas que dão vida. O resto e tudo mais não é nada sem nós”, acrescenta a diretora.