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O gentílico acreano

Entende a Academia que a abolição do gentílico acreano do VOLP, em decorrência do Novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, fere a legitimidade e a liberdade expressiva dos falantes regionais que optaram por essa forma desde 1903, quando esta porção de terra foi incorporada ao Território Brasileiro, após dura batalha contra os bolivianos.
Também compreende que desde Fernão de Oliveira (1536) consagrou-se, no meio linguístico, o fato de que “os homens fazem a língua, e não a língua os homens”. O grande gramático, com esta frase, legou à posteridade a lição que iluminou o caminho das reflexões linguísticas em todos os tempos. Esse dizer completou-se com a reflexão de que uma língua dependeria do desenvolvimento cultural da sociedade que a praticasse.
Desse entendimento, resultou saber-se que uma língua histórica seria USUS, instituição tradicional [costume], e as regras dessa mesma língua adviriam desses mesmos costumes. Dizendo de outra forma, tomando por foco às normas sócio-históricas, consoante Oliveira, a gramática de uma língua, em sua essência, seria sempre descritiva, nunca normativa. Seu objetivo maior visa ao registro do costume e não à imposição de regras, não sendo legítima, portanto, restrição alguma à liberdade de expressão dos falantes que, em contrapartida, devem arcar com as escolhas linguísticas que se arvorarem a fazer.
Ainda, na voz de Fernão Oliveira, repete-se que a gramática deve registrar “o bom costume”, descrever as formas exemplares de um idio-ma, buscar alcançar o desempenho-padrão – a língua padrão – entidade hoje negada por muitos estudiosos que, não raro, ideologizam os conceitos sobre tal assunto. Ademais, da dita língua-padrão, Fernão Oliveira não descarta a clareza nem a inteligibilidade geral: não fala, por conseguinte, de uma “língua da Corte” ou “da Capital”, senão da língua dos que melhor se expressam. E esse “melhor” é ditado pela cultura e pela experiência da vida, pelos que têm consciência da tradição, do seu compromisso histórico, como ensinava o grande mestre seiscentista.
Dessa forma, fica claro, pelas lições de Oliveira (1536) que o USUS não nasce de imposição e sim da vontade livre dos falantes. E como se está, aqui, a vasculhar antigos baús de memórias linguísticas, nada custa encadear, neste espaço textual, em que se busca comprovar a antiguidade dos assuntos focados na variação lin-guística, as palavras de Horácio, em Arte poética (pp.118-9):
Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; se uma matrona autoritária ou uma ama dedicada; se um mercador errante ou um lavrador de pequeno campo fértil; se um colco ou um assírio; se um homem educado em Argos ou em Tebas (…).
Essa citação apoia a inserção da questão ora trazida à baila, num quadro de preocupações ancestrais, de vera e reconhecida importância para as discussões travadas entre os que se sensibilizam com assuntos desse jaez. Até aqui, preparou-se o terreno em que se pretende plantar, bem como daquilo que se concebe como verdade, no que tange a variações, inovação, mudança.
há consenso, entre os estudiosos, que os adjetivos gentílicos não seguem um padrão para as suas terminações. Essa ausência de padrão se observa principalmente em nomes relativos às cidades. A maior parte deriva diretamente do nome do local em sua forma corrente ou então da etimologia toponímica. Exemplos que demonstram essa ausência de padrão: Lisboa: lisboeta, lisbonense, lisboês, lisbonês, lisbonino, olisiponense; Nova Iorque: nova-iorquino; Buenos Aires: bonaerense, buenairense ou portenho; Londres: londrino; Paris: parisiense; Rio Grande do Sul: gaúcho, rio-grandense-do-sul; São Paulo: paulista, bandeirante; Rio Grande do Norte: potiguar, rio-grandense-do-norte, norte-rio-grandense, petiguar, pitaguar, pitiguar, pitiguara, poti-guara; Santa Catarina: catarinense, barriga-verde; Paraná: paranaense, paranista (usado no Sul) e tingui; Bahia: baiano, baiense; Amazonas: amazonense, baré.
Os exemplos denotam que não há necessariamente na língua gentílicos para todos os topônimos, mas há sempre a possibilidade de criá-los, com fácil aceitação geral. Também é fato consagrado que quando um gentílico ganha força pelo uso e pelo uso se torna Lei. Um gentílico não se muda, ele está preso à vida, à alma do lugar, enraizado nas tradições, costumes. E a linguagem é o veículo tradutor de todo o arcabouço cultural de um povo, uma comunidade.
Entende a Academia Acreana de Letras – AAL, que a abolição do gentílico acreano do VOLP, em decorrência do Novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, fere a legitimidade e a liberdade expressiva dos falantes regionais que optaram por essa forma desde 1903, quando esta porção de terra foi incorporada ao Território Brasileiro, após dura batalha contra os bolivianos.

DICAS DE GRAMÁTICA

A letra “H” é uma letra sem personalidade, sem som. Em “Helena”, não tem som; em “Hollywood”, tem som de “R”. Portanto, não deve aparecer encostado em prefixos:
–    pré-história
–    anti-higiênico
–    sub-hepático
–    super-homem

Então, letras IGUAIS, SEPARA.
 Letras DIFERENTES, JUNTA.

Anti-inflamatório                             neoliberalismo
Supra-auricular                                extraoficial
Arqui-inimigo                                   semicírculo
sub-bibliotecário                            superintendente

Luisa Karlberg – É membro da Academia Acreana de Letras; Membro Fundadora da Academia dos Poetas do Acre; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da International Writers and Artists Association (IWA), sediada na cidade de Toledo, Ohio, USA. Coordenadora da Pós-Graduação em Língua Portuguesa (Campus Floresta (2011-2018); Orientadora de Pós-Graduação em nível de Mestrado e Doutorado; Orientadora de Pós-Graduação Lato Sensu; Orientadora de bolsistas PIBIC (Campus Floresta – UFAC); Pesquisadora DCR do CNPq (2015-2018). Grã-Chancelar da medalha J.G. de Araújo Jorge, pela Academia Juvenil Acreana de Letras; Embaixadora da Poesia pela Casa Casimiro de Abreu.

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