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Por que Guinness ainda não reconheceu o homem ‘mais velho do mundo’ no Brasil?

Os indícios parecem corroborar a idade de José Coelho de Souza, conhecido como seu João, morador de Estirão do Alcântara, comunidade localizada a mais de 30 minutos de barco de Sena Madureira, no limite com o Amazonas: sua certidão de nascimento e sua carteira de trabalho marcam como sua data de nascimento o impressionante dia 10 de março de 1884 – quatro anos antes da Abolição da Escravatura no Brasil, por exemplo.

Mas por que esse caso espantoso não está no famoso Guinness World Records, o “Livro dos Recordes”?

A BBC Brasil foi buscar a resposta com os próprios organizadores da publicação e com os principais especialistas mundiais no tema, os pesquisadores do centro americano Gerontology Research Group (Grupo de Pesquisas de Gerontologia, em tradução literal, e GRG, na sigla em inglês) – apontados pelo Guinness, inclusive, como principal fonte para a validação de candidatos a figurar em sua seção de “pessoas mais velhas”.

Quebra-cabeça

O “Livro dos Recordes” foi lacônico em sua resposta: disse apenas que a história está sob investigação e que irá informar, “assim que puder”, se seu João pode reivindicar ou não o título de homem mais velho do mundo. Questionado sobre desde quando sabe do caso, e a respeito dos passos de apuração, o Guinnessnão respondeu até o fechamento desta reportagem.

A publicação já afirmava investigar o caso em 2012, segundo uma reportagem da TV Record, que visitou o idoso à época.

Já o grupo de investigadores americanos foi categórico:

“É 30 vezes mais fácil alguém vencer a Powerball Lottery (superloteria americana que sorteou US$ 1,6 bilhão na última quarta) do que viver até os 131 anos”, afirma Robert D. Young, diretor do GRG responsável pela área de pesquisa de “supercentenários” – como são chamadas as pessoas que já acumulam mais de 110 velinhas no bolo de aniversário.

Segundo ele, a pessoa comprovadamente mais velha do Brasil é uma mulher: Alida Grubba Rudge, de 112 anos, de Jaraguá do Sul (SC).

“Os sinais mostram uma história que não fecha: a mulher (de seu João) está na casa dos 60 anos e uma filha, nos 30. Pode se tratar de um caso de equívoco na documentação”, acrescenta.

Há mesmo lacunas na história de seu João: natural de Meruoca, no interior do Ceará, ele teria obtido sua primeira certidão de nascimento só no Acre, em 1974. Na época, quando teria teoricamente 90 anos, se casou pela primeira e única vez. Sua mulher, com quem tem três filhos e cinco netos, tem hoje 62 anos.

Cirlene de Oliveira Souza, de 30 anos, filha mais nova do casal – e que teria nascido quando o pai tinha 101 anos –, contou à BBC Brasil que ele sempre desconheceu sua data de nascimento e foi registrado por uma irmã mais velha.

“Ele disse que o pai dele faleceu quando ele era pequeno. E aí, com o tempo, se separou da mãe dele, que foi para um canto, e ele para outro. Então (a idade) era pelo que a irmã mais velha dele falava.”

Seu João, diz Cirlene, hoje fala pouco e em parte das vezes não consegue se alimentar sozinho. “Tem momentos que ele reage quando falamos com ele; em outros, não.” Seu pai não é examinado por um médico há pelo menos três anos, conta.

‘Mitologia da longevidade’

De que a ciência já evoluiu bastante não restam dúvidas. Mesmo assim, ainda não existe um exame que, com uma amostra de sangue, por exemplo, consiga apontar a idade real de alguém, afirma o Gerontology Research Group.

A professora Márcia Regina Cominetti, coordenadora do Laboratório de Biologia de Envelhecimento da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), uma das primeiras instituições a criar um curso de Gerontologia (que estuda o envelhecimento humano) no país, conta que o máximo já descoberto é que os telômeros, estruturas compostas por fileiras de proteínas e DNA que formam as extremidades dos cromossomos, encurtam no decorrer da vida.

Porém, ainda não foi desenvolvido um cálculo que mostre o quanto esse encurtamento equivale em anos de vida.

Por isso, o grupo americano concentra suas pesquisas em torno da busca por documentação sobre os “supercentenários”.

Após serem procurados pela BBC Brasil, os especialistas fizeram uma pesquisa rápida, que levanta mais dúvidas sobre a real idade de seu João.

Por meio de sites usados por pessoas que buscam informações sobre sua árvore genealógica, como o Family Search, eles encontraram uma versão digitalizada dos livros de batismo de Meruoca, cidade onde o idoso teria nascido. Não há nenhum registro com seu nome em março de 1884.

“O Brasil tem um histórico de mitologia da longevidade, algo que é comum em muitas partes do mundo e que existe principalmente em áreas onde uma parte significante da população não foi registrada no nascimento”, afirma Young.

Não por acaso, ele explica, a maior parte das pessoas da lista de mais velhas atualizada constantemente pelo GRG é originária do mundo desenvolvido. Países como Japão, Austrália, Canadá e os da Europa Ocidental já registravam, há mais de 110 anos, quase a totalidade de seus nascimentos.

Esse ‘mito da longevidade’, diz, tende a acabar em locais onde toda a população viva foi registrada ao nascer.

“No Brasil, uma significante parte da população de 110 anos atrás não foi registrada”, explica ele. A mulher de seu João é um exemplo de que isso ainda ocorria com frequência em meados do século passado: ela tem 62 anos, mas seus documentos apontam 55 anos, segundo a filha do casal.

O especialista questiona ainda o fato de o cearense ter uma filha de 30 anos. “O pais mais velho já conhecido gerou um filho aos 92 anos: logo, 101 seria um novo recorde, se verdade”.

Na avaliação de Young, é bem possível que os documentos de seu João realmente só tenham sido feitos na década de 1970, ou que ele tenha perdido os originais.

Ele estima haver cerca de 800 pessoas com mais de 110 anos em todo o mundo atualmente. Metade dos idosos a atingir essa marca, diz, morre ainda aos 110 anos – e 98% antes de completar 115 anos.

É possível que haja algum brasileiro mais velho que dona Alida, afirma. “O Brasil não tem uma lista de pessoas que dizem ter mais de 110 anos (ou ao menos não disponível publicamente).”

Em tempo: na lista de 50 pessoas mais velhas do mundo, liderada pela americana Susannah Mushatt Jones, de 116 anos, há apenas um homem, o japonês Yasutaro Koide, que completa 113 em março e ocupa o 22º lugar.

Segundo o Guinness Book, a francesa Jeanne Louise Calment detém o título de pessoa que mais tempo viveu em toda a história (ao menos comprovadamente): ela morreu em 1997, aos 122 anos e 164 dias de idade.

Carteira de trabalho de seu João, feita em 1980, também diz que ele nasceu em 1884

 

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