Da infância à maternidade: a história de duas jovens que se tornaram mães cedo demais
“Eu tive que criar mais responsabilidade e amadurecer, porque eu era muito criança. Aliás, ainda sou criança”.
Ser mãe durante a infância ou adolescência é uma barra difícil de encarar. Lidar com os sustos e a responsabilidade antes da hora é, no mínimo, assustador. Trocar a boneca por uma criança de verdade mudou totalmente a rotina de duas jovens. Embora nunca tenham se cruzado pelas ruas, suas histórias são semelhantes, as duas se tornaram mães ainda no início da adolescência.
Mas, como isso foi acontecer? E as mães dessas garotas, o que pensam a respeito?
Para não identificar as entrevistadas serão usados nomes fictícios. A desempregada, Josélia, de 29 anos, têm três filhos. Sua primeira gestação foi aos 17 anos de idade. Natural de Manoel Urbano, ela conta que nunca imaginou se tornar avó tão cedo. Sua filha, Margarida, de apenas 13 anos, aguardava ansiosamente na Maternidade Bárbara Heliodora a chegada do pequeno Josué.
Tudo parecia correr naturalmente. Margarida estudava todos os dias, ou ao menos dizia que estudava. “Eu não deixava ela sair muito. Ela ia mais pra escola, mas de lá ela ia para outro lugar, só pode! Porque apareceu grávida em casa e desistiu de estudar”, conta Josélia.
Ser mãe é uma difícil tarefa, e a jovem sempre foi avisada de que essa responsabilidade é grande. “Eu sempre conversava com ela, que quando ela quisesse ter relações sexuais para ela me procurar, porque aí eu compraria remédio pra ela (anticoncepcional). É melhor do que ver ela sofrendo tanto”, relata a avó de primeira viagem.
Os conselhos da mãe não foram suficientes para a filha Margarida. Mas, apesar da situação, a chegada de uma criança sempre traz alegria para a família. “Agora que já fez é muito bem vindo sim”, afirma Josélia.
Com os pés e o rosto inchaçado durante as últimas horas de gestação, Margarida garante que não sente medo dos desafios que estão por vir. Ela acredita que terá um parto normal e sem mais complicações. “Nem dor eu estou sentindo. Estou muito ansiosa para ver o rosto do meu filho”.
A jovem fala meio sem jeito, que já imaginava que pudesse engravidar. Apesar dos conselhos da mãe, Margarida só deu importância aos avisos depois que estava grávida. “Próximo filho só daqui 15 anos, talvez”, brinca Margarida, que garantiu voltar a estudar em breve.
Para o futuro do pequeno, a mãe e a avó de primeira viagem esperam que Josué tenha saúde e seja uma boa pessoa. “Fui mulher suficiente para fazer, então com certeza vou cuidar e educar meu filho”, conclui Margarida.
“A primeira coisa que pensei foi em levar ela para abortar”, diz mãe de adolescente
A gravidez precoce está se tornando cada vez mais comum na atual sociedade. Apesar de campanhas de conscientização e medicamentos contraceptivos gratuitos, o número de adolescentes grávidas cresce assustadoramente. E, nem sempre, a família da garota aceita a nova realidade. Na maioria das vezes, os pais veem no aborto uma alternativa.
Essa teria sido a história da jovem Yesca Pereira, de 14 anos, se a mãe Maria Francisca, de 36 anos, não tivesse mudado de ideia. Quando Maria ficou sabendo que sua filha, na época com apenas 12 anos, estava grávida pensou logo em levar a jovem para tirar o bebê.
“Pensei logo em levar ela pra abortar. Fui na Delegacia do Menor, para saber os procedimentos que eu deveria tomar, porque ela é uma criança e eu fui pega de surpresa. Quando eu soube, todo mundo já sabia. No início eu aceitei, mas quando eu descobri que o pai era uma pessoa do mundo do crime, a situação piorou”, relata a comerciante Maria Francisca.
Os meses foram passando, e quando Yesca estava no quinto mês de gravidez sua mãe desistiu do aborto e, finalmente, aceitou a ideia de ser avó. “Eu pensava: se eu comprar remédio para minha filha abortar e ela não abortar? Pode nascer uma criança com problema, ou poderia matar os dois. Então pedi para Deus me dar orientação do que fazer e como ajudar minha filha”.
O pequeno Douglas Renê trouxe amadurecimento e responsabilidades para a avó e a mãe Yesca. Para incentivar a filha, Maria sugeriu que a jovem fizesse algo para vender e assim, aos poucos, comprar os pertences da criança. E foi vendendo bananinha frita na rua que Yesca comprou todo o enxoval do filho.
“Ela comprou todo o enxoval do neném com o dinheiro dela, com o esforço dela. O pai nunca ajudou em nada, nem a pensão que foi combinada de pagar ele não paga”, aponta a comerciante Maria.
Apesar de uma gravidez precoce, o período de gestação da jovem foi tranquilo. A avó de Douglas garante que tudo mudou na rotina da família. Além disso, ela diz que Yesca, mesmo com pouca idade, amadureceu muito depois da maternidade.
“Mudou toda minha rotina de vida. Meus pensamentos de trabalhar fora… Mudou tudo. O foco era o bebê e ela. Eram duas crianças para eu cuidar, mais um compromisso. Ele é como se fosse meu filho. Hoje, a Yesca amadureceu muito, ela mudou. Hoje ela é uma garota mais responsável e obediente”, afirma Maria.
Muito jovem, Yesca teve dificuldades logo após o nascimento de Douglas. No começo, ela não queria amamentar por medo de ficar com os seios feios. “Eu sentei e conversei com ela, que ela teria que arcar com as consequências das escolhas dela. Com o tempo, ela aceitou e hoje é bem tranquila quanto a isso”, revela a avó de Douglas.
Tímida e com o rosto ainda de uma criança, Yesca Pereira fala que tudo na sua vida mudou. “Eu tive que criar mais responsabilidade e amadurecer, porque eu era muito criança. Aliás, ainda sou criança. Tive que aprender a ver as coisas de um jeito diferente”.
Hoje, Douglas está com um ano e seis meses, e a mãe com 14 anos. A jovem admite que não tem mais “tempo para ser criança”. Para ela, o filho foi um grande aprendizado. “Não consigo mais ser criança. Hoje eu sou só mãe. O Douglas é a pessoa mais especial da minha vida”, conclui Yesca.
Gravidez precoce: uma realidade cada vez mais comum no Acre
Meninas acreanas estão se tornando mães cada vez mais cedo. É isso que aponta o ranking, em que o Estado aparece em quinto lugar na média de partos realizados em adolescentes entre 10 a 19 anos. De acordo com o levantamento divulgado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) em 2015, no Acre, 28,62% das gestantes são jovens. O Pará é líder nacional de partos entre adolescentes.
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde, os dados referentes aos anos de 2013 e 2014 ainda são considerados preliminares, mas os números do ano de 2012 revelam um aumento nos casos de gravidez na adolescência. Rio Branco, Tarauacá e Cruzeiro do Sul são os municípios com maior incidência de grávidas adolescentes.
Na tentativa de reduzir a quantidade dos casos de gravidez precoce no Estado, a Sesacre promove ações como o projeto “Se Liga Aí”, que trabalha dentro e fora da escola vários assuntos ligados à juventude.
De acordo com o coordenador Antonio Oliveira Neto, o projeto tem como objetivo transformar adolescentes em multiplicadores na formação e promoção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, do HIV/AIDS, do uso abusivo do álcool e outras drogas, em 22 municípios do Estado do Acre.
“Capacitamos adolescentes entre 16 a 19 anos das escolas de ensino médio para que eles atuem como multiplicadores das orientações sobre esses temas que ainda são tabus para alguns pais, professores e para os próprios jovens. Trata-se de uma orientação sobre um tema importante, mas transmitido na linguagem que os jovens entendem”, explica Neto.
Ele explica que durante as ações do projeto, além da saúde sexual e reprodutiva, também combatem o uso de álcool e outras drogas. E dos riscos das infecções provocadas pelas DST’S o HIV, os jovens são formados para combater as violências, promover a cidadania, independente de raça ou etnias, destaca o coordenador.
O projeto já chegou a capacitar 250 jovens em uma semana. Os municípios de Xapuri, Brasileia, Manoel Urbano e Rio Branco já receberam o Se Liga Aí. “Nosso desafio é chegar aos outros municípios acreanos. A receptividade dos jovens é grande”, declara.
As orientações sobre o melhor método contraceptivo e a importância do uso do preservativo são passadas sem incentivar o início da vida sexual, ressalta o coordenador. “Nosso papel é fazer com que quando o jovem tomar essa decisão, que ele se proteja, se prevenindo da gravidez precoce e das doen-ças sexualmente transmissíveis”, detalhou Neto.
O Brasil registra mais de 235 mil de gestações não planejadas de mulheres jovens por ano. O custo dessa realidade para o país é de mais de R$ 540 milhões anuais, uma média de R$ 2,2 mil por gestação.
Do total de partos realizados no Sistema Único de Saúde (SUS), 20% ocorre em meninas de 10 a 19 anos, sendo que os estados das regiões Norte e Nordeste apresentam um índice superior à média nacional que é de 20,4%. O único estado que destoa do restante do país é Santa Catarina, que registra apenas 5% dos partos em mulheres nessa faixa etária.
Entre outros impactos de uma gravidez não planejada, cerca de 30% das adolescentes engravidam novamente no primeiro ano pós-parto e entre 25% e 50%, no segundo ano pós-parto, tornando ainda mais difícil a reintegração da mãe à escola e ao mercado de trabalho.
Além disso, entre as adolescentes que têm filhos, 75,7% não estudam e 57,8% não estudam nem trabalham.
Ampliação do acesso a métodos contraceptivos reversíveis de longa duração no SUS
Por esses números, a CONITEC começou a discutir o projeto submetido recentemente pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) que pede a ampliação do acesso na rede pública de saúde a métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (LARCs) para adolescentes de 15 a 19 anos de idade.
Serão avaliados os benefícios médicos, sociais e econômicos de uma eventual inclusão dos LARCs para essa população. A iniciativa reforça a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de incluir os anticoncepcionais reversíveis de longa duração – como o implante subcutâneo de etonogestrel e o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel, que oferecem contracepção por 3 e 5 anos.
Além de oferecer alta eficácia contraceptiva, ambos os métodos não dependem da disciplina da mulher e podem ser interrompidos a qualquer momento, caso haja o desejo de ser mãe.
Das índias grávidas atendidas em 2015 no Acre, 35% eram adolescentes
Em relação ao número alto de gravidez precoce no Acre, deve-se considerar a contribuição da comunidade indígena para esse dado. De acordo com a enfermeira de referência técnica do Programa Saúde da Mulher e da Criança, do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Purus (DSEI ARP), Maria Cleuides Lira Leon, a cultura contribui para essa situação.
“A gravidez na adolescência é relevante nas comunidades indígenas do alto Rio Purus. O início da vida reprodutiva precoce está relativamente ligado à questão cultural, considerando a motivação pela conservação de costumes e hábitos que vinculam a uma tradição”.
Ainda segundo Cleuides, dados estatísticos apontam um pequeno aumento na proporção de indígenas adolescentes grávidas no último ano. Em 2014, 30% das índias gestantes atendidas tinham menos de 18 anos de idade. Em 2015, esse número subiu para 35%. “Percebeu-se um alto índice de gravidez na adolescência em números absolutos nos municípios de Santa Rosa do Purus, no Acre, e em Pauiní, no Amazonas”.
O DSEI ARP possui uma extensão territorial de 3.389.666 hectares, com abrangência de sete municípios, sendo destes, 4 no Estado do Acre (Assis Brasil, Santa Rosa do Purus, Manoel Urbano e Sena Madureira), 2 no Sul do Amazonas (Boca do Acre e Pauiní) e 1 no Noroeste de Rondônia (Vila Extrema).
O Distrito, coordenado por Jiza Lopes Cezar, abrange os indígenas dos grupos étnicos Apurinã, Jamamadi, Jaminawa, Kaxarari, Kaxinawa, Kulina e Manchineri, predominando os troncos linguísticos Pano, Aruak e Arawá. Com uma população atual de 10.656 indígenas (segundo dados obtidos do SIASI/2015), estes somam aproximadamente 1.886 famílias que povoam as 140 aldeias de sua abrangência.
O assessor indígena Francisco Apurinã explica que, de acordo com a Constituição Federal e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, os índios podem buscar livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Sobre o amadurecimento dos jovens indígenas para constituir uma família, ele diz que a idade mínima é 12 anos.
“Então a própria legislação reconhece aos povos indígenas sua organização social, usos, costumes, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Quanto ao casamento entre os povos indígenas, a partir dos 12 anos já se tornam pai de família”.
Obstetra fala sobre as consequências da gestação na adolescência
Gravidez é um momento de mudanças na vida de qualquer mulher. O corpo, a mente e os sentimentos mudam. No entanto, se não há um preparo psicológico para o que está por vir, o momento que era para ser motivo de alegria pode se tornar um verdadeiro problema. É o que acontece na maioria dos casos de gravidez precoce.
O médico obstetra e diretor de assistência da Maternidade Bárbara Heliodora, Everton Santiago, confirma que a gravidez na adolescência aumenta o risco de pré-eclampsia, parto prematuro, dentre outras complicações, mas ressalta que isso não é uma regra. “Os estudos apontam esses casos mais elevados na adolescência, mas não colocam como fator de causa a gravidez na adolescência em si”.
Ainda segundo o médico obstetra, a alteração estrutural pode ocorrer a uma pa-ciente que não adere ao pré-natal corretamente. Ele aponta casos de adolescentes que chegam a ganhar até 30 quilos durante a gestação, o que ocasiona alguma alteração devido à falta de cuidados.
Apesar de uma gravidez na adolescência ser considerada de alto risco, Everton Santiago diz que a estrutura do corpo é o motivo de menor preocupação. “O impacto maior é psicológico. A evolução da gravidez é que pode sim trazer alterações para o organismo da paciente. O fato de a adolescente engravidar por si só é de alto risco por conta da imaturidade, irresponsabilidade, pois ela acaba deixando passar algumas orientações. E acaba sendo essas complicações que vão levar a uma complicação orgânica da paciente. Mas o fato em si de gestar, os estudos não mostraram isso”, explica.
Segundo Everton, engravidar na adolescência não interfere na hora do parto. Ou seja, ele desmente a ideia de que nesses casos é maior o número de partos cesáreas. E mostra dados que provam isso.
Em 2014 foram realizados na Maternidade Bárbara Heliodora 807 partos normais em meninas de 10 a 19 anos de idade (essa é a idade definida como ‘adolescência’ pelo Ministério da Saúde). Enquanto que 547 adolescentes tiveram parto cesariano.
O diretor de assistência da maternidade também deu acesso ao jornal A GAZETA aos números dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015.
Em setembro, o número de partos normais de adolescentes chega a 100, enquanto que somente 59 foram cesáreas.
Em outubro, 139 adolescentes chegaram para dar a luz na Maternidade Bárbara Heliodora. Dessas, 77 tiveram partos normais e 62 foram cesáreas.
No mês seguinte, 103 adolescentes grávidas foram atendidas, sendo que 57 tiveram parto normal e 46 cesárea.
Em dezembro de 2015, o número de partos normais de adolescentes chegou a 71, enquanto que somente 54 foram cesáreas.
Em todas as comparações apontadas pelo diretor de assistência da maternidade, Everton Santiago, é possível constatar que o fator gravidez na adolescência não influencia se o parto será normal ou cesariano. O que realmente conta é o pré-natal.
“As complicações da gravidez na adolescência são consequências do pré-natal. Se a jovem levar o pré-natal a sério, se ela seguir todas as orientações, ela conseguirá ter um parto normal sem problema”.
Ainda de acordo com Everton, a média de idade das adolescentes grávidas atendidas na Maternidade Bárbara Heliodora é 15 anos. Diante desse dado, é preciso também levar em conta alguns fatores como o social e, principalmente, o cultural.
“Tem também aquela menina que é vulnerável, que é aliciada, infelizmente. Existe aquele tabu da sexua-lidade, mas é muito pior uma gravidez do que você conversar com a sua filha e dizer para ela que tem como prevenir. Nós sabemos que a gravidez é o menos ruim que pode acontecer. O problema são as doenças. A orientação é a base de tudo, o diálogo na família”.
O médico conta que chegou a atender uma paciente grávida de 13 anos de idade, sendo que ela já tinha um filho de 2 anos. Ou seja, a primeira gravidez da jovem foi aos 11 anos.
Sobre a idade ideal para gerar uma vida, Everton Santiago frisa que o mais importante é ter um psicológico preparado.
“Quando você fala em preparo para a gravidez, o fator estrutural é o que menos manda. O que mais importa é o emocional. O fato de gestar engloba muitas coisas, afinal, é um ser que vai nascer e que será sua responsabilidade para o resto da vida. Então, o ideal, de acordo com o Ministério da Saúde, é que você tenha uma estrutura familiar, econômica e psicológica. O ideal seria a partir dos 20 anos de idade, isso pensando em todos os fatores. Para mim, o ideal mesmo é engravidar quando você já tiver uma estrutura”.