O medo cada vez mais próximo
A enfermeira Madeline Guimarães está no sétimo mês de gestação e relata as inseguranças que sente em relação ao zika
Após três meses tentan-do engravidar, a enfermeira Madeline Guimarães, de 25 anos de idade, e o esposo tiveram a feliz notícia de que finalmente o primeiro filho iria chegar. Foi uma festa para a família e amigos. No entanto, ainda nos primeiros três meses, uma sombra de medo encobriu o casal. A notícia do zika vírus começou a se espalhar e as principais vítimas se-riam as grávidas.
Madeline se lembra de como se sentia a cada nova manchete no noticiário. Com olhos de pavor, ela assistia a mães de outras regiões do país com relatos de como o zika causou a microcefalia nos seus bebês.
“Quando descobri, ainda não tinha bombado a notícia. Mas, ainda estava no primeiro trimestre, o mais arriscado. Fiquei muito nervosa. Os mais próximos me acalmavam dizendo que não ia chegar aqui [Acre], que era pra ficar tranquila. Mas, depois que teve o primeiro caso aqui, mesmo que não confirmado que era zika, eu me desesperei”.
Para Madeline, a sensação será de insegurança e incertezas durante toda a gravidez, afinal, é algo que não depende só dela. “São várias perguntas que brotam a cada nova reportagem que passa no jornal, ou a cada notícia que você vê aleatoriamente. Será que estou me protegendo de verdade? Será que a vizinha está cuidando do quintal dela? Será que o repelente dá conta?”, indaga.
A enfermeira disse que desde que a notícia do zika vírus explodiu na mídia, ela passou a ter uma dor de cabeça crônica. No entanto, ela ficava preocupada de essa dor ser um dos sintomas. Madeline adquiriu um tipo de pânico. Qualquer incômodo no corpo a deixa atenta.
“Às vezes, eu tento me esconder de toda forma. Mas, em momentos difíceis, procuro sempre confiar em Deus, que vem me sustentando e fortalecendo todos os dias. Agora é confiar na proteção Dele, que é a única garantia que eu tenho”.
Quando tinha ultrassom, Madeline relata que ficava muito nervosa e só se acalmava quando via que estava tudo bem com o perímetro cefálico do bebê.
Atualmente, aos sete meses de gestação, a jovem diz que se sente neurótica em relação ao risco do zika vírus. Desde que as notícias passaram a circular, ela revela que tem um tipo de ritual diário para proteger o filho.
“Em casa, procuro ficar a maior parte do tempo no quarto, com tudo fechado e o aparelho anti-mosquito na tomada. Quando estou fora de casa, além do repelente, fico observando se tem algum mosquito. Não vejo a hora de ter logo meu bebê e garantir que esteja tudo bem com ele”.
Quando a escolha é esperar
Casada há 7 anos, a servidora pública Darlete da Silva Campos Fonseca, 30 anos, começou a planejar com o marido, em 2015, a primeira gravidez. Bem estruturada e realizada, ela sentia que havia chegado o momento certo. No entanto, alguns fatores aliados ao novo risco do zika vírus a fizeram adiar os planos.
Darlete chegou a começar um tratamento para engravidar no ano passado. Ela conta que foi ao ginecologista, fez um check up geral e foi receitada com um remédio para iniciar as tentativas em fevereiro de 2016. A ideia da servidora pública era ter o bebê ainda este ano.
Porém, com a circulação das notícias da nova doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o zika vírus, a insegurança freou seus planos.
Ainda que nenhum caso da doença tenha sido confirmada no Acre, ela e o esposo tomaram o cuidado de suspender o plano da gravidez. “O risco é grande. Houve orientação até do ministro da Saúde para que quem estivesse planejando engravidar esperasse mais um pouco. A gente sabe que os efeitos maiores da doença acontecem com as grávidas e isso me preocupa muito”.
Darlete diz lamentar pelos bebês que estão nascendo com microcefalia em decorrência do zika vírus. Para ela, planejar é o melhor remédio para fugir dessa situação. “Eu me coloco no lugar dessas mães. Talvez tenha faltado planejamento. Por isso que a gente planeja”, aponta.
A servidora pública declara que está disposta a esperar até que a situação seja controlada. Ela garante ainda que, definitivamente, a gravidez não vai acontecer este ano. “É uma doença obscura. Ainda nenhum cientista sabe o que realmente é e os limites de suas consequências. Não me sinto segura”, afirma.
Sobre uma possível vacina anunciada pelo Ministério da Saúde, que poderia ser descoberta em dois anos, Darlete demonstra incerteza. “Não confio nessas vacinas. E tenho esperança de que até o ano que vem a infestação do mosquito transmissor será controlada. Claro que tomarei cuidados, mas são os de sempre. Eu escolho esperar”, finaliza.
“Pessoas ficavam com nojo de mim quando dizia que estava com zika vírus”, relata paciente com suspeita da doença
“Sentia muita dor de cabeça, nas pernas, nos olhos, febre alta e fiquei com o corpo cheio de pintinhas. Quando o médico falou que era zika, tomei um susto. Em todo momento pensei que fosse dengue”, relata a doméstica Marlene Pinto, moradora do bairro Jorge Lavocat.
Os primeiros sintomas apareceram antes do Natal e hoje, apesar de estar bem melhor, Marlene conta que as dores na cabeça e nas pernas ainda persistem. “Na época fiquei preocupada com o diagnóstico do médico. A doença ainda é bastante desconhecida. As pessoas ficavam com nojo de mim quando eu falava que estava com zika. Pensavam que a doença era transmitida pelo contato e não é assim que ocorre a transmissão”, destaca.
Marlene ainda aguarda os exames, enviados para laboratórios para confirmação da presença do vírus.
De acordo com Oswaldo Ferreira, morador do bairro Recanto dos Buritis, a divulgação da existência de outras duas doenças, fora a dengue, causaram pânico para quem apresentava os sintomas.
“Tive dengue por duas vezes. E depois que surgiu o zika e a chikungunya, apresentei os sintomas novamente. Além disso, meus outros três filhos também apresentaram os sintomas. Fique preocupado. Mas, de acordo com os médicos, em todos os casos eram dengue. Até hoje, sinto bastante dor nas pernas. É uma doença que castiga a pessoa”, comenta Oswaldo.
O aposentado Raimundo Silva, morador do bairro Conquista, também ficou doente, mas preferiu não procurar atendimento médico. “Já tive por várias vezes os sintomas da dengue. Preferi ficar em casa, de repouso e tomando dipirona. Poucos dias depois estava bem”, confirma.
Ao ser perguntado se ele teve medo de ser zika ou chikungunya, o aposentado disse que as pessoas não podem ter medo da doença e sim do mosquito transmissor. “Por isso, limpar bem os quintais é fundamental hoje em dia. Se cada um fizer sua parte, não tem motivos para se preocupar”, declara o aposentado.
NÚMEROS
O segundo boletim epidemiológico de 2016, divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde, aponta que até o último dia 9 foram notificados 169 casos suspeitos de dengue no Estado do Acre e todos estão em investigação. Sobre os casos de febre chikungunya, de acordo com o boletim, no Acre, foram notificados 68 casos suspeitos. Já os casos de zika vírus, de novembro de 2015 até 13 de janeiro de 2016, foram notificados 53 casos suspeitos no Acre.
Repelente é um dos produtos mais procurados nas farmácias
Após o aparecimento do zika vírus e a associação dele com os casos de microcefalia e também a outras síndromes neurológicas como a de Guillain-Barrém, a população e, principalmente, as grávidas passaram a utilizar repelente, na tentativa de evitar o contágio. O aumento da utilização do produto foi percebido pelas farmácias em Rio Branco.
Segundo Gilberto Ferreira, balconista de uma farmácia localizada no bairro Manoel Julião, a procura pelos repelentes foi tamanha que, atualmente, não oferece nenhuma opção.
“Todos os dias, pessoas nos procuram para comprar o produto. Já fizemos o pedido e estamos aguardando chegar. As pessoas estão bem preocupadas com essa situação, principalmente as gestantes”, ressaltou o balconista.
De acordo com o atendente João de Lima, o aumento na procura pelos repelentes chegou a mais de 40% para o mesmo período de anos anteriores.
A principal orientação do Ministério da Saúde para evitar o contágio pelo zika vírus, transmitido pelo Aedes aegypti, é o uso tópico do repelente industrial. No entanto, o produto não é 100% eficaz e deve ser utilizado ao lado de outras medidas preventivas.
Contudo, nem todo repelente pode ser usado por crianças e grávidas. Além disso, os vários tipos do produto possuem tempo de ação diferente, o que pode comprometer a eficácia da proteção se esse detalhe não for observado ou ocasionar outros problemas de saúde.
O produto deve ser aplicado na pele por cima das roupas, nunca por baixo. Outra orientação importante é que não seja aplicado repelente em crianças pequenas sem prescrição médica.
Além disso, o uso indiscriminado do repelente pode trazer sérios problemas à saúde. “É preciso seguir as indicações de uso do fabricante. Passar o produto mais vezes que o necessário pode trazer complicações à saúde em vez de protegê-la”, aponta médicos especialistas.
De acordo com a Anvisa, em crianças entre 2 e 12 anos, explica a agência, a concentração dever ser no máximo 10%, e a aplicação ser restrita a três vezes ao dia. Concentrações da substância acima desse percentual são permitidas para maiores de 12 anos.
Especialista esclarece os mitos e verdades sobre o zika vírus
A febre zika é uma doença nova. Seu primeiro surto foi registrado em 2007, na ilha de Yap, na Micronésia, e chegou ao Brasil em 2014. Por isso, pouco se sabe a respeito da doença. Alguns a denominam como o ‘vírus da incerteza’.
O último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), nesta sexta-feira, 15, apontou que 53 pessoas estão com suspeita da doença no Acre. Nenhum caso ainda foi confirmado. Contudo, muitas pessoas ainda têm dúvidas com relação ao vírus.
Apesar de uma evolução lenta, com sintomas que duram em média de dois a sete dias, o zika está associado à microcefalia em bebês cujas mães foram contaminadas durante a gravidez, além de trazer deficiências variadas. O jornal A GAZETA conversou com o infectologista Thor Dantas, para esclarecer algumas dúvidas sobre a doença.
A GAZETA – O que é o zika vírus e como pode ser transmitido?
Thor Dantas – O zika vírus é considerado da família dos arbovírus, que são os vírus transmitidos por mosquitos. É um tipo de vírus transmitido por mosquito como é o vírus da dengue, da febre amarela ou chikungunya. É uma família extensa de vírus, existem muitos vírus poucos conhecidos transmitidos por mosquito.
A GAZETA – Quais os principais sintomas?
Thor Dantas – Os sintomas são semelhantes a viroses em geral. Uma das características do zika que marca é a pele vermelha, outra diferença que marca é a tendência de fazer pouca febre. Por exemplo, dengue tem uma tendência de fazer febre alta, já a zika tem febre baixa e pode nem ter febre. Essas são as principais características.
A GAZETA – A pessoa pode estar contaminada pelo vírus e não saber?
Thor Dantas – A maio-ria das pessoas não sabe que se contaminou, porque a maioria das pessoas não faz sintomas.
A GAZETA – Repelente é a forma mais efi-ciente de evitar a infecção pelo zika vírus?
Thor Dantas – Para evitar a infecção, os repelentes não são a forma mais eficiente. A forma mais eficiente de evitar é combater a proliferação do mosquito. Se estamos falando de eficiência, o que mais funciona é evitar que o mosquito nasça. Depois que está cheio de mosquito ao nosso redor, o repelente é um paliativo.
A GAZETA – Quem pega zika uma vez não corre o risco de se infectar novamente?
Thor Dantas – Essa informação ainda está sendo produzida, pois se desconhece os diferentes sorotipos de zika. Diferentes sorotipos de zika podem dar novas infecções, assim como diferentes sorotipos de dengue dão novas infecções.
A GAZETA – O zika está associado à microcefalia em bebês cujas mães foram infectadas durante a gestação?
Thor Dantas – Sim, está definitivamente associado. Essa é uma característica da doença que preocupa. Nem todos os arbovírus estão associados à má formação do feto. Essa foi uma descoberta nova.
A GAZETA – A amamentação deve ser mantida onde há risco de zika vírus?
Thor Dantas – A amamentação não está contraindicada no zika, uma vez que a mãe já está com o neném e pega o zika. O zika não causa microcefalia depois que o bebê nasce, apenas durante a gestação.
A GAZETA – Todos os repelentes são seguros para gestantes?
Thor Dantas – Os repelentes têm eficácias diferentes dependendo da substância que se use, principalmente com relação ao tempo que eles protegem. Alguns protegem por um período muito maior do que outros. Então é importante observar a marca do repelente, a substância que tem no repelente, para saber quantas vezes você tem que repetir o uso do repelente. Um repelente que tem 10 horas de ação pode ser aplicado uma ou duas vezes ao dia. Repelentes que tem 3 horas de ação têm que ser aplicados mais vezes ao dia.
A GAZETA – O mosquito transmissor do zika só pica de dia?
Thor Dantas – Não significa que seja impossível picada à noite. Se você estiver em um ambiente com muito mosquito, eventualmente durante a noite você pode ser picado. O mosquito tem um hábito diurno, ou seja, uma preferência pelo dia, mas isso vai depender da quantidade de mosquito do ambiente que você esteja.
A GAZETA – É bom evitar gravidez nesse momento?
Thor Dantas – Essa é uma resposta difícil de dar. A Sociedade Brasileira de Obstetrícia se posicionou recomendando que se evite gravidez nesse momento. Eu diria que se você está em um local onde estão tendo muitos casos de zika, como em alguns estados do Nordeste, é uma recomendação válida evitar a gravidez nesse momento até que o surto passe.
A GAZETA – Doenças neurológicas, além da microcefalia, estão relacionadas ao zika?
Thor Dantas – Outras doenças foram assinaladas como a síndrome do Guillain-Barré, que é uma síndrome neurológica que dá uma fraqueza muscular generalizada. Geralmente é reversível e sem sequelas. Mas, pode ser uma fraqueza tão grande que leve a pessoa a não conseguir respirar. A síndrome do Guillian-Barré ocorreu junto do zika, mas pode ocorrer com outros vírus. Se o zika dá mais Guillian-Barré do que outro vírus ainda não se sabe.
A GAZETA – Qual recomendação você daria à população em geral, para combater e prevenir a doença?
Thor Dantas – Entrar na guerra contra os criadouros de mosquito. O mosquito, como a gente sabe, é um mosquito que só é possível eliminar se todo mundo fizer sua parte, poder público e as pessoas em geral. Se todo mundo não unir esforços, nós não eliminamos o mosquito. Se não eliminarmos o mosquito, não conseguiremos eliminar o número de casos de zika, dengue, chikungunya e nem de todas as outras arboviroses. E ainda tem uma que nós temos falado pouco que é a febre amarela. O mesmo mosquito transmite a febre amarela, então a gente tem risco de trazer a febre amarela para a cidade.