X

As matrizes dos nossos sonhos mais concretos

Tão rápidas as décadas se passaram e nós sequer envelhecemos. Muito bom. Extraordinário. Também, pudera. Não fizemos por onde. Ocupamo-nos muito, sim. Talvez até tenhamos rejuvenescido, em vista dos ventos apanhados vindos da floresta mágica. As épocas foram tão corridas que, para muitos, nunca houve tempo para pensar em atraso, para o pessimismo, para discutir as obviedades, para as querelas destituídas de substância. O poeta, então, não mais teve como ir para muito mais além, para o Japão ou para o Canadá, posto que muito mais interessante seria que a sua casa fosse limpa e arrumada. E foi. E ainda está sendo.

De repente, nós começamos a ver as coisas por um ângulo diferenciado, mais brilhante e bem menos denso ou obscuro, apesar dos generais de plantão. A partir de então, percebemos que dezenas de sonhadores sonhavam e divagavam e planejavam e deambulavam, mas estavam muito bem acordados, vibrantes, enérgicos, a mil por hora, vislumbrando o dia em que a casa de ciência tornar-se-ia algo grandioso e não apenas do tamanho dos nossos projetos de meninos crescidos mais astutos estudiosos que inteligentes.

Com mãos de ferro, a ditadura militar varria a pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações, numa alusão ao Chico, e dava as cartas nebulosas ou sanguinolentas e pagava as contas megeras, na maioria das vezes, na base do sopapo. Intelectuais brasileiros de alta estirpe, internacionalmente reconhecidos, eram expatriados e iam prestar os seus serviços qualificados, em boa parte dos casos, em outros países que garantiam melhores ganhos por serem menos obsoletos.

Enquanto isso, no Acre, um pioneiro juntava ao redor de si um punhado de eminentes que fariam  –  como ajudaram a tornar real  –  o sonho fabuloso da Universidade Federal do Acre.

Hoje, muitos são os que ficam a rememorar uma era de lutas encarniçadas das quais o poeta menor passou a fazer parte, em inícios de 1978.

Tudo já vai muito distante, mas o pensamento voa, alcança e traz de volta aquela época, um tempo miraculoso em que, segundo ele pensa, as matrizes dos sonhos mais concretos passaram a ser exatamente a realidade de quem viajava alto, sonhava acordado, queria fazer bem feito e sempre em favor de quem mais necessitava, como ainda hoje necessita, no caso específico, de mais conhecimento e de melhor qualidade ou nivelado por cima.

Temos conseguido, sim.

Os olhos de sonho e poesia, logo depois, passaram a ver os devaneios de todos tornados paredes de concreto e tijolo e cimento. Uma outra vez, passado algum tempo, mais outras miragens fizeram revoada e foram construir realidade no vale do Juruá, onde foi implantado um campus avançado. Era aquele um tempo de heróis, muitos dos quais estão vivos e ainda contam a epopeia dos acreanos em busca de estudos superiores.

O poeta pequeno viu tudo isto com os tais olhos que a terra ainda há de comer, talvez. Mas ele viveu e foi partícipe de todos os esforços, muito mais tempo, em meio aos projetos maiores dos grandes sonhadores de ontem e de hoje. Ele ainda está vivo e ativo, apesar dos circundantes cheios de si e das aves de rapina que já não mais roubam os sonhos de ninguém. Alvíssaras!

Desce o pano do teatro das realidades. Agora, sobe. O cenário é monumental. O projeto em centenas de plantas do velho escritório técnico hoje é um conglomerado de belas construções e ajardinados e lagoas e simpatias entre estes tantos quantos que, de alguma forma, colaboram para que tudo se faça tão grandioso, inclusive no plano da aquisição e transmissão do conhecimento em níveis tão elevados quanto os quatro cursos de doutorado recentemente implantados. (Diga-se de passagem, frutos de ações planejadas e executadas em dois anos, apesar das exigências máximas da Capes, a agência brasileira de cursos de pós-graduação).

Melhor é que, há quase quarenta anos, quando por aqui aportou o poeta moleque, da janela do pavilhão mais antigo, ele vislumbrava, lá no futuro, três décadas adiante, algo muito grande que, naqueles espaços, seria construído. De olhos fechados, via toda aquela área imensa, inóspita, tornada um campus universitário digno deste nome.

Abrem-se os olhos, agora. Passaram-se dois pares de décadas. E o sonho se transformou na mais bela das realidades, a olhos vistos, e só não enxerga aqueles a quem as vistas cansadas não o permitem. Lamentavelmente.

Refletindo, então, sobre a sensatez, afirmo-vos que um homem insensato é aquele que anseia morrer orgulhosamente por uma causa. Já o humano sensato é o que aspira viver humildemente por uma razão. Tal aforismo está melhor delineado em um capítulo qualquer dos alfarrábios do pensamento budista.

A nossa causa não é de um humano tão somente. Trata-se de obra coletiva, porque foram as nossas mãos edificadoras que fizeram tudo isso. E faremos muito mais porque os relacionamentos aqui vividos, na superior maioria dos casos, são pautados pelo equilíbrio, pelo bom senso e por um espírito de colaboração que sempre marcou as obras erguidas nestas terras do Acre, sejam elas em nível material ou espiritual.

Parafraseando um sábio estivador de outra época, é preciso deixar claro que o respeito é bom e conserva as relações.

Numa instituição como a Universidade Federal do Acre, formada por espíritos de alta competência e conhecimento forjado nas lides acadêmicas por este País afora, é preciso considerar que as emoções não devem prevalecer sobre a razão. Como aconteceu aos pioneiros, deve importar o futuro do empreendimento e não o poder pelo poder. O respeito é bom e aviva as relações humanas. Em contrapartida, o revide e o contragolpe acirram o debate e podem levar à luta renhida. É necessário, sim, que busquemos evitar a falência da dialética, esta, tão útil e tão comum em meio a pessoas de tirocínio comprovado.

Há de se sugerir que, juntos, comecemos a divergir, sim, mas sem desqualificar o oponente que não é exatamente um inimigo. Fatores como este podem passar uma imagem muito ruim para o grande público, principalmente, quando algumas ofensas desqualificadas e desprovidas de substância vêm dos doutos que frequentam ou fazem o dia a dia de uma Academia formada por pessoas de nível muito acima da média.

É oportuno convencionar que a legalidade é o princípio básico das relações entre os ditos inteligentes. Importa afiançar que todos têm os seus pontos de vista a serem respeitados com um mínimo de cordialidade ou sem agressão.

Numa síntese bem apurada, é conveniente observar que as eleições significam um processo de avaliação bastante abrangente acerca do que tem sido feito nos últimos quatro anos, independente de qual gestão esteja sendo avaliada.

Certamente, é saudável olhar no olho do concorrente e falar a verdade mais cristalina, sem impropérios e sem que as emoções tomem conta das cabeças dos nossos pares tidos e havidos como os mais racionais desta nossa periferia cheia de brios.

*Diretor de Desempenho e Desenvolvimento / Prodgep / Ufac. Escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível nas livrarias Nobel, Paim e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.

Categories: Cláudio Porfiro
A Gazeta do Acre: