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Fechamento de Ciclos Biogeoquímicos

Vivemos numa época onde a poluição do planeta tem ameaçado, em escala global, a saúde e a segurança dos seres vivos e do meio ambiente. São ameaças que causam riscos crescentes às sociedades e à biodiversidade através de inúmeros fatores, desde as transformações naturais do planeta até a interferência das atividades humanas sobre tais transformações (interferência antrópica).
As transformações naturais do planeta servem de referência para que possamos medir a interferência das atividades humanas nessas ameaças, evidenciando uma dúvida muito importante: Quanto desviamos o planeta de seu caminho natural?
Esse caminho natural pode ser caracterizado como a circulação de elementos químicos dentro dos limites do planeta, ou seja, do centro da Terra até o limite da atmosfera com o espaço. A circulação dos elementos na água, no solo e no ar é fundamental para que essas substâncias químicas presentes no planeta circulem, interajam e estabilizem suas propriedades físicas, químicas e biológicas, proporcionando maior segurança à vida como um todo, pois do contrário, estaremos alterando a circulação natural (o caminho) dessas substâncias no planeta.
O caminho ou circulação natural das substâncias químicas no planeta recebe o nome de ciclos biogeoquí-micos, pois são fluxos de átomos e moléculas que acontecem nos processos biológicos e geológicos, evidenciando uma variedade direcional na circulação desses elementos, onde seus ciclos podem ser rastreados e descritos, da superfície às profun-dezas do planeta.
Para que esses ciclos circulem de forma natural e produzam estabilidade às substâncias químicas e ao meio ambiente, é preciso considerar como ocorrem a circulação e a interação dessas substâncias com o planeta. Por isso pensar na redução da poluição do planeta é pensar no fechamento dos ciclos biogeoquímicos, ou seja, enquanto não conhecermos melhor e controlarmos a interferência humana nesses ciclos eles seguirão alterados e desviados de seus caminhos naturais.
O fechamento dos ciclos biogeo-químicos está diretamente relacionado ao termo resiliência, que pode ser descrito numa variedade de situações, como por exemplo, a propriedade de um corpo de recuperar a sua condição original após sofrer uma deformação (no caso de uma mola) ou a capacidade de superação e recuperação de adversidades, sejam elas ambientais, sociais, econômicas, psicológicas etc.
Atualmente vivemos essa complexa teia de relações envolvendo poluição e resiliência e todos os dias são noticiadas catástrofes ambientais que nos afetam e afetam o planeta como um todo. A atividade humana de extração de petróleo e carvão mineral e sua combustão para gerar energia, por exemplo, aceleram rapidamente o fluxo de carbono enterrado em sedimentos, os liberando para a atmosfera. Atualmente a concentração de gás carbônico na atmosfera está subindo cerca de duas partes por milhão (ppm) a cada ano, afetando o crescimento de plantas e a absorção de energia termal da Terra.
Quando avaliamos semelhanças e não diferenças entre situações, objetos e fatos, em geral, fazemos analogias que nos permitem estabelecer semelhanças entre as propriedades ou algumas particularidades dos ciclos biogeoquímicos, permitindo aumentar nossa compreensão sobre a importância do fechamento desses ciclos.
O coração humano é sempre comparado com uma bomba que torna possível a circulação do sangue em todo o corpo; se essa mesma analogia de circulação utilizar o exemplo de um carro que apresenta um vazamento de óleo no motor ou uma canoa furada, podemos pensar que enquanto o vazamento não for estancado, corremos o risco do carro parar de funcionar, a canoa furada afundar ou o planeta não ter mais resiliência conosco e nos “despedir”. Infelizmente, isso evidencia o uso irresponsável dos recursos naturais do planeta, exigindo também uma maior compreensão nossa em relação a resiliência.
Para evidenciar o quanto esses ciclos vêm sendo alterados de maneira crescente, lembramos de um dos ciclos biogeoquímicos mais conhecidos, o ciclo da água. Sua onipre-sença em nossas vidas faz com que ele participe também de outros ciclos, principalmente através de rios, mares e de cursos de água na atmosfera, formados por vapor de água e propelidos pelos ventos. Esses “rios voadores” são levados pelos ventos para diferentes regiões, como no exemplo dos ventos alíseos que sopram de perto da linha do Equador de leste para oeste e que trazem a umidade evaporada do Oceano Atlântico em direção à América do Sul. A maior parte da chuva que ocorre sobre nossas cabeças é devida à evaporação no Oceano Atlântico.
O ciclo do carbono, por outro lado, causa preocupação devido ao aumento nas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, como o gás carbônico (CO2), afetando seu ciclo e causando preocupações quanto a desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas. Porém, não podemos esquecer que as sociedades alteram também o fechamento de ciclos biogeoquímicos menos conhecidos, como o do mercúrio, arsênio, lítio, dentre outros, alterando todos os ciclos ao mesmo tempo.
As atividades humanas também têm interferido decisivamente no ciclo global do nitrogênio, causando consequências negativas para o planeta. O ciclo do nitrogênio (N) é essencial como componente de proteínas e inúmeras moléculas orgânicas presentes na natureza, além de produzir fertilizantes para o solo.
Depois do oxigênio (O), carbono (C) e hidrogênio (H), o nitrogênio é o quarto elemento químico mais abundante nos tecidos vivos, constituindo 78 % da atmosfera. O ciclo do nitrogênio está presente em todo o planeta e tem sido alterado a ponto de dobrar a velocidade de entrada do nitrogênio em seu ciclo (e a velocidade continua subindo). Essa interferência causa sérios impactos sobre os ecossiste-mas, interagindo com outros ciclos, como o do carbono e de minerais presentes no solo. Além disso, compostos nitrogenados como óxido nitroso (N2O) e óxido nítrico (NO) influenciam negativamente para o aumento do efeito estufa, na perda de nutrientes do solo, como cálcio (Ca) e potássio (K), e na poluição de rios e mares, acelerando a perda na biodiversidade.
Por isso é importante deixar claro que os ciclos biogeoquímicos têm seus ciclos naturais e estes devem permanecer fechados. Corremos o risco de abrir a Caixa da Pandora quando alteramos esses ciclos, permitindo  impactos nocivos sobre o funcionamento do planeta. Além disso, as atividades humanas é que devem se adaptar às demandas do planeta e não o contrário!
Há riscos potencializados pelo efeito sinérgico existentes entre as substâncias químicas, ou seja, ocorrem interações que operam desde o nível doméstico até escalas mun-diais, mas esse será o assunto de nosso próximo encontro, quando abordaremos um pouco mais sobre os compostos químicos sintéticos e a importância do fechamento dos ciclos biogeoquímicos. Até lá!

*Miguel Xavier, Professor do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza (CCBN); pesquisador dos grupos de pesquisa de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) e de Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN) da UFAC.

Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

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