Em 2015, a Defensoria Pública realizou mais de 3 mil ações por atraso de pensão alimentícia; novas regras podem aumentar esse número
BRUNA MELLO
Segundo a defensora pública Clara Rúbia, mais de 3 mil ações de execução de pensão alimentícia (quando existe atraso no pagamento) foram realizadas em 2015 pela Defensoria Pública do Estado do Acre. Com as regras do Novo Código de Processo Civil (CPC), que começaram a valer no último dia 18 de março, o número de inadimplência pode aumentar.
Clara explica que entre as principais alterações no caso das cobranças estão: quem não pagar o valor devido poderá ser preso em regime fechado, ter o nome negativado (inscrito no SPC ou Serasa), além de ter a dívida debitada diretamente do salário.
“As ações de alimentos atrasados ajuizadas a partir dos últimos três meses de atraso gerará prisão em caso de não pagamento. Protesto do título em cartório. A prisão pode durar até três meses, em regime fechado. Em caso de prisão e não pagamento, mesmo assim, a dívida persistirá. Poderá ser cobrada por meio de penhora de bens do devedor”, explicou a defensora.
Mas, se o devedor não fizer o pagamento e cumprir o prazo fixado da prisão? Ele será extinto da obrigação? Não. O Código de Processo Civil diz que “o fato do executado ter contra si o decreto de prisão e cumpri-lo pelo prazo determinado pelo juiz não extingue a obrigação alimentar inadimplente, remanescendo, pois, a obrigação de pagar que seguirá”.
Com as novas regras, o valor da pensão pode ser fixada em até 50% do valor dos rendimentos do devedor. Antes não existia uma regra nesse sentido, o valor era baseado em um entendimento de jurisprudência com limite de até 30% do valor dos rendimentos. “Observa-se as necessidades de quem pede e as possibilidades de quem paga”, pontuou Clara.
A defensora destaca ainda que, na ação de alimentos inicial – pedido pela primeira vez, o requerente deve optar pela realização ou não de uma audiência de conciliação, sob pena de pagar multa caso não compareça a audiência.
“Se uma das partes optar pela audiência, haverá a sessão mesmo que a outra parte não concorde”, afirmou.
Ainda segundo a defensora, o acordo entre as duas parte é sempre a melhor opção para a família. “Eles decidem como ficará melhor as condições do acordo que irão firmar. Em relação à primeira fixação de alimentos, é bem menos demorado. Principalmente, nos alimentos gravídicos, onde a gestante necessita de auxílio financeiro para enxoval e acompanhamento da gravidez”.
Por outro lado, Clara diz que quando há um atraso com altos valores, dificilmente os acordos são bem sucedidos. “Muitas vezes, os devedores não cumprem o acordado e acabam sendo executados novamente, com pedido de prisão”.
De acordo com dados da Defensoria Pública, o número de ação e execução de pensão alimentícia variam entre 300 a 700 por mês. “Todos os dias escuto histórias sofridas e marcantes. Mas, quando se trata de pessoas idosas abandonadas por seus filhos, fico bastante comovida. Muitos são os filhos e poucos são os que vem contribuindo com o sustento de seus pais”, concluiu Clara Rúbia.
Quando apenas a pensão alimentícia é o único vínculo entre pai e filha
BRUNA LOPES
A guerra da pensão alimentícia tem início com o fim de uma relação amorosa. Nessa situação, as mães, por estarem revoltadas logo após uma separação traumática, muitas vezes afirmam orgulhosas que não precisam do dinheiro de seus ex-maridos para sustentar os filhos. Dizem que são capazes de sustentá-los sozinhas. E, até então, ninguém diz o contrário.
No entanto, o direito à pensão alimentícia não é um direito pertencente à mãe, vale ressaltar. Ele é um direito exclusivamente do alimentado e pertence à criança e ninguém está autorizado a abrir mão desse direito em nome da criança.
Diante disso, não cabe à mãe dizer que não quer ajuda de seu ex-marido para sustentar seu filho, pois esse direito não lhe pertence, o direito de receber pensão alimentícia é do menor.
Apesar das recentes reformulações, a lei não ajuda na resolução dos problemas familiares. Como por exemplo, a do montador de móveis, Aldeir Costa. Ele paga pensão para a filha, desde 2010, quando decidiu regularizar na Justiça o valor da ajuda que daria durante o desenvolvimento da menina.
Recentemente, uma situação abalou a vida da família inteira. “A pensão estava sendo paga normalmente. Foi aí que um dia, um oficial de Justiça bateu à minha porta, acompanhado de policiais para cumprirem um mandado de prisão. Segundo o documento expedido, eu não tinha efetuado o pagamento da pensão. Apresentei os comprovantes do depósito e ainda assim fui levado para penitenciária”, lembrou emocionado Aldeir.
Segundo a atual esposa de Aldeir, Elza Sousa, aqueles foram momentos de aflição. “Acredito que a legislação deveria melhorar nesse aspecto. Esse processo poderia ser mais transparente. É inadmissível que em uma ação judicial ouça apenas a um dos lados”, critica.
A família acredita que nessa ocasião a Justiça levou em consideração apenas a declaração da mãe da jovem. “Não tem como pensar em outra coisa. A mãe da minha filha fez isso para me prejudicar. Eu estava com os comprovantes em mãos. E mesmo assim passei pelo constrangimento de ser preso por não ter pagado. Esse tipo de experiência não se esquece”, destaca Aldeir.
A crise financeira que atinge o país agravou ainda mais a situação do montador de móveis, porque ele perdeu o emprego e hoje de fato está em atraso com o pagamento de pensão.
“Vai completar três meses agora. Estou preocupado, porque não tenho de onde tirar e se for preso não tenho como conseguir emprego em lugar nenhum. Além disso, minha família também vai sofrer”, desabafa Aldeir.
Atualmente, pai e filha praticamente não tem contato. “Infelizmente, o que me liga a ela é apenas a pensão. No início tentei ser presente e participativo no desenvolvimento dela. Isso havia sido acordado extrajudicialmente com a mãe, mas não deu certo. Não temos qualquer vínculo pessoal. E lamento muito que isso tenha ocorrido. Mas, hoje eu tenho outra filha pequena e preciso trabalhar para garantir os direitos dela também”, afirma Aldeir.
O amor também é fundamental para a criança, afirma o pai
A pensão alimentícia, além de ser um direito de um filho, é dever do pai ou da mãe. “É assim que penso. Além da pensão, ajudo do que posso com a criação da minha filha. Isso não pode ser abalado por nenhuma separação. Ou não deveria ser”, salienta o motorista Francisco Silva.
Na Justiça, o motorista conseguiu obter a regularização do valor pago, mas explica que as despesas adicionais são tratadas com a avó materna da filha, que tem mais de um ano. “Somos civilizados nesse aspecto. Não há briga. Até porque, se eu pagasse apenas o valor que foi estimado na Justiça, minha filha não teria a qualidade de vida que ela tem hoje. Vejo que alguns pais acham porque pagam R$ 300 ou R$ 800 já fazem tudo. E não é bem assim”, ressalta Francisco.
Além da pensão, Francisco ajuda com o pagamento do plano de saúde e com o lazer da garota. Ele afirma que não tem dinheiro que pague um abraço ou um momento de brincadeira.
“Isso é ser pai, apesar de todas as dificuldades que hoje temos que enfrentar. A grana está cada vez mais curta. O cenário não está favorável. Mas, nos ajudamos muito e todo o esforço é para ela, para o bem dela. Além disso, os momentos devem ser valorizados. E entre eu e a família da mãe dela existe muito respeito. Acho que isso é fundamental para qualquer criança”, declara Francisco.
Vale ressaltar que, quando o casal se separa, geralmente, o filho quando menor, fica com a mãe. E quando o pai fica com o filho, a mãe também está obrigada a pagar pensão alimentícia.
Com dois meses de pensão alimentícia do filho atrasados, mãe questiona o sistema
BRENNA AMÂNCIO
Há cinco anos, quando Maria da Penha Leal Pereira Nascimento, 31 anos, deu entrada na separação com o companheiro, ela não imaginava que seria tão complicado seguir a vida. Não que a presença dele lhe fizesse falta, mas os dois tinham um filho, que na época estava com 3 anos de idade.
Como em boa parte dos casos, a separação também afetou a criança. Maria passou a ser pai e mãe. Isso porque as visitas do ex-marido ao filho só aconteceram nos primeiros meses. “Ele até chegou a pedir a guarda do nosso filho, mas não aguentou uma semana. Fez isso só para me enfrentar, mas eu deixei que ele vivesse a experiência. Ele, o pai, só realizou visitas nos primeiros meses, depois sumiu do contato. Lucas (nome fictício) cresceu sem o afeto dele”.
Maria, que na época estava desempregada, buscou os direitos da criança e solicitou a pensão alimentícia. O bem foi concedido, mas não da forma que ela esperava. “É só uma ajuda de custo, como eles dizem. Mas, do jeito que as coisas estão hoje, não tem ajuda de custo. No início, ele (o pai de Lucas) pagava 100 reais por mês. Mas o que dá para fazer com 100 reais? Uma criança estuda, tem alimentação, tem vestimenta, às vezes adoece e precisa de remédios. E, na época, eu estava desempregada. Contávamos apenas com essa quantia e mais 132 reais do Bolsa Família. Ainda assim, é impossível sobreviver com tão pouco”.
Vivendo uma situação precária após a separação, Maria da Penha procurou emprego para custear todas as despesas da casa.
Atualmente, ela trabalha como auxiliar de campo da Eletrobras em Rio Branco. Conta que a pensão também sofreu um pequeno aumento. “Hoje, ele paga 136 reais de pensão alimentícia. Já procurei conseguir um aumento maior para o Lucas, pois soube que isso era possível à medida que a criança vai subindo na escolaridade. A gente pode pedir, mas eles querem que seja levantado tudo o que se gasta com a criança. Eu tenho outros dois filhos e não compro as coisas só para um. Quando eu faço a feira é para toda a casa. Não separo a conta. Isso é complicado”, aponta.
A auxiliar de campo enfatiza essa dificuldade e diz que tem sido ainda mais complexa a situação porque o pai de Lucas está com o pagamento da pensão alimentícia atrasado há dois meses. E essa não teria sido a primeira vez que ele atrasa.
“Material escolar, o uniforme, a alimentação, na verdade quase tudo tem saído apenas do meu bolso. Passo toda essa dificuldade e sequer dou mimos ao meu filho. Dou apenas o necessário”, desabafa.
Hoje, Maria da Penha é casada com outra pessoa. O novo esposo é quem cuida de seus filhos e, segundo ela, representa a figura paterna para o pequeno Lucas, que já está com 8 anos. “O pai biológico é tão ausente que o meu filho não lembra o nome dele. Não lembra, porque a última vez que o viu faz anos. Quando nos separamos, eles ainda tiveram contato por alguns meses porque eu que levava a criança na casa dele. Ele (o pai de Lucas) não se importa e eu não posso forçar alguém a amar o próprio filho. Isso tem que partir dele”.
O único pai que Lucas conheceu e conviveu é o atual esposo de Maria. É ele quem o põe para dormir, quem vai às reuniões da escola e quem ajuda com as tarefas. Segundo Maria da Penha, o menino é uma ótima criança, carinhosa e amável. “É um tanto preguiçoso para os estudos”, admite ela entre sorrisos. “Ele e os irmão são a alegria da casa”.
Para Maria, não é justo o funcionamento da pensão alimentícia. Falta amparo maior às mulheres que cuidam e criam sozinhas as crianças. É preciso que os homens, ao terem filhos, também se sintam responsáveis por aquela vida, sugere ela.
“Eu não acho que é justo. Sei que eu posso estar com a guarda do meu filho, mas as mesmas obrigações que eu tenho enquanto mãe, o pai biológico também deveria ter. Se eu me viro nos trinta para dar o sustento do meu filho, para mantê-lo na escola, por que o pai não tem? É fácil ter o nome lá na certidão”, questiona.
Manhãs perdidas
Com o atraso da pensão alimentícia, na última quinta-feira, 31 de março, Maria da Penha foi em busca de fazer a notificação na Defensoria Pública do Acre. Para esses assuntos, o órgão realiza atendimentos na OCA. Em uma semana, a mulher deu duas viagens perdidas.
No início da semana foi informada de que a Defensoria atende um determinado número de pessoas e que o serviço se encerra às 10h. Na quinta-feira, ao chegar ao local, descobriu que naquele dia não haveria atendimento. Todos os funcionários daquele departamento estavam em um curso de treinamento.
“O problema é que já perdi duas manhãs de trabalho, porque para resolver essas coisas a gente pede folga. E esse é apenas o meu primeiro mês no novo emprego. Estou em fase de teste. Tenho medo que isso me prejudique”, declara.
Maria sugere que a Defensoria Pública passe a atender também no horário de almoço para que pessoas como ela possam aproveitar o tempo livre no trabalho e resolvam suas pendências. “Antes era bem tranquilo, porque nos atendiam na sede da Defensoria. Agora transferiram a questão da pensão alimentícia para a OCA e estou sentindo dificuldades em resolver os problemas”.