Pela segunda vez na história, desde a Constituição Federal de 1988, o Brasil passa pelo processo de impeachment de um presidente. O primeiro foi há 24 anos e culminou com a renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello e hoje o processo tramita pelo Senado da presidente Dilma Rousseff. Apesar de existirem muitas semelhanças entre o passado e o presente, também existem diferenças.
De acordo com o historiador Francisco Bento da Silva, o rito pelo qual está passando o processo hoje, foi o mesmo de 92.
“Do ponto de vista jurídico, os processos se baseiam na lei do impeachment criada em 1950. Percebe-se uma mudança na composição das comissões. Outra diferença foi a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo atual. Em 92, a Corte deu autonomia ao então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, para formular as regras da tramitação”, destacou o historiador.
No processo contra Dilma, os ministros Rosa Weber e Teori Zavascki do STF definiram que os procedimentos deveriam seguir a Lei 1.079/1950, a Lei do Impeachment.
Outra diferença na avaliação de Francisco Bento é que o atual governo tem mais sustentação parlamentar, se comparado com o Collor. “Em 92, presidente foi eleito por um partido que não tinha representatividade e não tinha base social nenhuma. Durante todo o processo ele ficou sozinho, abandonado. Diferente da Dilma é que filiada do Partido dos Trabalhadores e que por uma questão de poder e política defende a presidente. Além dos movimentos sociais e base sindical que estão a serviço da defesa dela”, explicou o historiador.
Em ambos os casos, por exemplo, as situações políticas são similares. Uma forte crise econômica, associada a expressiva insatisfação popular e uma fragilidade da base do governo no parlamento.
Em 92, pressionada pelas denúncias e diversas manifestações públicas, a Câmara Federal autorizou a abertura do processo de impeachment por 441 votos a 38. Houve uma abstenção e 23 ausências.
No último domingo, 17, a Câmara Federal decidiu por 367 votos a 137, pelo prosseguimento do processo de impeachment para o Senado.
No começo de outubro, o processo chegou ao Senado, e Collor foi afastado interinamente. O presidente renunciou em 29 de dezembro de 1992, quando o Senado julgou e aprovou por 76 votos a 3 seu afastamento definitivo.
Outra diferença apontada pelo historiador é que naquela época, o então vice de Collor, Itamar Franco, tinha uma boa imagem perante a sociedade, já que na ocasião não tinha seu nome associado aos crimes que Collor estava sendo acusado. Franco assumiu e governou o Brasil até 1994.
Já contra o atual vice-presidente, Michel Temer, pesam algumas denúncias, vindas de delação premiada na operação Lava Jato, aponta o historiador. “Associam o nome dele a indicação de políticos e Caixa 2”, explicou Francisco Bento.
E, apesar da corrupção ser uma característica presente nos dois momentos políticos, em 92, Collor foi acusado diretamente de ser beneficiado por dinheiro ilícito, já Dilma é questionada por sua administração.
Porém, há diferenças marcantes entre o impeachment de 1992 e o processo em andamento de agora. Uma delas trata da consistência do pedido de impedimento (crimes de responsabilidade) quanto ao processo que levou ao impeachment.
Em 2015, parte da população foi às ruas pedir a saída de Dilma Rousseff antes que partidos se mobilizassem pelo afastamento da presidente: 15 de março, 12 de abril, 16 de agosto. “Essas manifestações não estão associadas ao impeachment. Eram mais contra o governo”, destacou Francisco Bento.
Em 1992, o povo só aderiu ao pedido de impeachment de Fernando Collor depois que a oposição começou a manifestar a intenção publicamente e após a entrevista de Pedro Collor a uma revista de circulação nacional. “Na ocasião o povo descobre o carro Fiat Elba que tinha sido comprado com dinheiro do PC Farias e acabou detonando o processo de impedimento”, destacou o historiador.
Acusado de corrupção passiva, Collor foi julgado pelo STF em dezembro de 1994. Ele fica inelegível por oito anos. Entretanto, a maioria dos ministros entendeu que houve falta de provas e não ficou comprovado o chamado ato de ofício, quando um servidor público muda a sua postura em determinado ato mediante recebimento de vantagem financeira. Collor foi, então, absolvido.
Veja como será o rito do processo do impeachment no Senado
MARCELA JANSEN
Com o recebimento da resolução da Câmara dos Deputados autorizando a abertura do impeachment, o Sendo Federal já se prepara para a realização da votação. Em plenário, os senadores terão que decidir se aprovam ou não a abertura do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT).
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, já afirmou que o Senado deverá seguir o mesmo roteiro do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
O primeiro passo da tramitação do impeachment no Senado foi à leitura em plenário, na última terça-feira, 19, do parecer da Câmara favorável à abertura do processo. Em seguida, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), criou a comissão especial para a análise do processo. Na ocasião foi determinado que os líderes partidários deveriam indicar 42 senadores para compor a comissão, fato que ocorreu na sexta-feira, 22. São 21 titulares e 21 suplentes.
A eleição da comissão especial pelo plenário da Casa está marcada para a próxima segunda-feira, 25, a partir das 16h. Na terça-feira, 26, haverá instalação oficial do colegiado, com a eleição do presidente, do vice e do relator. Após sua instalação, começa a contar o prazo de dez dias úteis para que o relator apresente seu parecer sobre a admissibilidade da abertura do processo. Nessa fase não há previsão de defesa da presidente. O parecer precisa ser votado pelos integrantes do colegiado, onde à aprovação se dá por maioria simples.
No plenário, o parecer da comissão será lido e, após 48 horas, votado nominalmente pelos senadores. Para ser aprovado é necessária a metade mais um dos votos dos senadores presentes, desde que votem pelo menos 41 dos 81 senadores da Casa.
O que acontece se o processo de afastamento da presidenta for aberto?
Se o parecer da comissão for pela admissibilidade do processo de impeachment e o texto for aprovado pelo plenário do Senado, o processo contra a presidenta é instaurado e Dilma será notificada e afastada do cargo por 180 dias.
Começa a fase de produção de provas e a possível convocação dos autores da denúncia, da presidenta Dilma e da defesa até a conclusão das investigações e votação do parecer da comissão especial sobre o processo.
1. A presidência do Senado é transmitida ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF);
2. Se a denúncia for considerada objeto de debate, o denunciado (o presidente) é notificado para, no prazo de vinte dias, responder à acusação. Neste momento o processo de impeachment é formalmente instaurado e o presidente é afastado de suas funções por 180 dias;
3. Interrogatório do denunciado pela Comissão. O presidente pode não comparecer ou de não responder às perguntas formuladas;
4. Instrução probatória (fase do processo em que se colhe e produz provas) perante a Comissão Especial, com observância do princípio do contraditório. Há a possibilidade de intervenção processual dos denunciantes e do denunciado;
5. Possibilidade de oferecimento de alegações finais escritas pelos denunciantes e pelo denunciado. Prazo: quinze dias;
6. Parecer da Comissão Especial, a ser emitido no prazo de dez dias, sobre a procedência ou não da acusação. Publicação e distribuição do parecer, com todas as peças que o instruíram aos senadores. Inclusão do parecer na ordem do dia, dentro de 48 horas, no mínimo, a contar de sua distribuição;
7. Discussão e votação nominal do parecer, pelo Plenário do Senado, em um só turno. Se o Senado entender que não procede a acusação, o processo será arquivado. Se o parecer for aprovado, por maioria simples, a acusação é considerada procedente;
8. O presidente da República os denunciantes são notificados da decisão;
9. Cabe recurso para o presidente do Supremo Tribunal Federal contra deliberações da Comissão Especial em qualquer fase do procedimento. Prazo de interposição, com oferecimento das razões recursais: cinco dias;
FASE DE JULGAMENTO
1. Intimação dos denunciantes da deliberação plenária do Senado. Vista do processo, na Secretaria do Senado, para oferecimento, em 48 horas, do libelo acusatório e da lista de testemunhas;
2. Abertura de vista ao denunciado, ou ao seu defensor, para oferecer, em 48 horas, a contrariedade ao libelo e lista de testemunhas;
3. Encaminhamento dos autos ao presidente do STF que vai designar data para o julgamento, notificando os denun-ciantes e o denunciado. Intimação das testemunhas. Intervalo mínimo de dez dias entre a notificação e o julgamento;
4. Abertura da sessão de julgamento, sendo chamadas as partes, que poderão comparecer pessoalmente ou por intermédio de seus procuradores;
5. Da sessão de Julgamento, presidida pelo presidente do STF, participarão, como juízes, todos os senadores presentes, com exceção dos que incidirem nas situações de incompatibilidade de natureza jurídico-processual;
6. Leitura dos autos do processo. Interrogatório das testemunhas. Possibilidade de contradita, de reinquirição e de acareação das testemunhas, por iniciativa dos denunciantes e do denunciado. Os senadores poderão formular perguntas às testemunhas, sempre por intermédio do presidente do STF;
7. Terminada o interrogatório, serão feitos os debates orais, sendo facultadas a réplica e a tréplica entre os denunciantes e o denunciado, pelo prazo que o Presidente do STF estipular;
8. Concluídos os debates, retiram-se as partes do recinto da sessão. Discussão única entre os senadores sobre o objeto da acusação;
9. O presidente do STF relata o processo, mediante exposição resumida dos fundamentos da acusação e da defesa, bem assim como indicação dos respectivos elementos de prova;
10. Julgamento, em votação nominal, pelos senadores desimpedidos;
11. Lavratura da sentença pelo presidente do STF, que será assinada por ele e pelos senadores que tiverem participado do julgamento. Transcrição dessa resolução do Senado em ata e publicação desta no Diário Oficial e no Diário do Congresso Nacional;
12. Anúncio imediato da sentença ao denunciado;
13. Encerramento do processo.
Senadores acreanos garantem que a casa legislativa dará um rito estritamente constitucional ao processo de impeachment
BRENNA AMÂNCIO
Após a Câmara dos Deputados ter decidido que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff seguirá para o Senado, começou uma nova maratona para definir a comissão. Se for mantida a posição da Câmara, a presidente será afastada temporariamente e quem assumirá o cargo é o vice, Michel Temer.
São necessários os votos de 41 dos 81 senadores para a abertura do processo. O Acre está representado pelos senadores Jorge Viana (PT), Gladson Cameli (PP) e Petecão (PSD).
Apesar das críticas, inclusive da imprensa internacional, em relação à consistência dos argumentos dos deputados na hora da votação na Câmara, Gladson Cameli acredita que o discurso dos parlamentares não fugiu do contexto.
“Em primeiro lugar, devemos respeitar a decisão da grande maioria da Câmara dos Deputados. Com relação aos argumentos dos parlamentares, cuja maioria acompanhei, encaro com naturalidade os que foram proferidos na hora do voto. Veja, a Câmara representa o povo brasileiro, nada mais natural que ela se expresse alinhada com a vontade do povo que a elegeu. Além disso, a Câmara não julgou os atos da presidente da República, ela somente deu seguimento ao procedimento e cabe agora o Senado seguir e julgar o mérito do impedimento”.
Gladson foi indicado pelo partido para integrar a comissão do impeachment em uma das três vagas que cabem ao Bloco Democracia Progressista (PP e PSD).
O parlamentar, que é a favor do impedimento, afirma que o país passa por uma crise sem precedentes e que perdeu a confiança financeira das principais agências econômicas do mundo. Ele garante que analisará todas essas circunstâncias para dar o seu voto no Senado. “Com relação ao impedimento da presidente Dilma, irei analisar com isenção e votarei com a minha consciência, fundamentado nas provas acostadas na denúncia. Devemos enfrentar tudo isto como um procedimento legal e, ficando provado que houve crimes de responsabilidade, não há outra saída que não afastar a presidente”, declarou.
Sobre o prosseguimento do processo de impeachment, Gladson destaca que o Senado é composto por ex-presidente, ex-governadores e políticos com vários mandatos. Por isso, acredita que haverá um julgamento político-jurídico bem fundamentado no devido processo legal. “Não tenho dúvidas que o processo prosseguirá e, ao final, dará as respostas que o país espera”.
Em declarações anteriores, o senador Jorge Viana também declarou que a casa legislativa dará um rito estritamente constitucional ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Ele criticou a postura dos parlamentares durante a votação na Câmara dos Deputados e garante que isso não se repetirá no Senado. “Sabemos da responsabilidade do Senado em relação a esse assunto. Vamos tratar com a devida seriedade que ele merece, diferente do que foi feito na Câmara dos Deputados. Portanto, a decisão é dar um rito conforme estabelece a Constituição”, disse.
Jorge Viana, que já declarou ser contra o impeachment, pede cautela da sociedade em relação a esse assunto. “Temos que ter muito cuidado, pois, com a saída de uma pessoa colocada de forma legítima no cargo, o país pode entrar em uma instabilidade enorme. Quem vai para a rua quer um país melhor. Mas, quem garante que esse próximo governo ilegítimo será melhor?”, argumentou.
Impeachment da presidente Dilma divide opinião de acreanos
BRUNA MELLO
A aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados no último domingo, 17, divide opiniões entre os acreanos. Enquanto algumas pessoas acreditam que o impeachment é a melhor solução para resolver a crise política que o país vive, outras creem que se trata de uma tentativa de golpe contra a presidente e a democracia.
Com aprovação da Câmara, o processo de impedimento seguiu para o Senado. Para que seja aceito nesta próxima etapa, é necessário haver maioria simples em duas votações: na Comissão Especial (11 votos a favor) e em plenário (41 votos). Desde a instrução ao julgamento final no plenário, a Constituição prevê um prazo de 180 dias.
A manicure, Maria Francisca da Silva, de 27 anos, apesar de ansiosa para o resultado final do processo, se mostra desacreditada com a política no país. Quando questionada sobre seu posicionamento político, ela se diz neutra: nem a favor, nem contra o impeachment. “Eu não sei se esse é o caminho certo, mas prefiro não me posicionar”.
Enquanto algumas pessoas se abstém, outras tem opinião formada sobre o assunto. É o caso do guia turístico, Oziel Barbosa, de 31 anos. Ele afirma que é contra o impedimento da presidente, e lembra que votou em Dilma Rousseff, durante as eleições para a presidência.
“As coisas não vão mudar da noite para o dia. As pessoas não enxergam também o lado positivo do PT. Se o partido roubou mais de R$ 50 milhões, ela (Dilma) tirou mais de 50 milhões de pessoas da pobreza. Então, eu vejo pelo lado da democracia, de nós ainda podermos ter voz”, opinou Barbosa.
Segundo Oziel, o impeachment é uma tentativa de golpe contra a democracia. Acadêmico da Universidade Federal do Acre (Ufac), ele conta que foi através do processo democrático que alunos, professor e servidores puderam escolher o novo reitor e vice-reitor da universidade. “Nós temos voz, podemos falar e nos manifestar”.
Nas praças, escolas, calçadas, bares, restaurantes, em muitos lugares o assunto é o mesmo. Hoje, política é um dos temas mais comentados, inclusive no Acre. Se há pessoas que não são contra o impeachment, existem ainda aquelas que são a favor e acreditam que esse é o caminho para o país voltar a andar.
Trabalhador da construção civil, Carlos Alberto, de 50 anos, apesar de aparentar não gostar de falar muito, é direto quanto a sua posição política: “Sou a favor do impeachment. Acredito que as coisas vão melhorar, quem entrar vai fazer de tudo para melhorar a situação do país”.
Apesar de ser a favor do processo de impedimento, Alberto diz estar com medo da votação no Senado. “Acredito que o resultado pode ser negativo, mas vou acompanhar a votação, assim como acompanhei toda a votação da Câmara dos Deputados”, disse.
A autônoma, Antônia Silva, de 28 anos, também está entre as pessoas que apoiam o impeachment da presidente Dilma. Para ela, a crise econômica está diretamente ligada à crise política que o Brasil está passando. “Tudo mudou desde que ela assumiu a presidência. Eu creio que as coisas vão melhorar, e muito, se ela sair. Nós queremos o melhor, espero que ela saia”.
Acompanhando de longe o momento político que o país vive, a comerciante, Sandra Rodrigues, de 35 anos, prefere se abster, quando o assunto é o impeachment da presidente. Mesmo sem posicionamento, ela garante que a crise econômica não foi provocada pelo atual governo.
“As pessoas culpam ela (Dilma) pelas coisas que estão acontecendo, mas eu acho que não, foi um acúmulo de muitas coisas. Acho que quem tivesse no poder ia levar a culpa de tudo que está acontecendo”, comentou a comerciante que vem sofrendo uma queda de 70% nas vendas.