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Mercúrio no Meio Ambiente

Para dar continuidade aos artigos que escrevemos nesta página em 17 de abril e 14 de junho, decidimos entrar nos processos que fazem tóxicos elementos como o mercúrio. Pesquisas recentes apresentam evidências de biomagnificação do mercúrio na cadeia alimentar do Rio Negro, no Estado do Amazonas, e com altos índices de mercúrio em peixes. O Rio Madeira, no Estado de Rondônia, sofre os impactos do garimpo de ouro, contaminando os peixes do maior tributário da Bacia do Rio Amazonas. E por fim a contaminação na região de Madre de Dios, no Peru, que compartilha a Bacia do Rio Acre conosco, preocupa os acrianos fechando o cerco que envolve a contaminação por mercúrio no sudoeste da Amazônia.

As implicações da contaminação por mercúrio no meio ambiente envolvem diretamente a saúde humana e ambiental, e indiretamente os âmbitos político, econômico, social e cultural, principalmente devido aos impactos irreversíveis da contaminação, ou seja, o mercúrio não desaparece, ele vai circulando no meio ambiente e só reduz a sua presença via dispersão com tempo.

Essas características tornam a disseminação de informações sobre as causas e os efeitos da exposição ao mercúrio a primeira etapa de ações de redução de riscos de desastres que envolvem desde a prevenção, preparação, mitigação ou resposta, em possíveis casos de contaminação por mercúrio no Acre e regiões vizinhas.

O mercúrio (símbolo Hg) é um elemento químico altamente tóxico encontrado naturalmente ou introduzido no meio ambiente como contaminante, podendo causar sérios problemas à saúde, em especial em crianças e mulheres grávidas. No início da década de 2000 nos Estados Unidos foi estimado que mais de 60.000 crianças nasciam a cada ano com risco de apresentar efeitos adversos no seu neurodesenvolvimento devido à exposição ao metilmercúrio ainda no útero materno.

A biomagnificação do mercúrio é um processo que ocorre quando cada nível da cadeia alimentar, desde bactérias e plânctons até invertebrados, peixes e qualquer consumidor desse peixe, ingira mais mercúrio do que possa excretar, sofrendo seu acúmulo excessivo no organismo.

Há duas formas de mercúrio que são bioacumuladas nos organismos: i) o mercúrio inorgânico, o mesmo usado em termômetros domésticos, um metal líquido prateado; ii) o metilmercúrio, sua forma orgânica. A conversão do primeiro no segundo é a etapa mais importante da entrada do mercúrio na cadeia alimentar. Essas diferentes formas causam diferentes níveis de toxicidade, influenciando os fatores ecológicos e geoquímicos que determinam como o mercúrio se deslocará no meio ambiente, alterando, dessa forma, o fechamento do ciclo biogeoquímico do mercúrio.

Essa conversão ocorre devido à metilação do mercúrio, ou seja, a formação do metilmercúrio (CH3Hg), a forma mais tóxica do mercúrio. O seu efeito sobre nossa saúde afeta o sistema imunológico, altera sistemas genéticos e enzimáticos e causa danos irreversíveis ao sistema nervoso, afetando gravemente também alguns dos nossos sentidos, como o tato, o paladar e a visão. O seu poder devastador prejudica especialmente embriões em desenvolvimento.

Os complexos mecanismos que fazem essa substância química entrar na cadeia alimentar ainda não são elucidados completamente, mas cientistas acreditam que bactérias contribuem para o processamento do íon sulfato (SO4)-2, presente no ambiente, que reage com o mercúrio em sua forma inorgânica, convertendo-o em metilmercúrio e o introduzindo na cadeia alimentar.

Toxicologicamente essa conversão é muito importante, pois o produto dessa reação catalisada por bactérias é altamente tóxico e permanece por longos períodos de tempo no meio ambiente e nos organismos. Ao ser consumido pelo próximo nível da cadeia alimentar, essa carga tóxica irá ser transferida para seu predador, se acumulando sucessivamente até o topo da cadeia alimentar onde se encontra a espécie humana.

Não podemos esquecer também que o mercúrio afeta diretamente o meio de subsistência de populações tradicionais e indígenas que dependem do pescado. É possível que níveis de mercúrio possam ser elevados naturalmente em peixes de alguns rios da Amazônia. Consequentemente qualquer contaminação adicional poderia ter efeitos danosos na saúde.

É melhor prevenir do que remediar, especialmente no caso de elementos tóxicos como mercúrio. Precisamos encontrar maneiras de evitar a abertura dos ciclos destes elementos, contaminando os organismos dos nossos ambientes. Programas que reciclam elementos como o mercúrio são muito bem-vindos em nossas sociedades, porque eles tem papéis importantes em seus funcionamentos, evitando a sua liberação na Natureza. Nossos filhos e netos agradecerão a falta desse legado tóxico da nossa geração.

Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

Miguel Xavier, professor e pesquisador do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Universidade Federal do Acre (CCBN-UFAC). Cientista dos Grupos de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico e do Grupo de Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia da UFAC.

A Gazeta do Acre: