X

Ciclos abertos de elementos tóxicos: o caso do mercúrio em Madre de Dios, Peru

Em um artigo do dia 19 de abril de 2016 notamos que um desafio crescente para humanidade é fechar ciclos biogeoquímicos de elementos para minimizar problemas ambientais, seja em nível local ou global. Isso é claramente evidente em metais pesados como mercúrio. Existem algumas áreas onde processos naturais podem elevar as concentrações desse metal na Amazônia, mas a grande preocupação é a contaminação causada pelo uso de mercúrio na extração de ouro em sedimentos e solos, seja nos rios ou nas planícies perto dos rios.

Esse tipo de extração tem acontecido em Rondônia e está a pleno vapor em Madre de Dios, região vizinha do Estado do Acre. Madre de Dios e Acre dividem a bacia do Rio Acre e sua montante nas cidades de Assis Brasil e Iñapari, portanto somos vizinhos mesmo.

A mineração de ouro em sedimentos aluviais tem expandido na parte sul e central de Madre de Dios nas últimas duas décadas, levando ao consumo de dezenas de toneladas de mercúrio por ano, abrindo o ciclo deste metal e contaminando sedimentos, solos e águas. Esse metal pode entrar na cadeia alimentar e via biomagnificação se concentrado nos peixes e nas pessoas que os comerem. Os efeitos neurológicos da intoxicação por mercúrio são graves e um dos desastres mais famosos com esse metal aconteceu em Minimata, no Jãpão, na década de 1950. O medo de repetir este tipo de toxificação do meio ambiente tem criado programas no mundo inteiro para monitorar os impactos de mercúrio no ambiente e em seres humanos.

Como consequência do acúmulo de mercúrio em Madre de Dios, o Governo do Perudeclarou um estado de emergência usando uma lei de gestão de risco de desastres no final do mês de maio de 2016, evidenciando a contaminação pelo mercúrio em onze distritos das províncias de Tambopata, Manu e Tahamanu do departamento de Madre de Dios (no Peru um departamento equivale a um estado no Brasil). O Ministério da Saúde em conjunto com o Sistema Nacional de Gestão de Risco de Desastres (SINAGERD) e a Defesa Civil agiram no sentido de tratar a saúde pública e ambiental de maneira integrada com a gestão alimentar devido ao grande perigo da contaminação por mercúrio nos peixes da região.

Com a finalidade de livrar do perigo a população, após a vigilância sanitária detectar níveis de mercúrio acima do Limite Máximo Permitido (LMP 0,5 mg/Kg) em peixes nas regiões de Madre de Dios e de Ucayalli, ambas fronteiras com o Acre, o direito de “consumir alimentos inócuos” foi imposto através da realização de “medidas sanitárias de segurança”, onde foram proibidas as atividades pesqueiras de extração, comercialização e armazenamento do peixe Piranambu (da espécie Calophisus macropterus) em Madre de Dios.

O órgão peruano responsável pela sanidade pesqueira (SANIPES) afirmou que a contaminação por mercúrio possui valores superiores aos limites máximos permitidos nas águas dos rios, espécies de peixes e na população, causando sérios problemas crônicos de saúde, especialmente em crianças e mulheres grávidas. O ministro da Saúde Percy Minaya afirmou que até 50.000 pessoas poderiam estar expostas a níveis elevados de mercúrio, particularmente da etnia indígena Harakmbut, onde foram encontrados níveis de mercúrio seis vezes maior do que o LMP.

Em Iñapari, cidade-irmã de Assis Brasil, cerca de 46% de pessoas amostradas tiveram mercúrio detectado no cabelo acima do LMP para cabelo de 2 mg/kg. Duas amostras do peixe Piranambu deram concentrações de mercúrio acima do LMP para consumo humano.

Com isso, o Acre está em alerta, pois a emergência decretada implica que a região já não possui mais condições de agir sobre o problema e o Estado peruano precisou intervir imediatamente na situação para evitar uma tragédia de maiores proporções na saúde pública e ambiental amazônica.

Diante dos fatos expostos são esperadas medidas de prevenção, preparação, mitigação e resposta a possíveis contaminações por mercúrio no estado do Acre, afinal, as fronteiras entre os países são apenas linhas imaginárias e os peixes contaminados, bem como os resíduos de mercúrio nos solos e no ar, não encontram barreiras para seguir descendo em direção ao jusante Rio Acre. Além disso, é nossa obrigação moral contribuir com nossas capacidades e esforços para ajudar nossos irmãos peruanos nesse difícil momento de aprendizagem.

Miguel Xavier, professor e pesquisador do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Universidade Federal do Acre (CCBN-UFAC). Cientista dos Grupos de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico e do Grupo de Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia da UFAC.

Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

A Gazeta do Acre: