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ARTIGO: Acre – Crescimento Econômico e Sustentabilidade (I)

O Acre superou impasses que são comuns à toda a Amazônia. Em primeiro lugar, a questão da viabilidade do extrativismo como fator de desenvolvimento econômico. Cientistas qualificados afirmam que o extrativismo é uma atividade limitada pelo atraso tecnológico intrínseco. Que a decadência é uma característica natural da atividade. Os profetas da ruína inevitável reduzem o extrativismo ao simples ato de coleta. Esta é uma conclusão simplista. Esquecem que o processamento, o mais simples,feito pelo produtor primário, com o propósito de agregar valor, faz parte da cadeia de valorização do produto final.

Além disso, se o produto final, o bem industrializado, é o resultado de sucessivas agregações de valor, o produto primário pode aumentar a sua parte de valor agregado ou valorizar-se no mercado pela importância que assume e, portanto, pelo aumento da procura. Na economia de mercado, em condições de equilíbrio ou aumento da demanda, quanto maior a elaboração do produto,  maiora importância e valorização da produção primária. Os chamados elos verticais da cadeia de valor que são as relações, as negociações das empresas com os fornecedores, podem trazer ganhos para os produtores de insumos produtivos. O ganhos podem ser de várias ordens. Ajuda da empresa compradora no processo de redução de custos, construção conjunta de preço justo dos insumos comprados, apoio à capacitação e repartição dos benefícios.

Para a profecia de bancarrota, o extrativismo não teria cadeia produtiva. É como admitir que borracha, castanha e madeira processadas para servir de matéria-primade produtos finais da indústria perdessem a “identidade”. Não seriam mais borracha, nem castanha e nem madeira. Não teriam significado na cadeia de valor da indústria. Por isto,  não estariam organicamente ligadas ao processo de produção industrial e ao selos do processo de valorização até alcançar o produto acabado.

Além disso, sem incorporação de tecnologia e consequente estagnação da produtividade, os produtos do extrativismo não seriam capazes de competir com produtos da domesticação ou com a indústria sintética.

Hoje, usando simples e moderna  tecnologia, o Acre já produz Folha Defumada Líquida (FDL) de borracha, processada no seringal. Em Assis Brasil, um grupo de seringueiros produz, processa pela defumação e vende FDL para uma empresa francesa – Vert – de produção de tênis, ao preço de  R$ 5,00 por quilo que, somados aos R$ 3,50 de subvenção do governo estadual mais R$ 1,40 de subvensão municipal alcança o valor pago ao produtor de R$ 9,90/kg, enquanto a borracha CVP nativa atinge o valor de R$ 4,20/kg. O preço comercial do latex nativo, com subvenção, atinge R$ 8,00. No Acre, com a FDL, já são fabricados sapatos que são vendidos no mercado nacional.

A domesticação não é concorrência de risco para a borracha produzida pelo extrativismo. Ao contrário, é um estímulo para adoção de tecnologias de coleta e de processamento (FDL). Além disso, estimula o plantio de seringueira pelos seringueiros. No Acre, no período 2011-2015, foram plantados mais de 2.000 ha de seringueira. Até 2018, estarão plantados 10.000 ha.
Faz parte do desenvolvimento do extrativismo a fábrica de camisinha em Xapuri, terra do Chico Mendes. A empresa Natex paga ao produtor R$ 3,60/kg. Com a subvenção o seringueiro vai receber o valor de R$ 8,00. A usina de produção de Granulado Escuro Brasileiro (GEB) de Sena Madureira certamente vai pagar o preço comercial de R$ 1,90 que acrescido da subvenção de R$ 2,30 totalizam R$ 4,20/kgao produtor. A fábrica de GEB foi Implantada pelo Governo do Acre e entregue à gestão da COOPERACRE (Cooperativa Central de Comercialização Extrativista) por meio de parceria público-comunitária.

Evolução similar acontece com a castanha. A COOPERACRE tem mais de 2.000 associados de 22 associações dos quais compra castanha e revende para indústria de alimentos do Brasil. Com a inauguração da Usina de Processamento de Rio Branco, a terceira concedida à cooperativa em parceria público-comunitária pelo Governo do Estado do Acre, eleva a sua capacidade de processamento para 2,7 milhões de quilos por ano. Produzida com boas práticas, hoje, por via de regra, não existe o risco da aflatoxina. A castanha pode ser vendida para todos os mercados do mundo.
A indústria florestal tem importância significativa na economia do Acre. Uma expressão da força do extrativismo acreano, a empresa Agrocortex implantou o projeto de manejo sustentável e processamento de madeira que já está em pleno funcionamento no município de Manoel Urbano. O manejo florestal de madeira só contribui para o desenvolvimento econômico quando obedece aos requisitos de sustentabilidade. Utilizando tecnologia de impacto reduzido e o regramento da legislação ambiental, a Agrocortex compromete-se com a regeneração da floresta no ciclo de 30 anos. A área de manejo é de 190.200 ha, abrangendo 42 espécies, inclusive o mogno que tem exigências específicas de exploração e boa cotação no mercado internacional.
O bom manejo florestal não se resume  à garantia de resultados econômicos privadossatisfatórios. Sobretudo exige as melhores práticas de manejo, de proteção, de conservação da floresta, do ambiente natural e da melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. A Agrocortex mostra-se inclinada e comprometida com estes requisitos, além do reforço da arrecadação fiscal e a resolução de problemas sociais no município de Manoel Urbano.

O bambu é outra grande oportunidade do extrativismo acreano. Primeiro, existe em abundância e, segundo, tem uso comprovado, viável, como material de construção civil. Para isto, o governo já trabalha com ações nessa direção. O extrativismo, no Acre, tornou-se uma atividade economicamente viá-vel. O extrativismo, no Acre, tornou-se uma atividade economicamente viável.
O Acre executa, desde 1999, um novo paradigma de desenvolvimento. O governo da Frente Popular do Acre (FPA) busca a superaçãodo crescimento econômico extensivo e predatório dos recursos ambientais para adotar como seu objetivo maior o desenvolvimento sustentável. O objetivo do Acre não reside apenas no crescimento da economia, mas na igualdade social, na garantia de cultura local, na identidade e protecão dos seus recursos naturais. Diante da devastação a que a Amazônia tornava-se sujeita, o Acre optou pela sustentabilidade com vigorosa proteção da floresta. Não pelo caminho da arbitrariedade, mas do convencimento e persuasão. Todos os governos da FPA tiveram este cuidado. O desmatamento teve uma queda de 62% em dez anos, no período de agosto de 2004 a julho de 2014 e 10% no período de agosto de 2014 a julho 2015. Este é o principal sinal de adesão dos agentes produtivos ao projeto de desenvolvimento sustentável.

O Governo Tião Viana, iniciado em 2011, teve papel fundamental e decisivo na assunção do projeto de crescimento da produção com uma estratégia de sustentabilidade. O argumento de fundo para este caminho foi simples e aparentemente contraditório. Sustentabilidade econômica no Acre é, principalmente,crescimento econômico com preservação e conservação dos recursos naturais. Estes não se resumem à floresta. Incluem também solo e água. Torna-se, então, evidente a possibilidade de manejo para criação de riqueza pelo uso sustentável do solo e da água. Isto, amplia a possibilidade de espaço e de recursos para produção de riqueza por meio do manejo sustentável o que já reduz, por si, a pressão sobre a floresta e evita desmatamento.

Era preciso buscar uma trajetória pela qual o crescimento econômico não gerasse inapelavelmente predação dos recursos naturais. No governo Tião Viana, a conservação dos recursos ambientais é resultante do modelo de crescimento da economia, especialmente da economia rural. Crescimento econômico e desmatamento não são caminhos de direções opostas. Antes, do crescimento da produção rural colhia-se o aumento da taxa de desmatamento. Agora, colhe-se a queda da taxa de desmatamento do crescimento da produção. Crescimento econômico e sustentabilidade são trajetó-rias queconvergem para o mesmo propósito : o desenvolvimento sustentável do Acre. O Acre deu por encerrado este dilema desagregador.
O problema do Acre para alcançar a sustentabilidade não é mais: desmatar ou não desmatar. Este dilema mostrou-se um conflito paralisante do crescimento econômico dos grandes, médios e pequenos. De um lado, entendia-se que desmatar eleva a produção, abre caminho para o crescimento econômico, mas provoca mais concentração de renda, mais desigualdade social,  mais desequilíbrio ambiental e  mais ameaça à cultura e modo de vida das comunidades de seringueiros e indígenas. E coloca-se em risco a identidade do povo acreano.

De outro lado, dizia-se que não desmatar significa estagnação econômica, paralisação da produção, desemprego e atraso socioeconômico. Foi possível sair deste falso discurso. O problema não é fazer o desenvolvimento econômico. A questão é como fazê-lo, evitando o desmatamento. Foi justamente, impulsionando o crescimento da economia que aconteceu a decolagem sustentável do Acre. Primeiro, valorizar a floresta, criando condições para geração de valor e produção de riqueza. Segundo, com tecnologia de ponta, alta produtividade, rentabilidade e diversificação, explorar intensivamente as áreas abertas com agricultura, fruticultura e pecuária de pequeno porte (piscicultura, suinocultura, avicultura e ovinocultura). A pecuária de grande porte ocupa extensas áreas, tem baixa rentabilidade e altos riscos de desequilíbrio ambiental. É uma atividade com grande oportunidade de produção de riqueza, mas deve incorporar tecnologia e tornar-se intensiva pela orientação da política de desenvolvimento sustentável do governo estadual e pela competição de ramos de alta produtividade e rentabilidade.

O Acre está atingindo o seu objetivo maior, o desenvolvimento sustentável, pelo incremento de tecnologia, aumento de produtividade, rentabilidade e diversificação da produção rural. No espaço tanto urbano como rural, a expansão da agroindústria, consequência do desenvolvimento da economia rural, promoverá a agregação de valor aos produtos. Tudo sem desmatamento. Ora, a valorização da floresta, o crescimento da produção agropecuária intensiva, de tecnologia de ponta, são fatores de aumento da produtividade, de poupança da terra produtiva e de redução do desmatamento. O produtor não derrubará a floresta se ela lhe proporciona alta renda. E não avançará a fronteira de desmatamento se as áreas já abertas permitem-lhe alta produção, produtividade e ganhos.

José Fernandes do Rêgo é Assessor Especial do Governador do Acre, Professor aposentado da UFAC, Engenheiro Agrônomo, Especialista em Desenvolvimento Regional Integrado, Mestre em Economia  e Dr.  h. c.

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