Dado à atual situação global é possível esperar uma intensificação das secas e das chuvas na região MAP. Lewis e colegas (2011) notaram que as secas severas de 2005 e 2010 tiveram seus epicentros na Região MAP. Os incêndios florestais que acompanharam a seca de 2005 impactaram milhares de hectares: +300.000 ha no Acre, +100.000 ha em Pando, e +20.000 ha em Madre de Dios e dezenas de milhares de hectares em 2010. Não tivemos incêndios florestais iguais na memória de vários habitantes entrevistados na Região MAP. Estas secas também afetaram a produtividade primaria e a estrutura florestal na região MAP.
Em 2005 a fumaça gerada por incêndios em áreas abertas e florestas foi tão espessa que superou nove vezes o máximo permitido pela Organização Mundial de Saúde no dia 20 de setembro de 2005. Voos comerciais foram cancelados, transportes nas estradas foram limitados e o desespero foi generalizado na sociedade acreana. Talvez esta data possa ser utilizada como uma referência se considerarmos que a região MAP vive uma nova situação climática.
A situação de inundações,nas quais o assoreamento dos rios parece ter um papel importante, é mais complexa porque o crescimento urbano das cidades ribeirinhas coloca mais pessoas em risco, agravando os seus impactos. E a recorrência desses eventos indica que eles estão se intensificando:Rio Branco declarou situações de emergência devido às inundações entre 2009 e 2015, ou seja, nos últimos sete anos elasforam eventos anuais em nossa cidade. A cidade de Tarauacá, depois de ter (na memória de seus moradores) a pior inundação nos últimos 100 anos em novembro de 2014 (um mês atípico para esse tipo de evento), inundou mais 11 vezes até março de 2015.
A inundação de 2012 do Rio Acre afetou cidades nos três países que ele banha e afetou mais de 100.000 pessoas. Comparativamente, a inundação ocorrida em 2015 foi quase igual em Iñapari, no Peru, mas superou a de 2012 emBrasiléia e Xapuri, no Brasil, e em Cobija, Bolívia,em mais de um metro. Em Rio Branco, o rio alcançou 18,4 m, quase 80 cm acima do verificado na cheia de 2012.
Em 2014, a pior inundação em 50 anos afetou Puerto Maldonado, no Peru, e subsequentemente contribuiu para a inundação do Rio Madeira em Rondônia. A estrada BR-364, a única ligação terrestre do Acre com o resto do Brasil, foi severamente afetada pelo fato de estar localizada à margem dos reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, condição que contribuiu sobremaneira para ampliar o nível de inundação da estrada. Entre fevereiro e abril daquele ano o fluxo de caminhões na rodovia foi severamente reduzido, afetando o abastecimento do Acre e reduzindo a circulação financeira na região em pelo menos 800 milhões de reais.
A intensificação de secas e chuvas aparentemente está afetando a Região MAP, mas será que isso é natural? A implicação da resposta é a seguinte: se for natural, é possível que as perturbações sejam um processo cíclico que permitiria a volta às condições antigas em poucos anos. Mas mesmo naturais, existem mudanças cujos impactos podem durar décadas ou até séculos. Uma mudança natural deste tipo pode ter impactos equivalentes aos de algumas projeções de modificação antropogênicas do clima. Em outras palavras, a natureza pode ser cruel naturalmente.
Uma explicação alternativa é que a atividade humana temcontribuído significativamente para as mudanças e a continuação dessa tendência causaria um agravamento dos eventos extremos. Em escala regional ou local, como a Região MAP, é difícil quantificar este possível efeito, mas indicações recentes mostram que as mudanças antropogênicas estão ocorrendo em uma escala global. Fischer e Knutti (2015) estimaram a contribuição humana para eventos climáticos extremos atuais e futuros em escala global. Hoje ela é da ordem de 18% para chuvas intensas na escala diária e 28% para chuvas na escala de 15 dias. Para as ondas de calor, a contribuição humana é de cerca de 75% no momento. No futuro, se as emissões de gases causadores do efeito estufa continuarem, os modelos indicam que os eventos extremos ficarão bem mais frequentes, especialmente nos trópicos.
Em termos de temperatura, Mora e colegas (2013) fizeram uma espacialização dos resultados de modelos de circulação global e notaram que as temperaturas anuais sairão definitivamente da faixa recente de variabilidade mais rapidamente nos trópicos. Uma analise da Região MAP mostra que esta saída está prevista para o período entre 2019 e 2030, antes de outras regiões da Amazônia. Este é mais um exemplo da região MAP sendo líder, neste caso como indicadora precoce de impactos.
O futuro chegou?
De certa maneira, os resultados discutidos acima respondem a esta pergunta – objetivo deste artigo. Sim, nestes últimos dez anos estamos vivendo uma fase de eventos extremos com secas e inundações mais acentuadas que em anos anteriores, mesmo considerando eventos extremos marcantes do passado como a seca de 1925-26. A contribuição humana para estes eventos, pelo menos em escala global, já é significativa e crescente.
A concentração de CO2 atual é a maior em quase um milhão de anose talvez, o que é mais dramático, esteja se elevando na maior velocidade registrada nos últimos 55 milhões de anos. Isto está causando desequilíbrio no balanço energético do planeta e sujeitando os ecossistemas terrestres e oceanos à maior concentração verificada deste elemento nas últimas centenas de milhares de anos.
Nós não temos condições de fazer o planeta voltar a ser o que era sem uma diminuição da concentração de CO2 na atmosfera, algo que representa importantes desafios tecnológicos e, acima de tudo, um complexo desafio social em escala global. A tentativa de reduzir a subida da concentração de CO2 ainda é incipiente, mas representa um pequeno passo adiante.
No que concerne à região MAP, pode-se concluir que ela encontra-se em uma situação inédita. O futuro chegou e a Região ‘MAAP’ existe. Ela é semelhante à Região MAP, mas sofre uma frequência maior de eventos extremos ainda mais intensos, combinados com uma ocupação humana cada vez mais acentuada.
Tudo indica que os desafios relacionados ao clima irão crescer nos próximos anos combinados com aqueles ligados à desigualdade, direitos humanos e estrutura social. Resta saber se a sociedade da região terá capacidade de desenvolver a resiliência necessária às mudanças e contribuir para a mitigação dos fatores que influenciam negativamente a nossa casa, a Terra.
A íntegra desse artigo, com as referências bibliográficas foi publicado na revista MAPIENSE 2, p.43-48, 2015.
Evandro Ferreira é pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC e docente em Ciência Florestal da Universidade Federal do Acre (UFAC).
Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).