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Fios meadas novelos vidas

As escolhas por esta vida afora são realmente muito complicadas, principalmente, para os que não têm o dom da paciência, da pertinácia e da argúcia para buscar ou procurar as alternativas mais inteligentes, mais plausíveis, posto que analisadas em meio às demais da forma mais fria e calculista possível. É preciso sentir o cheiro da oportunidade impregnando o ar.  Não há outro caminho. É acertar ou acertar, uma vez que tênue mesmo é o fio da meada dos novelos da vida.

Viera a estonteante Vera há pouco do interior. Passara a dividir pequeno apartamento com uma amiga, em ruela assombreada do centro velho da cidade. Ia e vinha todos os dias de casa para o trabalho bancário, daí para a faculdade e voltava quase a fechar os olhos um pouco antes da meia noite. Não. Ela não tinha um ser humano da classe dos rudes para apelidá-lo de seu. Atraía muitos olhares, posto ser bela em seus olhos puxadinhos, não tão magra, pele pálida saudável, cabelos negros e bem cuidados, maquiagem leve, roupas com muito estilo e pouco luxo. Usava tênis simples. Trajava jeans e camisetas de malha e mangas compridas, ambas a estamparem um físico em formas dignas de poesia e flores. Bela. Belíssima.

O tempo mudou. A academia concedeu títulos científicos àquela musa linda como a flor. Estudara com afinco. Vencera as vicissitudes da vida. Tornou-se executiva de uma estatal especializada em ouro negro. Nunca subiu ou desceu o nível. Casou com um nordestino de modos simples e sofisticados ao mesmo tempo. Sempre educada e bela e jovial e de boa criação, construiu sólida vida árvore de frutos plenos e abundantes. Dois filhos varões: um é médico e o outro, engenheiro dos óleos em alto mar.

A amiga querida, que tanta preocupação deu à aprendiz de executiva, chamavam-na Clara, de início. Depois, passou a se chamar Ângela. Mais tarde, Cândida e, enfim, usou o seu nome verdadeiro. Na identidade estava grafado Maria Aparecida. Os epítetos anteriores eram apenas nomes de guerra de uma moça que frequentava o frenesi das noites de boêmia regadas a destilados e um pó demoníaco.

Em poucos meses, largou a convivência com a amiga estudiosa que, por último, passou a ser taxada de chata e exigente demais com as contas, principalmente. E foi viver em pequeno apartamento nas adjacências dos rendez-vous noturnos da cidade velha.

Em verdade, ela nunca era clara, pois mentia a torto e a direito. De anjo, nem a ponta do nariz poderia identificá-la como tal, posto ser arrebitado. Nada de cândida. Era impura mesmo e dada às falcatruas próprias de quem arranca dinheiro de bolsos bêbados sobre camas fétidas. Era comum ouvir dela o eixo temático de uma vida desregrada:

– Ô bela! Aqui, ninguém é santa.

Deveras abusada e extremamente enjoada, logo se desencantou com os rudes mais novos justo por terem libido demais e alma de menos.  Segundo a nossa diva muito rodada, deles até os carinhos são grosseiros.

Veio em seguida a safra dos rudes de meia idade. A superior maioria tinha esposa e filhos em casa bem montada e as rasantes sazonais serviam apenas para desanuviar a pasmaceira que é a vida de casado.

Nem completou duas dúzias de idade e já descobrira, então, que os rudes mais velhos não eram rudes de forma alguma, mas eram paus com muita sombra e dados a presentear, por baixo, com mimos de algum luxo, como apartamentos sóbrios, carros populares e joias de certo preço, além do soldo vantajoso vulgarmente conhecido como cachê.

Coroa esperto, a ela deu tudo isso e muito mais. Todavia, na primeira traição, apenas enviou-lhe o oficial de justiça que promoveu despejo choroso e reclamado até a eternidade.
– Aquele filho da puta! – Como a ele ainda hoje ela se refere.

Já no desespero, foi para o cais do porto trabalhar como dama da noite, onde conheceu um negrão espadaúdo de metro e oitenta, estivador, que a colocou em serviço atrás do balcão de um boteco bacana onde lava copos e cuja metade da renda é passada para as mãos do seu homem que diz estar comprando barraco supimpa no morro da providência.

Duas mulheres. Dois destinos.

Um dia, então, no boteco das pitombeiras, houve por bem perguntar ao poeta circundante sobre as suas impressões gerais a respeito das mulheres. Ele viajou muito e passou a mim, por escrito, algumas observações muito cheias de picardia e denso carinho por todas elas.

– Como dizia o Wilde, em primeiro lugar, não é preciso compreender as mulheres; basta que nós as amemos. – Eis o primado básico da sua filosofia de bordel.

Naquele ínterim, ele bebia o tal cachorro engarrafado, como apelidou Vinícius de Moraes o uísque. Depois de ficar calado por uns quinze minutos, deu uma pancada na mesa, de mão aberta, como se uma baita ideia lhe brotasse das vísceras. Ingeriu talagada generosa e teceu comentários que, de tão ricos, vi-me obrigado a apô-los em bom papel, numa síntese apressada.

A sensibilidade aguçada do poeta malandro o fez perceber que apenas tem estado à procura de uma mulher espirituosa, pois as mau humoradas e as ríspidas ajudam-nos a envelhecer ainda com mais rapidez. Nada como uma parceira por esta vida afora que veja tudo com os olhos do riso e da graça, e que seja feliz por ser alegre e espontânea.

Segundo o bardo imponderável, não é conveniente acreditar em mulheres fatais. Assim como se faz necessário não ter medo das mais belas. Isto até as constrange. Fatores como tais são meramente estapafúrdios. Isso é coisa de homens fracos que não primam pela arte do cortejar com inteligência e elegância. Mulheres são sempre seres sublimes instiladores de êxtase por todos os poros. E só.
É a partir de fatores como os acima citados que muitas mulheres não sossegam enquanto não transformam o seu homem. E, quando o conseguem, ele perde a graça. Porque transformar um boêmio em um beato, por exemplo, depende muito do homem moldável a ser moldado.

E o poeta continua operante. Agora já o percebo bêbado.

– Mulher manhosa gosta de ser mandada. Gosta de sexo e autoridade. Não de uma forma bruta e tosca, mas sim de uma maneira tão natural que a faça se perguntar “De onde veio esse homem e como ele tem tanta presença e controle da situação?”, enquanto tira as roupas e se entrega a você. Por isso, quando ela vier com manha, não brigue. Ignore, abra uma latinha de cerveja, jogue-a na cama e, em vez de beijar-lhe a nuca, passe a mão na bunda dela. Acredite que, debaixo da casca de garota mimada e insuportavelmente fresca, há um vulcão esperando ser descoberto.

Cá com os meus botões enferrujados, deixando de lado as ponderações etílicas do analista, observo que as mal-humoradas e boa parte das mimadas assim o são por consequência do desamor e este surge das relações familiares deturpadas, deterioradas ou até mesmo destruídas, o que é fruto das carências materiais negadas pelo capital que deixa de proporcionar muitas benesses e, com isso, decepciona quem queria um pouco mais não apenas de dinheiro, mas muito mais de muito amor.
Amo todas vocês. Mil beijos.

*Escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível nas livrarias Paim, Nobel e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.
A Gazeta do Acre: