No dia 2 de abril de 1999 um acidente de carro mudou a vida do estudante Amiraldo Júnior, de 36 anos. Na época, com apenas 19 anos de idade, Júnior teve que enfrentar uma nova realidade: a tetraplegia.
Foram momentos difíceis para toda a família. Tudo havia mudado na vida do jovem, sobretudo a rotina. Os horários dedicados aos estudos passaram a ser dedicados a fisioterapia. “Foi um impacto muito forte, não consigo mensurar. Eu posso garantir que não foi fácil”, falou Júnior.
Os anos foram passando e a vontade de recomeçar era constante, mas somente depois de 12 anos longe das salas de aula, incentivado pelos amigos, Júnior decidiu voltar a estudar sua verdadeira paixão, o Direito.
O pai, Amiraldo dos Santos Paiva, de 66 anos, não pensou duas vezes em tornar possível o sonho do filho. No começo, ele anotava todas as lições dadas pelos professores e auxiliava o filho no que fosse necessário.
“No começo tive muito receio, mas pela minha condição de cadeirante. Mas com o passar do tempos os amigos foram chegando, fui me sentindo como se estivesse em casa. Foi mais uma questão de adaptação. E meu pai sempre estava lá do meu lado”, recordou Júnior o início da faculdade.
Hoje, Amiraldo Júnior consegue falar sem dificuldade e tem os movimentos do braço e pescoço. Com o auxílio de um adaptador ele tem autonomia para escrever e digitar. A fisioterapia tem sido a principal responsável por toda evolução do rapaz.
Com a rotina dedicada ao filho, Amiraldo passou a ser notado pelos gestores da instituição e foi convidado a cursar Direto com Júnior. No final deste ano, pai e filho concluem o curso juntos.
“É uma alegria imensurável, pode estar ao lado do meu filho. Ele é minha principal joia, não desmerecendo meus outros filhos, mas meu amor é muito intenso”, disse Amiraldo.
Tímido, Júnior não esconde o orgulho que sente do pai. Para ele, concluir Direto ao lado do pai será um dos momentos mais emocionantes da sua vida. “É uma felicidade imensa, um privilégio mesmo. Estamos na reta final e vamos fazer história nesse Acre”, afirmou.
O SONHO
Mais que família, Amiraldo e Júnior são amigos e parceiros de uma vida. Eles se preparam para fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) neste domingo, 24 de julho. Júnior sonha alto e almeja se tornar juiz em breve.
O objetivo de vida não está muito distante, já que os livros de Direto são “devorados” pelo estudante. Além disso, Júnior mantém uma rotina de 9 horas de estudo por dia, de segunda-feira a sábado.
“Se Deus quiser vou passar e um concurso público. O cargo dos sonhos é ser um magistrado. Mas, qualquer coisa eu vou estar muito feliz”, revelou o estudante, que resume em uma palavra o sentimento pelo pai, gratidão.
EXEMPLO DE SUPERAÇÃO
Pai e filho têm consciência de que são exemplos de superação e de vida. Amor e fé movem os dois. Afinal, nenhuma limitação foi capaz de interromper o sonho de Júnior. Amiraldo e Amiraldo Júnior superaram juntos a grave lesão medular que atingiu fisicamente apenas um deles, mas mudou a vida de toda a família.
“Estamos servindo de exemplo para outras pessoas que talvez estejam passando pelo mesmo problema do meu filho, mas que esteja com aquele receio de enfrentar. Você tem que ir à luta! Sem lutar você não chega a lugar nenhum. Eu posso, eu quero, eu consigo, meu pai sempre dizia isso”, contou o servidor público Amiraldo.
Júnior deixa um recado para as outras pessoas que passam pela mesma situação que ele: “Não é fácil, mas quando você quer encarar e vencer você não pode ter vergonha de você mesmo. É preciso se achar normal como qualquer um, mesmo com limitações, a cabeça é que comanda tudo. Hoje eu sou muito mais maduro do que antes do acidente”.
PRECONCEITO E ACESSIBILIDADE
Apesar de campanhas e discussões sobre o assunto, preconceito e falta de acessibilidade ainda são problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência. Amiraldo disse que nunca imaginou enfrentar o olhar discriminatório das pessoas na rua.
“Muitas pessoas ainda hoje discriminam os cadeirantes. Nunca imaginei meu filho em uma cadeira de rodas, mas aconteceu e ninguém está imune. Fico triste quando estou com ele, e as pessoas olham como se ele fosse inválido. Meu filho não é um inválido, ele é muito capaz”.
Outro problema enfrentado pelos deficientes físicos é a falta de acessibilidade. Mesmo não dependendo de transporte público, Júnior reconhece que a capital acreana precisa melhorar muito na questão de acessibilidade, sobretudo nas vias e calçadas. “Eu não dependo de ônibus, mas deve ser horrível”, lamentou.
Apesar das dificuldades enfrentadas, Júnior não deixa se abater. Quando não está estudando, ele gosta de passear, visitar amigos e escutar música. “Gosto de estar pesquisando na internet, passear de carro, assistir alguns programas que eu gosto, e passear no shopping”, acrescentou.
Júnior foi à luta pelo seu sonho e fez exatamente como diz a música de Renato Russo “nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar nos sonhos que se tem”. Ele acreditou e alcançou.