X

A fumaça das queimadas e a saúde de crianças e idosos na Amazônia

Nos últimos anos é cada vez mais evidente que os prejuízos decorrentes da derrubada e queima de florestas na Amazônia não se restringem apenas às perdas materiais e ambientais. A fumaça produzida pelas queimadas libera uma grande quantidade de material particulado na atmosfera que prejudica a saúde dos habitantes nas regiões afetadas.

Ao contrário da poluição crônica e prolongada que assola os centros urbanos, a fumaça das queimadas na Amazônia expõe a população da região a períodosrelativamente curtos (3-6 meses), porém contínuos e intensosde poluição cujos picos podem passar de 400 microgramas/metro cúbico de ar, bem acima das 20 microgramas recomendadaspela Organização Mundial da Saúde (OMS).Em Rio Branco, durante a seca de 2005, foram registrados picos de poluição de até 450 microgramas.

As partículas finas liberadas pela fumaça dequeimadascausam preocupação por que permanecem por mais tempo na atmosfera e, em função de sua capacidade de dispersão, podem ser transportadas a grandes distâncias. Elas podem se depositar nos brônquios terminais e nos alvéolos dos pulmõescausando ou agravando problemas respiratórios e contribuindo para o aumento nasadmissões hospitalares e emergenciais, utilização de medicamentos e aumento da mortalidade, especialmente em idosos e crianças.

Um estudo sobre a tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosose as queimadas em Rondôniaentre 1998 e 2005(Castro e outros, 2009) mostrou que o aumento do númerode focos de calor favorecia o aumento nas taxasde mortalidade pordoenças do aparelho respiratórioe pulmonar entre idosos acima de 65 anos. Foi encontrada correlação positivae significante entre número de focos de queimadase as taxas de mortalidade dos idosos pelas doenças citadas e que explicava entre 50% e 80% da mortalidadepelas doenças estudadas em idosos na região.

Outro estudo avaliou a associação entre o material particulado de queimadas e doenças respiratórias no sul da Amazônia (Carmo e outros, 2010) e observou que um incremento de 10 microgramas/metro cúbico de ar na poluição do ar estavaassociado ao aumento de até 2,9% nos atendimentos ambulatoriais por doenças respiratóriasde crianças no 6° e 7° dias subsequentes à exposição. Nas mesmas condições de incremento da poluição atmosférico em Cuiabá-MT, o aumento das internações hospitalaresde criançasfoi de 12,1% (Silva e outros, 2013).

Em contraste com os resultados citados acima, em Manaus-AM, onde a poluição atmosférica decorrente de queimadas é muito inferior, as maiores taxas de internações hospitalares de crianças por doençasrespiratórias ocorreram no período chuvosoem razão das condições meteorológicas, principalmente a umidade (Andrade Filho e outros, 2013).

Durante a seca de 2005verificou-se no mês de setembro um acréscimo de 45% no número de hospitalizações por doenças respiratóriasem Rio Branco (em relação a 2004) (Mascarenhas e outros, 2008), sendo os diagnósticos mais frequentes infecções das vias aéreas superiores (21%), bronquite (15%) e asma (12%). Os sintomas clínicos predominantes foram tosse (79%), febre (51%), dispnéia (39%) e dor torácica (15%).Crianças até9 anosrepresentaram 48% dos atendimentos, seguidas de adultos (20-59 anos) com 36%, enquanto adolescentes (10-19 anos) e idosos (60 + anos) corresponderam a 9 e 8%. No período, os residentes de Rio Branco representaram 97%dos atendidos por doenças respiratórias.

Uma avaliação da relação entre as queimadas e morbidades respiratórias no Acre entre 1998 e 2005 realizada por Silva e colegas (2008) concluiu não apenas que o aumento no número de focos de queimadas provoca o incremento no número de internações por doenças respiratórias, mas também um aumento da taxa de mortalidade associada a doenças respiratóriasdurante os períodos de queimadas.

A literatura científica tem demonstrado de forma inequívoca que a poluição atmosférica decorrente de queimadas na Amazônia causa ou agrava problemas de saúde, especialmente os respiratóriosem crianças e idosos. Embora elanão indique a dimensão do custo financeiro do problema para os sistemas de saúde dos estados e municípios, é possível que ele seja significativo.Acreditamos não ser preciso fazer um estudo para avaliar o custo-benefício do uso do fogo como forma de preparo da terra para descobrir que a sociedade como pagaum preço altíssimo pelo benefício de uns poucos produtores rurais. É preciso intensificar ainda mais a fiscalização e o controle e aumentar a punição para aqueles que, mesmo sabendo, teimam em derrubar e queimar de forma ilegal nossas florestas.

Para saber mais:
V.S. Andrade Filho e outros. 2013. Aerossóis de queimadas edoenças respiratórias… Brasil. Rev. Saúde Pública47:239-247.

C.N. do Carmo. 2010. Associação entre material particuladode queimadas e doenças…Rev. Panam.Salud Publica 27: 10-16.

H.A. de Castro. 2009. Tendência da mortalidade por doenças respiratórias…Ciência & Saúde Coletiva, 14:2083-2090.

M.D.M. Mascarenhas e outros. 2008. Poluição atmosférica devida à queima de biomassa florestal e atendimentos de emergência por doença respiratória em Rio Branco… J BrasPneumol.34:42-46.

R.G. Silva e outros. 2008. Relação entre queimadas e morbidadesrespiratórias no Acre…XLVI Congresso da SOBER. Rio Branco, Acre.

A.M.C. Silva. 2013.Material particulado origináriode queimadas e doenças…Rev. Saúde Pública47:345-352.

A Gazeta do Acre: