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O português é uma realidade monolítica no Brasil?

O português é a língua nacional do Brasil e, por isso, a língua oficial. Ter uma língua como própria de um país funciona como um elemento de sua identidade política e cultural. Porém, não há correspondência direta entre uma língua nacional e um Estado. Cada país pode ter mais de uma língua oficial, em virtude de ter na sua história e constituição povos diferentes. Todavia, aqui no Brasil, embora ele seja constituído por culturas diferenciadas, a língua nacional e a língua oficial são uma só. Mas isso não significa dizer que o país é singular, do ponto de vista linguístico. O Brasil é plural porque aconteceu aqui a miscigenação de raças a falar a língua portuguesa.

Assim, observando o uso da língua nacional, o português, no seu funcionamento continental, avista-se que ele apresenta uma diversidade interna muito grande. Há a língua do cotidiano que difere da língua escrita. Há a língua de um grupo social que difere da língua de outro grupo social. Ex.: Garota x Mina x Pitéu; Há a língua de uma região que difere da língua de outra região. Ex.: Semáforo x Farol x Sinal (trânsito); Há a língua de um grupo profissional que difere da língua de outro grupo profissional. Ex.; Tórax x Peito.

A diversidade acima comentada pode ser vista nas diferenças linguísticas entre falantes do Centro-oeste e a do Sul; do Sul e do Sudeste; do Nordeste ou do Norte. E mesmo dentro de uma região é possível notar diferenças significativas. Até mesmo dentro de uma cidade, se ela for grande, estas diferenças podem aparecer. É nesta medida que a língua nacional aparece como uma unidade imaginária, que funciona como a garantia de que todos têm a mesma língua. Essas diferenças entre as variedades de uma língua são, com frequência, chamadas de dialetos.

Então, é ilusão pensar-se que o português, língua majoritária no Brasil, constitui uma realidade monolítica e homogênea. Sujeito ao fenômeno da variação, próprio a todas as línguas, o português do país apresenta diversidade interna correlacionada com o espaço geográfico, o estrato sociocultural, a faixa etária e o sexo do falante. Desse modo os falantes de diferentes regiões do país mostram diferenças no uso da língua (variação geográfica ou diatópica), bem como falantes que ocupam diferentes lugares na estrutura social (variação diastrática), ou que pertencem a gerações diferentes, ou mesmo falantes que são de sexo diferente.

Porém, essa diversidade que se observa de falante para falante, chamada dialetal (do termo dialeto) não é a única a ocorrer. A língua varia ainda em outra dimensão, no interior de um dialeto, em função das circunstâncias específicas em que se realiza o ato de fala: conforme o canal utilizado na comunicação, conforme o grau de intimidade existente entre os interlocutores, conforme o assunto tratado, o local em que ocorre a interação. Assim é que, diferentes recursos da língua são mobilizados conforme o falante esteja se comunicando oralmente ou por escrito, conforme a situação de fala permita um estilo mais informal ou exija uma linguagem mais formal (variação estilística ou diafásica).

Percebe-se, então, ser a língua portuguesa, assim como qualquer outro idioma, uma língua muito viva, rica e colorida além de sua gramática normativa. As inúmeras variedades dessa língua falada por milhões de brasileiros, em diferentes regiões, tradições, idades e classes sociais podem ser entendidas como um tesouro linguístico, um verdadeiro patrimônio cultural de nossa diversidade. Os sabores sortidos das construções sintáticas, dos sotaques e dos vocabulários surgidos na espontaneidade do cotidiano são frutos evidentes dessa fertilidade que denominamos “português do Brasil”, com os matizes que vão de Norte a Sul, do Oiapoque ao Chuí.

DICAS DE GRAMÁTICA
É MUITO COMUM VERMOS MENSAGENS ou É MUITO COMUM VIRMOS MENSAGENS?
– Usa-se vir, vires, vir, virmos, virdes, virem para o verbo ver apenas no futuro do subjuntivo, antecedido de se ou de quando: Se eu vir o seu amigo…, Quando eu vir o seu amigo…
Um ‘macete’ é substituir pelo verbo fazer: se a substituição for fazer, usa-se ver; se a substituição for fizer, usa-se vir. Por exemplo: Se eu fizer…, então Se eu vir…; Era para eu fazer…, então Era para eu ver….
A frase apresentada, então, tem de ser estruturada assim: É muito comum vermos…, pois É muito comum fazermos…, e não É muito comum fizermos…

No poema-canção de Monsueto Menezes, que diz “Se você não me queria/ Não devia me procurar/ Não devia me iludir/ Nem deixar eu me apaixonar”, será a frase inicial uma oração subordinada condicional?
– Vejamos os versos no padrão culto da língua:
Como você não me queria, não deveria procurar-me ou
Já que você não me queria, não deveria procurar-me ou ainda
Você não deveria procurar-me porque não me queria.
As conjunções como e porque e a locução conjuntiva já que indicam causa, como também visto que, uma vez que, porquanto… A conjunção senão indica apenas condição; ela pode ser também causal, exatamente como o professor Ernani Terra escreve em sua gramática. É causal na frase Se você não me queria, não devia me procurar…
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Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras; Membro Academia Brasileira de Filologia.

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