(reflexões filosóficas)
O delito roubar está inserido no contexto de crime que suscita revolta no interior de cada ser humano. Roubar se constitui num mistério, um enigma para o pensamento; porquanto, qual é a origem do roubo, qual é seu fundamento? E por que o homem rouba o seu semelhante? Por que roubamos? Alguém pode responder essas questões? Uma coisa é certa, essa prática nociva está inerentemente ligada nas entranhas do homem..
É assustador como essa perversão própria da natureza humana se agiganta nos dias atuais. Rouba-se a mancheia, de todas as formas e de todas as maneiras. É roubo para todo lado. Seria demasiado longo enumerar todos os tipos de roubo que são cometidos, pois para onde a gente se vira, a pancada canta! Parece que o mundo de hoje, é o mundo dos velhacos, dos trapaceiros, dos charlatões, infiltrados em todos os segmentos da sociedade.
Talvez, sem escárnio, as confissões de Agostinho Bispo de Hipona, nos ajudem a entender, sem compreender, os motivos que faz essa gente, tão privilegiada pela vida, roubar. Quando jovem, diz Agostinho, quis roubar sem ter sido levado pela necessidade, simplesmente por indigência e desgosto do sentimento de justiça, por excesso de iniqüidade. Furtei, diz-nos ele, aquilo que eu tinha em abundância e de melhor qualidade. E era não a coisa cobiçada por meu furto, mas o furto, em si, e o erro que eu queria desfrutar (??). Esse desejo insaciável em desfrutar a incomoda condição de embusteiro, tem sua representação em quatro palavras latinas, definidas pelo próprio Agostinho: imago, o pensamento impuro na imaginação; cogitatio, quando se vai pensando no que é impuro; delactatio, quando nos deleitamos no que ruim e, assentio, o assentimento, ou em outras palavras, consentimento, que no caso significa disposição inata para roubar. Juntas, estas palavras significam a comissão da fraude. É a própria engenharia do mal com suas maquinações e perversas tramóias. Assim, de soslaio, parece que essa gente que vive a roubar, do miserável ao rico, está presa a esquemas espúrios; frauda sem causa, pelo único prazer de roubar. À luz dos princípios e leis da lógica, como arte do pensar, que mostra que a moral visa à edificação de um “reino dos fins”, a amoralidade desses “tais” se edifica na construção de um “reino dos meios”.
Portanto, pode-se dizer que toda essa loucura humana, bem parecida com as impressionantes ficções de Hollywood, horripilantes e arrepiantes, para não dizer apavorante, é produto duma nova filosofia de vida em que a verdade e os valores são relativos, dependentes de sua utilidade tanto para os indivíduos como para a sociedade. Conclui-se, igualmente, que as ações do homem que vive a roubar, estão representadas pela filosofia niilista de Nietzsche, filosofia que consiste na desvalorização dos supremos valores, na ausência de fim, na impossibilidade de responder “os por quês de tudo isso?”. Niilismo, por outro lado, que prega que o valor é um modo do ser. E as coisas valiosas, apreciadas e desejadas porque valiosas que se tornam norma ou regra de conduta, são por isso mesmo, fim ou razão de ser da conduta. O sentimento da ausência de valor emergiu, diz Nietsche, “quando se compreendeu que a existência em seu conjunto não poderia ser interpretada nem pelo conceito de fim, nem pelo de unidade, nem pelo de verdade; a existência deixou de ser verdadeira, é falsa. Não há mais razão alguma para imaginar um mundo verdadeiro. Deste modo, na tese Nietzsche, privado de fim, de unidade e de verdade, o mundo parece sem valor.”
Ao mesmo tempo, essas reflexões, à luz da filosofia nietzscheniana, não são para levar água ao moinho que range de desgosto pela vida; pelo contrário, deve-se atestá-lo expressamente, com base em exemplos de outrora, quando o homem não se envergonhava ainda da sua crueldade.
Mas essa atitude ilícita, em relação ao nosso próximo, essa aptidão pelo desonesto, é mesmo um mistério, um enigma para o pensamento. Por isso, diria o filósofo Vladimir Jankélévitch (1903-1985) somos forçados a afirmar, por assim dizer, que somos homens e mulheres, de estrutura delituosa por natureza, uma espécie de culpa original.
Contudo, não haveria fraudes e roubos, nas dimensões atuais, se a existência não fosse profundamente desigual, desordenada ou caótica, enquanto sociedade organizada. Ocorre que, no dizer de Herbert Marcuse (1898-1979) a luta pela existência é originalmente uma luta pelo prazer. Esta luta pela existência, mais tarde, é organizada no interesse da dominação. A propósito, já dizia Maquiavel, toda dominação, é dominação política!
Francisco Assis dos Santos, Pesquisador Bibliográfico em Humanidades
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