Em passagem pelo Acre, o renomado cientista político e sociólogo Emir Sader veio participar de uma extensa agenda de debates pelo Acre e também veio lançar o livro do qual ele foi o organizador ‘O Brasil que Queremos’. Entre uma agenda e outra, Sader deu uma entrevista exclusiva para A GAZETA, na qual avaliou o momento político turbulento ao qual o Brasil vive hoje, o processo de impeachment e o papel dos três poderes nele, o descrédito da população para com a política brasileira e a consequente despolitização das pessoas.
Que futuro se vislumbra para o Brasil e principalmente para o povo brasileiro em meio a todo esse show de depreciação da democracia? Sader responde que os próximos dois anos até as próximas eleições serão decisivos e também falou sobre o processo de Lula, voto obrigatório, o sentido tomado pelo governo de Michel Temer. Veja na íntegra a entrevista:
A GAZETA: Quais foram os motivos que o trouxeram ao Acre?
Emir Sader: A primeira razão é a minha vergonha por nunca ter vindo antes ao Acre. Segunda, vim para conhecer uma experiência política significativa de sucesso inquestionável tanto no Estado quanto na Capital. Terceira, aceitei o convite para falar um pouco sobre a conjuntura política atual. E, quarta e última razão, aproveito para lançar aqui no Acre o livro que eu organizei “O Brasil que queremos”, que é uma obra que tenta discutir um projeto de futuro, dos estados, de economia, de políticas sociais.
A GAZETA: Politicamente, quais são as suas impressões daqui?
- S.: Pelas experiências que eu vi pelo Brasil, o Acre está muito bem posicionado. Não há duvidas quanto ao sucesso da política no Acre. Mas é preciso investigar as razões. Quais foram os conteúdos que levaram para esta legitimidade do governo, em uma época em que vivemos o processo inverso, da deslegitimarão. A impressão aqui do Acre é muito positiva.
A GAZETA: Anteriormente, o senhor mencionou sobre a conjuntura política nacional. Qual é a avaliação que você faz desse momento que o Brasil vive hoje?
- S.: A Direita foi derrotada quatro vezes, e o povo preferiu sempre o modelo econômico de distribuição de renda. Aí ela [a Direita] procurou um atalho pra terminar com esses governos. De fato, o que vivemos pode se caracterizar como um golpe porque não houve nenhuma prova de que houve crime de responsabilidade fiscal. As próprias justificativas de voto provam que foi usada a maioria parlamentar para derrubar a presidenta como se estivéssemos em um parlamentarismo. Acho que foi duplamente golpe porque o vice-presidente que foi duas vezes eleito com um programa determinado está colocando em prática um programa que ele ajudou a derrotar nas eleições. Ninguém deu legitimidade para despedaçar o pré-sal como se está fazendo, para comprometer recursos de políticas sociais pelos próximos 20 anos e, por decreto, querer mudar os conteúdos do ensino médio. E o que mais configura que é um governo ilegítimo é o fato que ele está fazendo um programa impopular. Ele quer ser impopular. Não vai retomar o crescimento econômico do Brasil. É só de ajuste fiscal.
A GAZETA: E no que esse tipo de governo que o senhor considera ‘ilegítimo’ configura para a política brasileira?
- S.: É um governo altamente preocupante para a política, que vem sofrendo um processo de desgaste. E também para o futuro do país, porque estão fazendo um diagnóstico extremamente equivocado. Um ministro dizer, por exemplo, que a ex-presidente Dilma Rousseff gastou muito em educação e saúde e achar que isso é um problema, só como justificativa para cortar recursos de política social é um absurdo. Principalmente para o Brasil, que era considerado como um dos mais desiguais do continente. É quase um crime cortar recursos sociais logo agora que acabamos de sair do mapa da fome. O que deu legitimidade aos governos Lula e Dilma foram os investimentos no âmbito social. Estão tirando isso agora.
A GAZETA: Olhando daqui pra frente, qual caminho o senhor acredita que o Brasil vai seguir?
- S.: Vai depender da duríssima luta política dos próximos 2 anos. Na ótica do governo atual, seria impor uma tremenda política fiscal e desmontar o Estado, reconcentrar renda, fortalecer o capital financeiro… e excluir o Lula da vida política. Querem combinar isso com o povo.
A GAZETA: … e vai dar certo essa combinação?
- S.: Acho que não vão se arriscar. Embora haja rompantes de narcisismo de promotores que querem a todo custo levar o Lula para a prisão. A ideia é excluir o Lula da vida política sem nenhuma forte acusação. É absurdo que o mesmo juiz, um juiz partidário, faça a acusação, forme o processo, monte o julgamento e ele mesmo condene. Em nenhum lugar do mundo isso acontece, de o juiz mesmo julgar se ele é imparcial ou não. É uma brutalidade à democracia. E isso acontece com o silêncio do Supremo Tribunal Federal. Já foi criminoso não ter condenado o Eduardo Cunha quando ele era útil ao impeachment, mesmo com todas as acusações que levaram a cassar o seu mandato e até a prendê-lo. Tudo isso já existia desde o ano passado, mas só agora se permitiu a um juiz fazer tudo isso. O Lula continua a viver no mesmo apartamento em São Bernardo dos Campos que vivia antes de ser presidente. As denúncias dele não se parecem nada com as de ministros do governo atual e de parlamentares com vultuosas contas depositadas na Suíça, algo que já parece corriqueiro no Brasil. O Lula não. Ele teria recebido vantagens em contrapartida por coisas que teria feito, mas que não conseguem tipificar. Só que, pelo absurdo corredor institucional, se ele é condenado por um ano, em segunda instância um juiz amigo do Moro deixaria o Lula com ficha suja. Vamos ver como o povo reage a isso. É mais um golpe na democracia brasileira, que anda capengando.
A GAZETA: Como o senhor associa isso ao impeachment sofrido por Dilma Rousseff?
- S.: Acabou de ser eleita uma presidente e deposta sem razões, em um processo em que o Legislativo reivindicou poderes que não tem. E o Judiciário, que podia ter olhado e dito se tinha ou não o crime de responsabilidade, só o que fez foi não se pronunciar. Quer dizer, foi à decisão mais grave institucional do Brasil em décadas e o Judiciário assistiu, sem dizer se está a favor ou não. Na prática, tratou como se fosse uma decisão qualquer, como um tema menor. Tiraram o voto de 54 milhões de brasileiros e o Judiciário só assistiu. O mínimo a dizer era que há controvérsias, se tinha o crime de responsabilidade ou não, se foi só a Dilma que cometeu, mas nem isso fez. A ponto de o próprio presidente do Supremo dizer que foi um ‘tropeço’. E a Folha de S Paulo reportar que nos intervalos das sessões no Senado, faziam o lobby pelos 41% de aumento no Judiciário. O silêncio é cúmplice. O Executivo foi eleito e cassado injustamente. O Legislativo extrapolou o direito que deveria ter. E o Judiciário só assistiu a tudo isso, cúmplice e calado. Por isso, pode-se dizer que a República do Brasil hoje está arrebentada.
A GAZETA: O senhor acredita que todo esse processo que o Brasil viveu causa insegurança e principalmente desconfiança política na população? Isso foi perceptivo nestas últimas eleições municipais?
- S.: Faz parte desse jogo do golpe a desmoralização da política. Motivar o desinteresse das pessoas para não participarem. Dessas eleições municipais, o fenômeno mais importante que observamos é que foi altíssima a porcentagem de abstenções, votos nulos, votos em branco e nas periferias, bairros pobres. Esses três juntos foram os mais votados. Significa o desinteresse das pessoas de baixa renda e já com o ceticismo de que a política não é capaz de melhorar alguma coisa. Passamos por um show de dois anos e meio de desqualificação da política. É antidemocrática desorientar a posição política das pessoas. Daqui a pouco, podemos viver essa loucura que aconteceu agora no Chile, que foi o término do voto obrigatório. Então, cerca de dois terços da população de lá já não vota mais. Significa que uma elite branca mobilizada vota enquanto a massa em geral não quer e não está nem obrigada a se pronunciar. Faz parte do perigoso jogo da desmoralização da política. Suposta despolitização. Candidato que ganha hoje diz que não é político. É gestor. O marketing é decisivo pra ganhar. Você faz uma pesquisa para saber o que as pessoas querem ouvir e tenta se adaptar aquilo. Campanha é campanha, governo é outra coisa. O candidato chega com uma campanha com frases como “vou cuidar das pessoas”. E quem pode ser contra isso? Quem pode ser contra um governante que cuida das pessoas? As campanhas eleitorais é que levam a vitória. Só se governa depois delas.