Nós, seres humanos, fracos ou fortes, sofremos dores de perdas durante a nossa vida e essas dores deixam marcas profundas, cicatrizes que, por vezes, nunca se fecham, sangram por toda eternidade. E isso não é uma circunstância nova, pois na trajetória existencial esse sentimento de perda afetiva acompanha as pessoas desde tempos remotos. E, no correr do tempo, acumulamos perdas de natureza variada, que ficam gravadas na memória. Umas pessoas sofrem mais que outras. Essa dor não tem uma nota igual para todos, há quem viva na indiferença. Mas não são dessas pessoas que fazemos referências. Falamos dos seres normais, que cultivam e guardam amor, afeição, carinho e ternura.
A verdade incontestável é que nós, humanos, ainda não aprendemos a lidar com a experiência de perda afetiva e os efeitos emocionais dela decorrentes. Em cada nova experiência, a gente se depara com o impacto do momento e revive a dor sentida em situações pretéritas, embora o palco dos acontecimentos seja outro. Mas as lembranças ficam guardadas na memória e afloram em novos momentos, em situações similares.
No cenário de nossas vidas a separação e o amor continuam sendo conceitos vagos e complexos, cuja experiência deixa uma marca indelével nas mentes e corações. Não aprendemos quase nada com a dor da perda e o desafio do amor, à medida que levamos de uma vida para outra um padrão emocional-comportamental repleto de pensamentos fixos e sentimentos arraigados ao passado.
Este “estado de coisas” revela, nas entrelinhas, que nós deixamos de aprender com a experiência de sofrimento, e que devemos, portanto, nos aprofundar nesse conceito para compreender o significado do amor em nossas vidas. Significado que passa pela superação dos sentimentos de dependência, apego e posse, que interfere nas relações das pessoas com elas mesmas e com o mundo ao seu redor.
Talvez por essa complexidade de sentimentos, os gregos estudaram o amor e perceberam a sua escala evolutiva em forma de estágios. O primeiro é chamado Porneia – o amor-matéria. O segundo – o Eros, o amor sentimental, a busca da felicidade a dois, sendo a forma de amor mais comum no atual momento evolutivo da humanidade. O terceiro estágio – Philia, o amor da maturidade e da reciprocidade. É quando não se nutre mais a ilusão que o outro pode nos preencher, pois a felicidade é uma decorrência natural de nossa completude, de nossa realização pessoal e vocacional. O quarto estágio é o Ágape – o amor incondicional, sem escolha. É o amor divino.
Nota-se que a percepção apurada, em relação ao amor, é a peça do mecanismo que altera o estado de coisas de uma vida. E, neste sentido, a ciência está aquém das exigências de uma mente em conflito, pois o amor não depende e não se apega a situações efêmeras. Falta à ciência do comportamento humano, a sutileza e a profundidade que encontra na Filosofia e no Espiritualismo, no sentido de vincular passado e presente numa perspectiva de futuro.
Ademais, é fato que o ser humano é muito frágil diante da dor de perda. No campo afetivo esse sentimento é avassalador, deixa-nos impotentes, aturdidos na busca por respostas, quando se tem a alma dilacerada, inconsciente na incompreensão da vivência do amor, tão arraigada e profunda, nos fundamentos de nosso viver.
E toda essa dor humana, que aqui falamos, decorre da perda do Amor. E esse amor tão decantado é concebido de variadas maneiras. Aqui, toma-se o pensamento de Cardella (1994) como “um estado e um modo de ser caracterizado pela integração e diferenciação de um indivíduo, que lhe permite ver, aceitar e encontrar o outro como único, singular e semelhante na condição de humano” (p.16).
Para Zinker (2001), o amor tem significados diferentes em diversos momentos de vida de uma pessoa, porém a experiência de se apaixonar e a necessidade de fusão continuam sendo um enigma essencial que não depende das palavras. Há um reconhecimento de que não se é inteiro sem o outro, não se é pleno em si mesmo, mas também inexiste um reconhecimento do outro como pessoa inteira. Assim diz esse autor:
A união é como alquimia ao juntar as coisas e criar uma nova forma. Na alquimia, os nossos ancestrais tentavam juntar metais opostos na tentativa de fazer ouro. Isto, em certo sentido, é o que pensamos a respeito da aliança de noivado e casamento (p.198).
Assim, quando há uma quebra nessa relação de amor, por uma das partes, é provocado no outro uma dor que talvez se inscreva entre as mais difíceis de suportar – se admitirmos que podemos suportá-la enquanto seres “normais”. Vejamos o que diz Caruso (1988):
Não por acaso, em todos os mitos religiosos, o estado idealizado de dor ‘absoluta’ após a morte física do pecador é equiparado à separação absoluta do objeto amoroso. O reino das sombras – o inferno – apresenta-se como o lugar da dissociação, da ausência e da separação eterna; só os deuses e semi-deuses podem superar as leis da existência e descer a esse reino, para libertar os amantes esperançosos. Na representação cristã da condenação eterna, a própria essência dessa condenação encontra-se na dor provocada pela separação dos amantes (isto é, na separação do amor
absoluto personificado em Cristo) e no desespero daí decorrente (p. 13).
Percebe-se, então, que a separação amorosa não é um acontecimento raro, vivido por poucos, é uma das experiências mais dolorosas na vida do ser humano. A separação, para quem vivia uma relação de amor, assemelha-se a uma mutilação. Schettini (2000) conta que a separação “é como se, perdendo o outro, ter-se-á perdido uma parte de si. Produz-se uma ‘descompensação’” (p. 44). O rompimento pode provocar sentimentos de rebeldia ou conformação, vai depender da história de vida do indivíduo e o seu condicionamento específico (CARUSO, 1988).
Compreende-se, então, que o significado do ato de perder o amor é o desaparecimento, o extravio, a desgraça, a destruição. Assim sendo, a perda é uma agressão ao senso de integridade da pessoa. Ela é um trauma que ameaça o equilíbrio total, sobretudo quando a perda é irreversível. Necessitamos, pois, de muita fé, autoconfiança, determinação, para vencer a dor da perda afetiva.
Sabemos, todavia, que sendo o amor verdadeiro é diferente da paixão, ele não se concentra em coisas fúteis e pequenas, ele se preocupa com o grande, com os sentimentos, com os benefícios que o relacionamento traz, mas o amor verdadeiro não é necessariamente eterno. Muitas vezes, um amor verdadeiro morre quando uma das partes envolvidas quebra a confiança existente. Assim é a vida, assim atua nosso coração, assim é o Amor, cruel é a perda dele.
DICAS DE GRAMÁTICA
QUANDO USAR “TRAZ” e TRÁS, PROFESSORA?
– Trás – com “s” e acento, é advérbio de lugar e vem sempre introduzido por preposição. Parte posterior. Ex. Seguir em frente, sem olhar para trás.
– Traz – com “z”, terceira pessoa do verbo trazer. Ex. O dólar furado! Esse filme me traz lembranças da juventude!
Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras e Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro perene da IWA.