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Do bambu ao lago seco, nuvens e fumaça: a difícil tarefa de ler imagens de satélite e quantificar desmatamento

Gostaria de agradecer ao Secretário Carlos Edegard de Deus e ao secretário Adjunto João Paulo Mastrângelo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Acre (Sema/AC) por terem abordado no seu artigo (Jornal A GAZETA de 3 de dezembro de 2016, p. C1-6) o assunto de estimativas de desmatamento. Recentemente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) publicou dados sobre o desmatamento na Amazônia e no Acre no período de agosto de 2015 a julho de 2016. Depois de vários anos de decréscimo, a taxa de desmatamento para Amazônia brasileira aumentou 29% de 6.207 km2 no período compreendido entre agosto de 2014 e julho de 2015 para 7.989 km2 entre agosto de 2015 e julho de 2016.

E o Acre foi um dos líderes neste aumento. O Inpe estimou que o desmatamento no Estado aumentou 47%, de 264 km2 a 389 km2 para os períodos acima citados. O secretário da Sema/AC e seu adjunto pediram uma reavaliação dos dados do Inpe porque em anos anteriores o Inpe interpretou áreas de tabocal como desmatamento. Em agosto, segundo o Secretário e Adjunto, o próprio Governo do Acre aparentemente confundiu em imagens lagos secos em Tarauacá como desmatamento .

Acreditamos que este interesse na acurácia das estimativas de desmatamento do Inpe é extremamente importante e queremos usar este momento para explicar um pouco sobre como estes dados são gerados e sugerir que todos os dados ambientais incorporem uma estimativa da sua incerteza, como fazem por exemplo, os institutos de pesquisa de intenção de votos durante eleições que a população já incorporou o significado.

As ciências, como o matemático e filósofo Bertrand Russell dizia, são dominadas pelo conceito de aproximação. Estimativas de desmatamento são aproximações de um processo, e, se são boas ou não, dependem do objetivo do uso e da qualidade dos dados.

Alguns fatores afetam a qualidade das imagens usadas para a estimativa de desmatamento. A detecção do desmatamento depende das resoluções no espaço, no tempo e nas bandas de luz do sensor do satélite e dos métodos de tratamento dos dados.

Uma série de satélites denominados Landsat tem servido para fazer estimativas de desmatamento desde a década de 1980 com uma resolução de 30 metros no chão e uma repetição das observações do mesmo ponto no solo a cada 16 dias. O Inpe e outros grupos de pequisa e monitoramento usam as imagens dos satélites Landsat para observar a transição de florestas para áreas sem floresta e estimar taxas de desmatamento.

Apesar de cerca de duas observações mensais, pode ser difícil encontrar imagens sem nuvens ou fumaça durante um ano para poder quantificar o desmatamento com maior confiabilidade. Como exemplo, o cálculo de desmatamento em um ano poderia se dar a partir do início de agosto e em outro ano a partir do final de novembro.

Para complicar um pouco as coisas, o Inpe não usa como referência o período de janeiro a dezembro do mesmo ano para estimar o desmatamento anual. Ele utiliza imagens entre os meses de agosto de um ano e julho do ano seguinte. Os dados que o Inpe publicou agora referem-se ao período de agosto de 2015 – julho de 2016 e representam o desmatamento relativo ao ano de 2016.

O desmatamento mais fácil de determinar em nossa região é aquele que ocorre depois da queimada das árvores derrubadas que tipicamente acontece em agosto e setembro. Consequentemente, os dados produzidos pelo Inpe para o “ano de 2016” referem-se principalmente ao desmatamento ocorrido em 2015. Os lagos secos de agosto de 2016 poderiam complicar as estimativas no ano que vem, mas não este ano.

O bambu morto e os lagos secos interpretados como desmatamento seriam o que chamamos de ‘erros de comissão ou inclusão’. Eles aumentariam a estimativa acima do valor real.

Existem também ‘erros de omissão’ cujos efeitos seriam fazer a estimativa ser abaixo do valor real. Estes erros de omissão facilmente acontecem em um ano quando as imagens disponíveis, vamos supor, são do final do mês de agosto, mas a queimada ocorreu no fim de setembro. Assim, somente no ano seguinte seria contabilizado este desmatamento. Por isso temos incertezas inerentes nestas estimativas causadas pela data das imagens e por problemas de intepretação.

Na área política, especialmente pesquisa de intenção de voto a publicação de incertezas contidas nos dados é corriqueira, quando se reporta empate técnico ou a incerteza é de mais ou menos 2%. Precisamos fazer isto com dados de importância ambiental.

Um exemplo pode ajudar a esclarecer como reportar esta incerteza às estimativas de desmatamento. Vamos supor que a incerteza das estimativas de desmatamento do Inpe foi mais ou menos de 10%, talvez um valor conservador. O valor citado para o Acre no periodo de agosto de 2015 a julho de 2016 de 389 km2 teria, portanto, uma faixa de incerteza entre 349 e 429 km2 para o ano terminando no final de julho de 2016. Em outras palavras, só sabemos que o valor real seria entre 349 e 429 km2.

Para o ano anterior, 264 km2, esta incerteza de 10% produziria uma faixa de 238 a 290 km2. Agora a comparação fica um pouco mais difícil de ser feita, porém, traduz melhor a realidade.

Mesmo assim, podemos ver que a diferença entre os dois anos para o estado do Acre continua sendo marcante, mesmo se a incerteza dos dados do Inpe forem de 10%. O Inpe precisa encontrar muitos erros para dizer que o aumento observado no Acre não foi real. E se os erros de omissão forem maiores do que os de inclusão, a porcentagem de aumento de desmatamento poderia até crescer.

O secretário e o secretário adjunto da Sema/AC têm toda razão de solicitar ao Inpe uma análise da incerteza da estimativa de desmatamento, que precisa ser feita tanto em termos de erros de inclusão quanto de erros de omissão. Afinal, a implementação de políticas públicas no Acre e sua avaliação precisam de informações confiáveis.

O próprio governo estadual e a comunidade acadêmica acreana também poderiam servir como modelos quando publicam dados ambientais e incluir juntamente as estimativas de incerteza destes dados.

Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente dos Cursos de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais e em Ciências Florestais da Universidade Federal do Acre (Ufac); cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia, do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico da Ufac; Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre. Ele trabalha com pesquisadores do Inpe em estimativas de desmatamento.

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