Pela rua de pedrinhas de diamante para o meu amor passar, triste traste que vês em andança, coberto de andrajos rotos e amarfanhados, não demonstra de que mal sofre, nem que o torturem com avalanches de verdades sobre a cabeça torta de pedra.
Eu te observo ao longe, sim. Hás de ainda furar e fazer sangrarem, é certo, os pés sujos da caminhada sofrida. Resignado, então, seguirás sem muita cor, sem nenhuma alegria, sem nenhuma luz, mas com muitas lembranças, e ainda o retinir da crueza do sol vermelho, que te bate causticante sobre a cabeça feito o tempo que urge para aqueles segundo quem nada é exatamente urgente. O mundo está a ruir ao teu redor. Apressa-te, andarilho à toa!
Morra, ó louco desalmado! Nunca hás de te encontrar!
Eu te vi fugir de alcovas suarentas ou esconder-se debaixo delas, rasgar mortalhas e chorar defuntos em risos pecaminosos, imitar o canto da sereia sonegando a verdade, viver o limbo e o céu depois do inferno. Moleque querubim morto, negro do galho torto, raiz venenosa infeliz, sexo, drogas e rock’n roll…
Melhor de tudo é que também já não podes cuspir para cima ou olhar para o alto, posto que as luzes da alegria te ofuscam e te dobram os joelhos em chagas, e te comem por dentro e te turvam as vistas e te fazem delirar de tanto medo de, ao caminhar sem destino, ter que dar de cara, repentinamente – alma penada arrastando corrente! – com o apito final de um trem que parte rumo ao desconhecido de quem se perdeu por não saber se encontrar.
É assim a vida. O cheiro da última ninfeta e quimera já não está espalhado pela casa. Já nem existe moradia, nem perfumes, como nos anos das vidas loucas varridas entre coquetéis e baladas avassaladoras do corpo e da alma. Brindemos, então! À saúde de quem tem saúde! À falência múltipla dos órgãos de quem já os têm em pandarecos.
É exatamente assim esse existir, ao mesmo tempo tão eufórico e tão triste, de quem vai pela estrada sem roteiro, sem hora de partida ou de chegada, sem o bilhete da viagem aérea que nunca fez porque sempre foi obrigado a partir, a duras penas, a pé, pelos desvãos das estradas da vida poeirenta e pedregosa. Em verdade, tu nunca chegarás sequer a ser, meu nobre vagabundo e ermitão empoeirado.
Quanto já não se disse e se escreveu sobre tudo isso, como se todos compreendêssemos os recôncavos da vida louca e estrábica. Veja você, então, o céu vermelho do último dia, a última súbita e decadente alegria, o solado roto dos pés nus. Veja bem. Já não se crê no amor em idade alta, posto que já se vive o tempo em que a transitoriedade da vida obriga o poeta a pensar muito mais na felicidade dos outros que na sua própria carne. Enfim uma luz… Pronto… Acabou de se apagar!
Então, disse-nos o outro poeta aprendiz que a tua poesia estava cadente, cáustica, melíflua, triste, caótica, dobre e redobre de mortos, cansada, mas estava linda. Sim, está. Talvez. Nunca se sabe ao certo se se está agradando a uma mulher esquecida e ansiosa e aflita pelo seu amor, ou se se está jogando a toalha do jogo aos pés de um anjo desalmado e cruel. Afinal, como anotou o Mario de Andrade, a boa poesia só surge nos momentos de devastação íntima.
Realmente, a vida é tão transitória! Vai-se o tempo, sequenciam-se as estações do ano, as eras fluem por entre os dedos, perdem-se tantos amores pela inconsistência do destino inconsequente ou pela indignidade do humano desprezível e sádico.
Lembras as mulheres que só te fizeram bem ao cruzar os teus caminhos? E tu, ó anjo vadio! Nem percebeste que dois terços delas não queriam mais que carinho e um ombro para soluçar de amor ou em vista da dor de ser amada, peito pulsante, meio extremada, como a fada que nasceu em cima da flor.
E sequer esqueceste, alma pérfida, daquelas poucas que não te quiseram tão bem, porque delas pouco viste da alma que dizia em tom agudo e sustenido: ame-me antes que já não o possas, antes que o espírito ressequido já não consiga enxergar que o amor está em qualquer parte, ou em lugar nenhum, depois, bem depois do ocaso das horas.
Tu lembras a poesia rica e bela de Mário de Andrade, como a de Vinícius, cheia de amor pra dar?
Então, olha! Quanta beleza há nos olhos sorridentes da moça da primeira fila! Passou. Já é passado que não volta nem à luz das velas de um hotel soturno feito só para o amor. Lua, luz tênue e branca novamente acendeu e outra vez se apagou. Foi-se. Já era. Tu não aproveitaste a oportunidade que te deu o amor.
Vês agora a alma de Pablo Picasso acompanhada das suas sete esposas pintadas em telas negras. Fernande, Eva, Olga, Marie-Thérèse, Dora, Françoise e Jacqueline viveram a intensidade das paixões do pintor que transpôs para o seu trabalho o fascínio pelas mulheres, exaltando sensualidade e erotismo.
Protagonizou inúmeras conquistas, foi o namorado amoroso, o amante fiel e o marido impiedoso. Suas consortes passavam de deusas, quando apaixonado, a tristes duendes, no fim da relação.
E tu não querias esse magnetismo do espanhol pintor? Um dia disseste a mim. Ele exercia um encanto pessoal tão grande sobre as suas amantes que a vida deixava de ter sentido sem esse glamour. Costumava se retratar como um minotauro, um ser monstruoso, fruto de amores que vão além do entendimento, protagonista de relações violentas, eróticas e cruéis. Foi essa sexualidade selvagem que transpirou pelo desenho das suas mulheres. Na Paris do século passado, Picasso devorou pessoas e eventos com grande paixão, e transformou-as em arte… És, certamente, a reencarnação do artista de Málaga.
Estás louco tal qual o teu carinho pontiagudo, massacrante, maltratante e dilacerante, feito o voo de um pássaro bruxuleante que com as asas de setas tortas e flechas quebradas toca e fere o céu…
Muito haverão depois de te atordoar as malditas lembranças dos corações dilacerados das mulheres que te perderam porque, segundo a tua débil esperteza, nenhuma te merecia. Achas, enfim, que, se as perdeste, foi porque ainda és poeta menino e não suficientemente divino e rico de elogios e competências sensíveis de um sedutor desavisado, que não soube exercitar a arte nobre que seria mantê-las ao teu lado ou bem à tua frente, para não lhes envergonhar uma vez mais.
E a vida trágica vai passando e as últimas alegorias e adereços do teu carnaval de ilusões já te estão sufocando. Já não mais as vês. A transitoriedade da vida leva a todos no bojo da sua fúria vagarosa e avassaladora, inclusive vai transportando você, meu nobre poeta cruel e vagabundo.
Ó, anjo torto! Tu não mereces as lágrimas de ninguém e muito menos as minhas.
Sofre, poeta infeliz!
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Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível nas livrarias Paim, Nobel e Dom Oscar Romero; ou através do https://www.facebook.com/claudiomotta.com.br/
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Um tantinho de amor a preço qualquer CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO* Sol a pino em brilho que relaxa, que apraz, que traz alegria, que refestela, que fala mansinho de vida …