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Acre: Brasil ao extremo

Aos poucos, fui juntando o que já sabia dos livros, e de comentários de amigos que por aqui passaram ou vieram, ao que pude constatar pessoalmente. Após ter vivido três anos por aqui, formulo minha impressão. O Acre é o Brasil levado ao extremo. Por quê? Passo a explicar.

A história do Brasil é esta derivação da história portuguesa, que saiu do ocidente da Europa, na sua praia mais lusitana, em mares por infantes imaginados, e aqui veio dar com os costados. O projeto português talvez fosse habitar somente a porção mais a leste da América do Sul, como previsto em Tordesilhas, mas o ímpeto dos aventureiros, as riquezas imaginadas, e descobertas o relevo agradável e a rede fluvial encontrada não deixaram a coisa por aí. Falantes da língua portuguesa foram subindo os planaltos, batizando os acidentes geográficos, escavando, plantando, ficando, ocupando. Neste processo de ocidentalização luso-brasileira, o Acre é o ponto máximo de um percurso secular e acidentado.

Ao mesmo tempo, o Acre é obra de brasileiros em legítima busca pela sobrevivência. Seu território que não é resultado de conquistas decididas nos palácios (como foram as anexações da Província Cisplatina e da Guiana Francesa), mas, sim, de um movimento popular. Voltando às nossas origens portuguesas, a revolução асreana pode ser entendida como marca máxima do expansionismo abusado de quem, 400 anos antes, assinara o Tratado de Tordesilhas.

Empregando a distinção feita por Sergio Buarque de Holanda entre as colonizações lideradas por espanhóis e portugueses, chamando os primeiros de ladrilhadores e os últimos de semeadores, me parece que no caso do Acre a “semeadura” é o caminhar incessante dos seringueiros pelas florestas, em busca da riqueza da borracha.

A incorporação do Acre ao país o torna ainda mais “Brasil ao extremo”. Porque nasce de uma revolução de brasileiros, em sua busca agitada de progresso. Comandado por um gaúcho, o Acre se integra a um país já republicano! Um representante dos pampas teria muito a fazer entre revoluções republicanas. Mas Plácido de Castro parece ter sido talhado pelo destino. Com passado militar na Revolução Federalista, veio à Amazônia para atuar como agrimensor na demarcação de terras. Acabou por “demarcar” a integração do Acre ao Brasil!

(Ironicamente, a capital viria a homenagear o Barão [do Rio Branco], sem impedir que o centro da cidade louve, com o batismo das principais vias, todos os republicanos de 1ª linha, desde Floriano, passando por Deodoro, Constant, Quintino Bocaiúva, até o Presidente que enterrou a República Velha: Vargas).
Também o líder acreano que teve projeção mundial, Chico Mendes, e sua morte trágica, traduzem agudamente o que ocorre em nosso país inteiro. O conflito aqui, simbolicamente, se opera nas dicotomias trabalho x capital, coletividade x propriedade privada, natureza x devastação, ativismo x repressão, emancipação x retrocesso… Brasil puro.

Chama-me a atenção no acreano a imagem especial que faz de si próprio, que é, ainda, a exacerbação de imagem do brasileiro sobre si mesmo. O acreano sabe que especial, e julga indigno imaginar-se menor que sua grandeza. Brasileiros em geral, e acreanos em particular, fizeram o considerado impossível: uma civilização tropical, na qual o calor, as distâncias, as doenças e às vezes o próprio passado conspiram contra os avanços. O que almejamos, no entanto, é tão grande, que reclamamos amargamente do que ainda não foi feito. Mas, como, reclamamos do que não foi feito? Sim, porque também nesse ponto somos, mais uma vez e sempre, extremadamente brasileiros.

Mauro Lopez Rego. Arte-educador, escritor e gestor de programas sociais, trabalhou no Sesc Acre de 1996 a 1999.

A Gazeta do Acre: