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O dilema da descriminalização do aborto

Em caso específico, o STF descriminalizou aborto até três meses de gestação
Em caso específico, o STF descriminalizou aborto até três meses de gestação

 

 

 

 

 

 

Durante a semana, um debate polêmico voltou à tona: a descriminalização do aborto. O motivo para tantos posicionamentos repentinamente acerca do tema foi o fato de na terça-feira, 29, o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proferido a decisão que descriminaliza o aborto nos três primeiros meses de gestação. A decisão foi para um caso específico, mas pode influenciar outros juízes.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AC, a advogada Isabela Fernandes, explica o que levou os ministros a chegarem a essa conclusão. Ela destaca que a decisão proferida pela 1ª Turma do STF na última terça, afastou a prisão preventiva que mantinha encarcerados dois homens por suposta prática de crime de aborto, com consentimento da gestante, prevista no artigo 126 e 288 do Código Penal.
“O ministro relator, Dr. Luís Roberto Barroso, entendeu que não se encontravam presentes os requisitos que autorizam a prisão cautelar. Disse ainda que afirmar o crime de aborto no primeiro trimestre seria uma violação dos direitos fundamentais, sexuais, além da autonomia da mulher. No seu voto, o ministro Relator ressaltou que, apesar da relevância quanto à proteção jurídica ao feto, criminalizar o aborto no primeiro trimestre seria uma violação aos diversos direitos fundamentais da mulher bem como não observa o princípio da proporcionalidade”, detalha.

A advogada ressalta que o que deve ser analisado no contexto é o deve constitucional do Estado de promover políticas de educação sexual e o fornecimento de métodos contraceptivos à população.

Isabela Fernandes afirma que o resultado não afeta diretamente os muitos casos existentes no Brasil, mas, certamente, irá criar um precedente para os processos já existentes e ainda futuros no Poder Judiciário brasileiro.

“Particularmente, acredito ser importante termos cautela para que as mulheres não pormenorizem as consequências de uma gestação e ainda mais de um aborto, ainda que autorizado pela Lei”, declara.

No próximo dia 7, o plenário do Supremo deve julgar a possibilidade de aborto em casos em que mulher for infectada pelo vírus zika.

Advogada frisa que decisão não afeta casos no país
Advogada frisa que decisão não afeta casos no país

Obstetra fala sobre os riscos de um aborto no início da gravidez

Murilo Bastista mostrou-se contrário a decisão do STF
Murilo Bastista mostrou-se contrário a decisão do STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que até o terceiro mês de gravidez, o aborto não é considerado crime. Mas, você sabe dos riscos de um aborto nos início da gravidez? O ginecologista e obstetra, Murilo Batista Santos Filho, fala sobre os riscos de uma interrupção precoce.
O especialista explica que o aborto é a remoção ou expulsão do embrião do útero de forma prematura. Existem dois tipos de aborto, aqueles induzidos ou provocados e o espontâneo. O primeiro é causado deliberadamente por razões médicas admitidas pela lei, ou clandestinamente por pessoas leigas. Já o aborto espontâneo é a expulsão involuntária, casual e não intencional de um embrião ou feto antes de 20 a 22 semanas de gestação.
Segundo o médico, realizar um aborto pode causar infecções que resultam na morte materna e/ou infertilidade, ou esterilidade. Para ele, os principais motivos que levam a mulher a fazer um aborto são o medo e falta de orientação.

“Acho que falta um investimento maior no planejamento familiar e na divulgação de métodos anticoncepcionais, bem como colocar tudo isso à disposição da população”, acrescentou.

O ginecologista é contra a decisão do STF, e repudia uma possível legalização do aborto. Ele afirma que quando há fecundação e formação do embrião já existe vida. “Um embrião de terceiro mês já tem o coração batendo e alguns órgão já formados”.
Por fim, Filho diz que apenas a legalização do aborto não obrigaria médicos a realizarem o procedimento, pois diversos fatores influenciariam a decisão profissional. “O que também estará em jogo é a consciência moral e religiosa do médico, pois dependerá dele para realizar o ato em si”.
“Meu medo é que tal decisão transforme as maternidades públicas em clínicas de aborto”, diz médico

A decisão do STF gerou polêmica e dividiu opiniões entre os internautas. Diversos médicos, autoridades e pessoas públicas se posicionaram sobre uma possível legalização do aborto através das redes sociais.

O médico carioca, Rodolfo Salvato, publicou um vídeo em sua página de Facebook criticando a decisão dos ministros. Até a tarde desta sexta-feira, 2, o vídeo tinha mais de 2,8 milhões de visualizações.

Para ele, as justificativas utilizadas pelos ministros a favor do aborto não condizem com a realidade do Brasil. “O grande problema é que o nosso país não é um país desenvolvido. A nossa Cultura não é de um país desenvolvido, a nossa Educação não é de um país desenvolvido e a nossa Saúde Pública também não. O meu medo é que tal decisão transforme as maternidades públicas em clínicas de aborto”.

“O aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública”, diz secretária de Políticas Públicas para Mulheres

A secretária de Políticas Públicas para Mulheres do Acre, Concita Maia, diz que a interrupção da gravidez é uma realidade mun-dial e por isso deve ser tratada como uma questão de saúde pública.

A gestora enfatiza que o aborto é a quinta causa de morte de mulheres no Brasil. Cerca de 850 mil abortos são realizados anualmente.
“A cada nove minutos morre uma mulher vítima de abortos clandestinos, em sua maioria mulheres pobres. Estimativas indicam que entre 7,5 milhões e 9,3 milhões de mulheres interromperam a gravidez no Brasil, entre 2004 e 2013. O tabu que cerca o tema leva a imprecisão dos números”.
Segundo o Instituto de Medicina da UERJ e da ONG Ações Afirmativas em Direitos de Saúde, o número de abordos induzidos é 4 ou 5 vezes maior do que o de internações decorrentes de aborto no país.

“O Governo é uma síntese da representação da socie-dade, tendo nos seus quadros representantes de distintas concepções sobre a interrupção da gravidez: cristãos (católicos,evangélicos e espíritas), religiões afrodescendentes, budistas, daimistas, ateus, entre outras. Dian-te do exposto e defendendo o livre arbítrio das mulheres e a laicidade do Estado, pessoalmente, entendo que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública”, concluiu.

Padre diz que a maioria das mulheres nunca se recupera psicologicamente após o aborto

Padre Mássimo defende a valorização do ser humano desde o concebimento
Padre Mássimo defende a valorização do ser humano desde o concebimento

 

 

 

 

 

 

 

 

O reitor da Catedral Nossa Senhora de Nazaré, padre Massimo Lombardi, acompanha a discussão sobre a descriminalização do aborto no primeiro trimestre da gravidez. Apesar de o maior debate ainda estar acontecendo na internet, a igreja já se manifesta sobre o assunto.
Segundo padre Mássimo, a igreja valoriza a pessoa humana desde o seu concebimento até a morte. “A gente enfrenta, enquanto igreja, esse problema em vários países. A igreja sempre se posicionou contra o aborto. Nos países em que o aborto foi descriminalizado, nós percebemos um retrocesso cultural e populacional”.

O religioso faz uma análise sobre os países em que o aborto já foi descriminalizado. “Na Itália, por exemplo, onde eu acompanhei essa discussão sobre o aborto, a população está diminuindo. Os governos italiano, francês, e outros onde há essa prática é descriminalizada, estão desesperados, pois a população está diminuindo, os jovens estão desaparecendo. Nesses locais, o número de idosos aumentou. E o questionamento agora é em relação a pagar aposentadoria para tantas pessoas quando não se tem jovens para trabalhar. Graças a Deus que se tem as imigrações”, frisa.
Do ponto de vista teológico, o padre apenas reafirma sua crença de que a vida é um dom de Deus. “Se a vida é um dom de Deus, nós precisamos respeitá-la. Quando você corta o nascimento, todo o equilíbrio está comprometido”.

Padre Mássimo afirma que atende diariamente casos de mulheres que abortaram de forma clandestina, mas acredita que seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o caso vai apenas aumentar os casos de aborto.

“Os abortos clandestinos existem desde que eu cheguei aqui ao Acre, em décadas passadas. Já se falava que aquele farmacêutico ou aquele médico facilitava o aborto. Isso já é um desvio que não deve acontecer. Então, aquela mulher fragilizada, sem experiência nenhuma, fazia o aborto. Daí, as consequências eram muito negativas. Outro motivo que as fazem a tomar essa atitude é o financeiro”, pontua.

A maior problemática, segundo padre Mássimo, é o depois. As marcas que um aborto deixa na vida da pessoa não compensam realizar o ato.
“Eu posso dizer para todos esses casos que eu acompanho praticamente diariamente aqui na Catedral, que esse é um fardo negativo que muitas não conseguem se livrar, mesmo o aborto tendo acontecido 20, 30 anos atrás. Aquela mulher vive sufocada pela angústia, tristeza, pela depressão, por causa de uma criança que foi ceifada e agora poderia ser, por exemplo, o sustento ou a esperança da casa”, declara.

Lombardi acompanha casos de mulheres sozinhas, que nunca conseguiram ter filhos e que “guardam uma grande saudade da criança que jamais chegou a nascer viva”.
Para aliviar o sofrimento da mulher que procura a igreja após o aborto, o padre diz que faz uma corrente de oração e chega a dar um nome ao filho que nunca nasceu. “Aquela criança é uma vida amada por Deus”.

O aborto é o causador de problemas psicológicos em algumas mulheres, afirma o padre. Por isso e por tudo o que acredita, ele condena a decisão do STF.

“O Estado é laico, é claro. Contudo, pelo menos que haja um plebiscito. Isso é o mínimo que se pode esperar. Que o povo se manifeste e vote”, sugere.
O padre Julio Lancellotti também se manifestou contrário à decisão que descriminaliza o aborto até os três meses de gestação. “A defesa da vida não deve ser seletiva. Defender a vida desde a concepção, defender a vida das mulheres sempre. Sem misoginia. Defender os moradores de rua, sempre. Os encarcerados, defender contra a homofobia. Indignar-se diante do genocídio da juventude negra e dos povos originários da matança de trans e gays, dos sem terra, imigrantes e refugiados. A justiça que descriminaliza o aborto é a mesma que criminaliza os pobres”.

No Acre, feministas apoiam a legalização do aborto e consideram decisão do STF um “avanço”

No Acre, Movimento Feminista comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal
No Acre, Movimento Feminista comemorou a decisão do Supremo Tribunal Federal

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o aborto até o primeiro trimestre de gestação, especificamente no caso de uma clínica clandestina de Duque de Caxias (RJ), dividiu opiniões e causou muita polêmica nas redes sociais em todo o Brasil. Em vários estados, inclusive no Acre, o Movimento Feminista comemorou o resultado.

A estudante e militante feminista, Ana Luiza, de 20 anos, considera a decisão do STF um avanço, mas acredita que o caminho até a legalização do aborto no país ainda é longo.

Para Luiza, criminalizar o aborto não impede que as mulheres continuem realizando o procedimento. “É tipo tapar o sol com a peneira. Mulheres abortam diariamente e mulheres morrem por conta disso, principalmente as que não têm condições financeiras de bancar o procedimento e, no desespero, recorrem a qualquer coisa”.

Luiza destaca que o aborto é uma questão de saúde pública e a quinta causa de óbitos maternos, segundo dados do Conselho Federal de Medicina de 2013. “Essa dado faz com que a gente questione a frase “a favor da vida”, porque se o aborto é uma das maiores causas de mortes maternas, nós estamos falando da vida de quem?”, questionou.

Para exemplificar, a jovem utiliza dados do Uruguai, onde a legalização do aborto diminuiu em 30% a procura pelo procedimento. “A legalização do aborto não vai obrigar todas as mulheres a abortarem, a gente só quer que elas tenham um atendimento e acompanhamento seguros e que parem de morrer”.

O posicionamento feminista

“O Movimento Feminista não é a favor do aborto, ninguém é. Nós queremos a legalização dele”. Com essa frase a estudante e militante feminista, Maíra Menezes, de 25 anos, resume o posicionamento da maioria das mulheres feministas.

Menezes explica que somente descriminalizar o aborto não resolve a questão social. Ela afirma que é preciso investir em políticas públicas de Saúde da Mulher. “Nós defendemos educação sexual para escolher, contracepção para prevenir e aborto legal para não morrer”, falou.
Assim como o ministro Luís Roberto Barroso, que votou a favor do aborto durante sessão STF, Maíra acredita que a criminalização do aborto causa discriminação contra as mulheres pobres, já que elas não podem recorrer a um procedimento médico público e seguro, enquanto as que têm condições pagam clínicas particulares.

A jovem, que conhece mulheres que realizaram o procedimento, afirma que decidir fazer um aborto não é uma escolha fácil. “Nenhuma mulher, nem mesmo as feministas, tomam essa decisão tranquilamente. É uma decisão muito difícil, algumas depois do aborto levam um tempo e ficam reclusas. Com esse tabu que existe na sociedade muitas vezes elas são hostilizadas, quando na verdade nós deveríamos abraçar essa mulher e dá colo para ela. Ninguém faz isso com um sorriso de orelha a orelha”, concluiu.

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