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ARTIGO: A verdade sobre o possível aumento da tarifa dos Transportes Coletivos

Em 2015, quando do debate do último reajuste da tarifa dos transportes coletivos da capital, o prefeito de Rio Branco, fazendo ouvidos de mercador a diversos alertas apresentados no tocante a graves irregularidades que estavam sendo ignoradas, sancionou a Lei Complementar 14/2015.

A referida lei, concedeu, ofendendo o próprio conteúdo, “isenção fiscal condicionada” do Imposto Sobre Serviços (ISS)” e da “Outorga” – com vigor até 31 de dezembro de 2016 – a “todas” as empresas de transporte coletivo que atuam na cidade.

A Outorga, que é a obrigação das empresas de repassarem 2,3% da receita mensal ao municipio, conforme já dito, também foi alvo de isenção. Ou seja: a Prefeitura, juntando a isenção do ISS e os repasses da Outorga, dispensou uma elevada soma de recursos da municipalidade.

A referida isenção fiscal foi classificada como “condicionada”. Como é bem óbvio, pelo fato de que as empresas, para terem acesso ao referido benefício, deveriam cumprir algumas “condições”.

Deveriam, além disso, se enquadrar nos requisitos na citada lei para terem acesso à mesma. E é exatamente sobre esses dois itens, as “condições” e os “requisitos exigidos para acessar os benefícios”, que iremos nos debruçar.

O objetivo central da referida lei era permitir a “renovação da frota e a manutenção da tarifa no patamar de R$ 1,00 para os estudantes até o final do ano passado”.

Trocando em miúdos: os recursos não  pagos pelos empresários a título de ISS e Outorga, deveriam ser investidos na renovação da frota e na manutenção de preços módicos para os estudantes.

Para tanto, foi pactuado que as empresas deveriam renovar a frota individual de cada uma delas com base no seguinte quantitativo: a Viação Floresta Cidade de Rio Branco deveria comprar 25 ônibus novos até 31 de dezembro de 2016 e o consórcio Cidade Verde/São Lucas deveria, no mesmo prazo, entregar 05 ônibus.

Ocorre, e é fato, que não se tem notícias de que as referidas empresas tenham cumprido tais obrigações.

O que se sabe, em razão da precariedade da transparência das informações públicas relacionadas à Prefeitura de Rio Branco, é que tal cumprimento se deu de modo parcial e precário. E o mais grave: nem todos os ônibus apresentados eram novos.

De outra banda, tais empresas nem mesmo poderiam ter acessado o direito à isenção, eis que, para tal, deveriam estar “quites” com suas obrigações trabalhistas à epoca,  situação em que nenhuma das três empresas se enquadrava naquele momento. Tanto é verdade que Ministério Público do Trabalho, que investigava o descaso de tais empresas no tocante às obrigações trabalhistas, questionou duramente tal política de isenção.

Só para termos uma leve idéia, a empresa responsável por mais de 60% das linhas, a Viação Floresta Cidade acumula um passivo trabalhista superior a R$ 3,5 milhões de reais. E, até hoje, já  com centenas de manifestações judiciais em sentido contrário, ainda insiste no argumento, absolutamente sem nenhum nexo de que não é responsável pelo passivo trabalhista da Real Norte, empresa adquirida pela mesma, e da qual, não se sabe como, é sua sucessora.

Tal empresa, que também é suspeita de integrar o mesmo grupo empresarial das outras duas, a São Lucas e a Cidade Verde, confirmando um gravíssimo e inaceitável monopólio, possui um débito fiscal superior a R$ 18 milhões, aí inclusos, quase R$ 2 milhões decorrentes de ISS não recolhidos.

Diz ainda a referida lei, que o Rbtrans deveria ter enviado à Câmara Municipal de Rio Branco, até o dia 15 de janeiro do ano em curso, o “demonstrativo de cumprimento da condição de renovação da frota”. E, de acordo com o que diz o Plano Municipal de Mobilidade Urbana do Município de Rio Branco, deveria ter tornado público tal documento. Infelizmente, nada disso foi feito às claras até agora.

O Contrato de Concessão da empresa em questão foi outorgado pela Prefeitura de Rio Branco no ano de 2004, em nome da sua antecessora, a Real Norte, e tinha prazo de dez anos.

Antes  do término do referido prazo, em 2012, o ex-prefeito Raimundo Angelim transferiu todas as linhas da Real Norte para a Viação Floresta Cidade de Rio Branco, em procedimento nebuloso que até hoje não se sabe se foi uma “subconcessão”, que exigiria a realização de “licitação” ou “transferência do controle societário da concessionária”, procedimento que exigiria idoneidade financeira e regularidade jurídica por parte da Viação Floresta Cidade, condições visivelmente ignoradas, tanto que, pouco tempo depois, a mesma entrou em “Recuperação Judicial” para tentar impedir a própria falência, deixando claro que não tinha, e não tem até hoje, idoneidade financeira.

Se não bastasse,  considerando, em hipótese, a tese de que houve “transferência do controle societário da concessionária”, o sucessor de Raimundo de Agelim, deixando de observar que a Viação Floresta Cidade deveria cumprir as obrigações contratuais da Real Norte, assistiu calado ao descumprimento de dois aditivos do contrato de concessão, e, achando que ainda era pouco, renovou por 09 anos a concessão da referida empresa.

O procedimento de transferência das linhas, muito provavelmente, foi a forma encontrada pela empresa Viação Floresta Cidade para não ter que se submeter ao processo de Concorrência Pública que deveria ter sido aberto se Marcus Alexandre tivesse juízo.

De qualquer forma, mesmo tendo o Rbtrans apontado descumprimento de parte do Contrato de Concessão e a Procuradoria do Município, ainda que sutilmente, apresentado alguns alertas, a prefeitura prorrogou por mais 09 anos o contrato em tela.

E é exatamente aí onde reside a causa da crise vivida pelo sistema de transportes coletivos nos dias de hoje.

A empresa Viação Floresta Cidade, por ter que assumir as dívidas deixadas pela Real Norte, não está  conseguindo cumprir os termos do Contrato de Concessão e ainda tem o descaramento de dizer que a dívida não é sua.

Ora, convenhamos, com uma nova  Concorrência Pública – e não a renovação da concessão, de  legalidade duvidosa e visivelmente divorciada do interesse público –  uma empresa idônea teria sido selecionada para bem servir à população.

Agora, com o leite já derramado, em razão da incompetência administrativa de dois prefeitos, querem que a população mais pobre pague o pato dos tais riscos de falência das empresas, todas, integrantes de grupos empresariais muito bem consolidados em nível nacional e que podem, sem grandes esforços, assumir as dívidas e recuperar a viabilidade econômica e social das mesmas.

Diante do quadro, penso que uma CPI se faz necessária.

 

Edinei Muniz é professor e advogado

 

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