X

Enchentes: o trauma das perdas!

O Acre vive novamente as agruras duma nova enchente que afeta, até aqui, de forma violenta e calamitosa a cidade de Cruzeiro do Sul e outros municípios menores na região do Juruá.

Face ao fenômeno natural, em meio tantas opiniões, ouso pousar o meu olhar conceitual e reflexivo sobre o infurtúnio das famílias, independente do nível social, destas pequena e pobres cidades afetadas por essa grande alagação: angústia, aflição, amargura e, quem sabe, desgraça, devem ocorrer, a medida em que a inundação aumenta. A dor, presumimos, é grande!

Penso que o problema do sofrimento humano é assunto, antes de qualquer ciência, da filosofia. Pois, como dizia o filósofo cearense Raimundo de FARIAS BRITO (1862-1917) “Vivemos dolorosamente (angústia e sofrimento) e temos de morrer: eis aí a verdade suprema!” Assim, filosoficamente, sofremos quando nos é ou são tirados os prazeres, sejam os naturais e necessários, comer, beber água, dormir, etc.; sejam os naturais não necessários com suas variações supérfluas; sejam os naturais e vãos, como as riquezas e o poder.

Quando estamos acostumados com algum bem-estar e repentinamente perdemos, principalmente de forma trágica como é o caso dessas famílias que viram anos de trabalho ser arrastados em poucos minutos pela violência das águas em grande volume e velocidade levando tudo e a todos de roldão, trazendo destruição, então sofremos.

Tem ao mesmo tempo a questão afetiva: a casa e o lugar ou qualquer outro bem de consumo; os animais de estimação. Essas perdas nos trazem pequenos e grandes sofrimentos. O sofrimento dessas famílias foi e continua grande, porque viviam o deleite da habitação, num país de muitos desabitados. É, em outras palavras, o trauma das perdas, ocasionado pela privação daquilo que nos traz felicidade, prazer ou alegria: a prisão é a negação da liberdade; a morte é a privação da vida; a fome é a ausência do alimento; a sede é a privação do saciar-se com a água; a escuridão é a privação da luz; o caos é a negação da ordem; a doença no corpo humano é a falta de saúde plena; etc.

Dentre as muitas lições, que essa desgraça pública deixa posso pontuar, além das reflexões acima, duas: a primeira é que a maior força na face terra, ainda é á força de vontade de homens e mulheres de bem. Força que os atingidos pela enchente, vão precisar. Muita coragem mesmo! A segunda é que a cada dia aumenta, nos fortes, nos poderosos e nos espertos sem escrúpulos, a capacidade de manipulação e os meios de escravizar os fracos. Realidade que nos remete a uma urgente necessidade de se estabelecer uma moral capaz, como queria o filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1995) “…de proteger o homem contra o próprio homem.”

Para tanto, não queremos ou não querem as famílias afetadas pelo transbordar dos rios, com suas conseqüências desastrosas, ouvir daqui a poucos dias, quando as águas assentarem, das autoridades, ecoado pelos meios de comunicação, falácias do tipo: O pior já passou. Agora é trabalhar, pois a vida continua! .

Entretanto, mesmo num mundo de homens extremamentes egoístas, se constata que em meio a tanta desgraça, sobeja entre os inditosos grande benevolência. Bondade que contrasta com tão pouca justiça. Provavelmente porque a bondade é resultado dum altruísmo expontaneo, e a justiça depende de raciocínio e julgamento.

Supliquemos aos céus, muita força às famílias desabrigadas!

Francisco Assis dos Santos, Pesquisador bibliográfico em Humanidades. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

A Gazeta do Acre: