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O caráter homicida do Século XXI

Possidônio (140-51 a.C), considerado a mente mais universal que a Grécia possuiu depois de Aristóteles – diz-se, inclusive, que por seus conhecimentos científicos foi visitado por Cícero e Pompeu – do alto de sua sapiência afirmou que “a dor física não é o verdadeiro mal, mas o vício, que é o mal moral.” Conclui-se da assertiva que, mesmo sofrendo na carne toda sorte de agruras terrenas o homem continua com sua inclinação perversa pelas veleidades. É o gosto pela paixão, pela competição; são as “delícias” da ambição, a volúpia de se superar no esforço, a busca pelo poder instituído ou tudo aquilo que põe em relevo a procura e o projeto que nos dá de fato um verdadeiro e real prazer. Tal inclinação “tendência suicida” herdada do século 20, ou seja: a idolatria pela tecnologia; proliferação de armas nucleares; conflitos beligerantes freqüentes; ganância (raiz de todas as guerras) e consumismo exagerado; bem como a paralisia moral do século 21, é que faz com que a nossa civilização, especialmente a ocidental, esteja caminhando para o declínio completo.

Escritores da modernidade, alguns até muito bons, à luz de velhas ideologias corroboram com essa idéia, procuram explicar o caráter homicida do século 20 e o entorpecimento moral do século 21, trazendo de volta teorias antigas, como esta de Possidônio, já completamente esquecidas pela maioria dos intelectuais da contemporaneidade. O indicativo, desses pensadores – remanescentes do que já existiu de mais puro no cogito mundial – de que o século 21 é marcado pelo entorpecimento moral, se bem avaliado, é duma urgente atualidade.

Abro parêntese para dizer que este artigo, de frases feitas, não é uma apologia à moralidade, no entanto, os mais antigos sabem que um punhado de vida decente vale um barril de aprendizado, já dizia um aforismo inglês, também dos tempos antigos. Mesmo porque o mundo de hoje, por tudo que sabemos dele, assemelha-se a um córrego de água fétida. A propósito, conta-se que estando Diógenes (413-327) ao lado de uma “água de banho imunda” ouviram-no exclamar: “Onde deverão lavar-se os que se lavam aqui?”

Afinal, todos sabem, os problemas que nos afligem são antes de qualquer coisa ou causa, de caráter moral. Essa moral distingue-se dos moralismos pelo seu objetivo de vida, de desenvolvimento das liberdades regradas, mas também, por sua vontade de consolidar um tecido social que, sem ela, é defeituoso.

Deste modo, além de agoniados pelas doenças tropicais (dengues, etc.), estamos desgraçadamente doentes da alma; pois que tipo de doença, a não ser a deformação de caráter, faz com que muitos homens, de diferentes segmentos sociais, em diferentes lugares deste planeta terra enveredem pelo caminho da criminalidade, que vai da prática abusiva da pedofilia, como é o caso de alguns aqui em Rio Branco e em Senador Guiomar, presos nesta semana, desgraçando de forma miserável a vida de milhares de criança. A desfaçatez e o despudor desses doentes mentais é duma tal grandeza a ponto de se organizarem mundialmente em rede criminosa, para intentar contra nossos infantis. Penso que, antes de qualquer anomalia cerebral, a doença de qualquer pedófilo, seja ele quem for, é deformação de caráter.

Se assim não for, como explicar por que tantos se entregam a essas coisas? Qual é a motivação mais profunda? Que sentimento ignominioso é esse? Estas perguntas nos remetem, inexoravelmente, para uma simples resposta: O homem vive, atualmente, um entorpecimento moral que o leva ao mal da corrupção e a perversidade extremada.

Afinal, existe cura para essa mazela?

De minha parte, estou crédulo que o homem precisa aceitar suas falhas de caráter como causa dos seus desvios comportamentais e, esmeradamente, buscar fortalecer a consciência: Mas onde encontrar subsídios para fortalecer a consciência? Antigamente a consciência, ou o superego freudiano, encontrava forças: na escola; na família e na igreja. Hoje, francamente, não sei!

Francisco Assis dos Santos, Pesquisador Bibliográfico em Humanidades. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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