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Estradas na fronteira: alternativas mais sustentáveis

A Estrada do Pacífico ou Interoceânica é uma estrada binacional que liga o Acre ao litoral sul do Peru. Essa estrada facilitou o abastecimento de alimentos e de milhões de litros de combustíveis para o Acre durante o isolamento em 2014, causado pela inundação do Rio Madeira na BR-364 em Rondônia. A existência dessa estrada, com certeza, evitou que o racionamento desses itens fosse pior, entretanto, novas escolhas de transporte para a Amazônia merecem a atenção quando discutimos o desenvolvimento desta região.

Um exemplo atual da tensão entre transporte e desenvolvimento sustentável é a situação de Puerto Esperanza, uma pequena cidade peruana de menos de cinco mil habitantes na margem do rio Purus, localizada a cerca de 100 km de barco a montante da cidade acreana de Santa Rosa do Purus. Puerto Esperanza tem somente conexão aérea com o resto do Peru e o alto custo de vida e o isolamento têm produzido iniciativas que visam a construção de uma rodovia entre a cidade peruana de Iñapari e Puerto Esperanza.

Em agosto de 2016 o Congresso do Peru lançou o Projeto de Lei (PL) no. 75 demonstrando o interesse nacional nesta estrada. Essa rodovia se estenderia por 270 km no lado peruano, cortando o Parque Nacional de Alto Purus e reservas indígenas, inclusive contendo etnias em isolamento voluntário, levantando questões sobre direitos humanos e a resiliência socioambiental da região. O custo de manutenção da estrada seria extremamente alto para a pequena população de Puerto Esperanza, considerando as chuvas intensas e o grande número de rios e igarapés atravessados pela rodovia.

Além disso, essa estrada seguiria ao lado da fronteira com o Brasil, criando um fácil acesso ao Parque Estadual Chandless e áreas indígenas do Acre, potencializando invasões de madeireiros peruanos e a expansão do tráfico de drogas. A Polícia Federal e o Exército Brasileiro teriam mais 270 km de fronteira para controlar.

Levando em consideração esses possíveis impactos, tensões e custos da rodovia, o congresso peruano decidiu modificar o PL no. 75 em março de 2017, mudando a ênfase do transporte rodoviário ao incluir como prioridade o desenvolvimento sustentável de Puerto Esperanza e da Província de Purus. A modificação do projeto de lei peruano propõe usar o transporte multi-modal na região, utilizando caminhão e barco, conectando fornecedores de materiais de construção e outros insumos para Puerto Esperanza via Brasil.

No caso do transporte oriundo do Peru, o transporte passaria de caminhão de Inãpari via BR-317 e BR-364 até Manoel Urbano (550 km) e de lá transporte via barco levando materiais pelo rio Purus a Santa Rosa do Purus (360 km) e até Puerto Esperanza (100 km). Comparado a uma possivel estrada Iñapari-Puerto Esperanza, o transporte multimodal é inegavelmente mais sustentável, a logística criada por esse tipo de transporte poderia favorecer, inclusive, consumidores em Santa Rosa do Purus, outro município isolado no Acre.

A partir da atitude do congresso peruano, o governo brasileiro, com certeza, analisará cuidadosamente as melhores opções para desenvolver as fronteiras da Amazônia. Nós, enquanto professores, pesquisadores e sociedade civil queremos um desenvolvimento que aponte para mudanças significativas nos atuais paradigmas que envolvem as fronteiras da Amazônia e escolhas efetivamente sustentáveis.

As fronteiras do Acre com o Peru e a Bolívia não somente revelam a difícil condição pós-colonial desses países, mas revelam principalmente um esforço regional contra as tendências de intensificação dessa condição, buscando a inclusão e a participação democrática da opinião pública frente ao futuro que queremos construir para a Amazônia.

Hoje isso se reflete em escolhas que passam pela sensibilização da opinião pública sobre temas relevantes para o desenvolvimento regional e para as relações internacionais dessas fronteiras, incluindo novos diálogos sobre quais serão as escolhas para um futuro efetivamente sustentável.
Sem conhecer a História estamos sujeitos a reproduzir erros do passado, principalmente no desenvolvimento de novas relações, cada vez mais complexas entre países que dividem fronteiras.

Usufruímos dessa história buscando aperfeiçoar e promover um desenvolvimento sustentável para essa região, construindo relações sustentáveis e compartilhando problemas mundiais como, por exemplo, o narcotráfico, umas das principais preocupações e motivo dessas tensões nas fronteiras.

Miguel Gustavo Xavier, professor do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza da Universidade Federal do Acre (CCBN/Ufac) e pesquisador dos Grupos de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ/Ufac), Educação Patrimonial (GEP/Ufac) e Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN/Ufac).

Maria de NazaréCosta de Macêdo
Dsc Ciências Florestais, Pesquisadora Associada do Parque Zoobotânico, Coordenadora do Projeto Nedacre/AC.

Peter Ruiz Paredes, Discente, Engenharia Civil, UFAC.

Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

 

A Gazeta do Acre: