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Os alemães também planejam contrabandear sementes e mudas de seringueiras da Amazônia (Final)

Na segunda parte desse artigo falamos da viagem do explorador alemão Ernst Ule ao alto rio Juruá, em território acreano. No Acre ele permaneceu por quase seis meses, a maior parte do tempo no rio Juruá-Mirim. Nesse tempo ele fez centenas de coleções botânicas não apenas das seringueiras, mas de outras plantas usadas pelos seringueiros para a produção de borracha. Também colheu muitas informações sobre os diferentes tipos de seringueiras e a forma como os extrativistas trabalhavam a coleta do látex e a produção da borracha.

Embora não fique claro em sua biografia (por motivos óbvios) se ele colheu sementes e mudas de seringueiras, é quase certo que ele não tenha conseguido as sementes no alto Juruá porque no período em que esteve no Acre (março a outubro) não seria possível obter as mesmas, que só estão disponíveis entre dezembro e fevereiro.

Depois de retornar a Manaus, ele permaneceu naquela cidade entre novembro de 1901 e o final de fevereiro de 1902, quando partiu em busca de amostras e informações de plantas produtoras de borracha no rio Madeira, tendo alcançado a localidade de Santa Maria do Marmelo, a cerca de 60 quilômetros rio abaixo da atual cidade de Humaitá-AM. A viagem ao rio Madeira não foi muito produtiva para as explorações de Ernst Ule em razão das dificuldades que enfrentou para subir os rios Marmelos e seu afluente, rio Branco, ambos com muitas cachoeiras e esparsa população indígena que não explorava a borracha.Ule permaneceu explorando as florestas ao longo do rio Madeira até 8 de maio, quando retornou a Manaus.

Depois de enviar as amostras botânicas colhidas para a Alemanha,no início de julho de 1902 ele partiu rumo ao Peru subindo o rio Solimões. Essa viagem, entretanto, não fazia mais parte do acordo que tinha com os financiadores alemães interessados na seringueira. Nesta viagem Ule visitou e colheu amostras de plantas no entorno de Letícia, na Colômbia, e depois de 15 dias em terras colombianas, partiu para o Peru onde ficou cerca de nove meses (até meados de abril de 1903), quando retornou a Manaus. Na sua extensa jornada no Peru ele explorou as florestas de Iquitos, subiu o rio Huallaga até a localidade de Yurimaguas e de lá cumpriu em canoa e a pé um extenso e penoso caminho nas montanhas até chegar à cidade peruana de Tarapoto.

Em 15 de maio de 1903 Ernst Ule, levando na bagagem as amostras colhidas durante sua expedição à Colômbia e Peru, partiu de volta para a Alemanha, aonde chegou no dia 23 de junho. Suas expedições amazônicas foram proveitosas em vários sentidos. Além das informações sobre a seringueira, o explorador alemão conheceu áreas da Amazônia, incluindo a zona de transição com os Andes, desconhecidas para a ciência.

Na Alemanha, Ule ficou baseado no Museu Botânico de Berlim entre 1903 e 1905dedicado a estudar e publicar os seus achados. Conforme previsto deu prioridade à publicação das informações relativas à seringueira e a borracha na Amazônia. Em 1905 ele publicou uma série de trabalhos com os resultados dos estudos sobre a seringueira e a borracha: “As plantas produtoras de borracha da Amazônia e sua importância para a geografia das plantas”, “Extração e comércio de borracha na Amazônia” (livro com 71 páginas), “Extração de borracha no Brasil”, e “Extração de borracha na Amazônia”. Alguns desses trabalhos eram ilustrados com fotografias, coisa rara para os livros do período em razão do alto custo. Das amostras de plantas colhidas por Ule, foram descritas várias espécies novas de seringueira, de seringarana (nome indígena indicando que a árvore em questão é uma falsa seringueira) e o caucho, cujo nome científico Castilloa ulei é uma homenagem a ele.

Em julho de 1906 ele foi mandado à Bahia para estimar a produtividade da borracha oriunda de plantios de espécies de plantas parentes da mandioca (pertencentes ao gênero botânico Manihot), conhecidas localmente na Bahia como maniçoba. A maniçoba bahiana (Manihot dichotoma) produzia a borracha conhecida como “borracha de Jequié”. Ele também visitou o Piauí para conhecer a “borracha do Piauí”, (Manihot heptaphyilla). Após avaliar os plantios, Ule chegou à conclusão de que o rendimento a ser obtido pela exploração das mesmas seria de 1% do esperado pelos investidores.

Explorações no Acre em busca de Seringueira
Tendo se tornado um expert em seringueira, Ernst Ule foi contratado pela associação comercial de Manaus para avaliar o potencial de produção de borracha das florestas ao longo do rio Acre. Ele partiu de Manaus em 23 de dezembro de 1910, chegando à cidade de Boca do Acre no dia 7 de janeiro de 1911. Sua permanência no Acre durou 10 meses e os lugares mais importantes visitados pelo explorador alemão ao longo do rio Acre foram Porto Acre, Seringal Empresa (Rio Branco), a cidade de Xapuri, Cobija, e os seringais Buenos Aires, Volta Alegre, Nova York e o ponto mais distante, Seringal Paraguassú, já na divisa Brasil-Peru. Neste último seringal ele permaneceu entre fevereiro e outubro de 1911. Seu retorno a Manaus aconteceu em 17 de março de 1912, depois de um ano e dois meses de viagem.

No que concerne ao uso pelos alemães das valiosas informações colhidas por Ernst Ule sobre a exploração e a produção de borracha da Amazônia brasileira, pouco foi aproveitado. De concreto, os alemães investiram no cultivo experimental de espécies de Manihot (maniçoba) e não de Hevea (seringueira) em suas colônias do leste da África e fracassaram porque a espécie mais promissora, a borracha do Ceará (nome científico Manihot glaziovii) não foi a selecionada para os cultivos que fizeram.

A Gazeta do Acre: