O artigo de hoje é motivado pelo equívoco que tenho observado, em solenidades, no que diz respeito às Formas de Tratamento. Virou ‘espécie de febre’, por ocasião de eventos públicos, culturais, sociais, ouvir alguém dirigir-se a seleta plateia, dizendo: boa noite a todos e a todas. Pergunto-me de onde veio essa invenção?! A gramática da Língua Portuguesa não reconhece essas formas como pronomes de tratamento e sim como pronomes indefinidos. Logo, não devem ser utilizados nessas ocasiões. O emprego dos pronomes de tratamento obedece a secular tradição. São de uso consagrado. Então, porque atropelar o uso consagrado, abandonar a tradição e macular a norma gramatical?
É importante compreender que os pronomes de tratamento são palavras que exprimem o distanciamento e a subordinação em que uma pessoa se põe em relação à outra, a fim de ensejar o bom relacionamento, respeitar as posições que elas ocupam dentro da sociedade, por titulação ou por força de um cargo. Embora não se devam abusar dessas formas, também não se devem desprezá-las. Ao invés de dizer: ‘Boa noite a todos e a todas’, diga-se: Boa noite, Senhores e Senhoras.
O Dicionário Aurélio define os pronomes de tratamento como “palavra ou locução que funciona tal como os pronomes pessoais”. Os gramáticos, por sua vez, ensinam que esses pronomes são da terceira pessoa, substituindo o “tu” da segundo pessoa. Então, isso não é difícil de entender. A base desses pronomes são certos qualificativos como: Excelentíssimo, Reverendo, Magnífico, Eminente, etc. As formas pronominais diretas e indiretas, respectivas a esses exemplos, são: Vossa Excelência, Sua Excelência, Vossa Reverendíssima, Sua Reverendíssima, Vossa Magnificência, Sua Magnificência, e Vossa Eminência, Sua Eminência. Usando-as, não se fala diretamente com a pessoa, mas, estando em sua presença, dirige-se a ela representada por aquilo que tem de notável: uma qualidade que é tomada pelo substantivo (ou nome) respectivo.
Quando a pessoa diz “Vossa Excelência”, está a dizer que, além de reconhecer na pessoa a sua excelência moral, também reconhece a grandeza da sua virtude. O verbo fica na terceira pessoa do singular porque a concordância é feita com a qualidade “excelência” e não com o pronome possessivo “Vossa”. Mas é importante lembrar que, por hábito, “seu” e “sua” são empregados, naturalmente, em lugar de “teu” e “tua”, e “vosso” e “vossa”, em muitas regiões do Brasil. Resulta disso certa tendência ao emprego incorreto da fórmula mais suave de tratamento direto “Sua Excelência”, em lugar de “Vossa Excelência”, como em “Sua Excelência me permite?”
Nos cerimoniais, nos círculos da diplomacia, do clero, da burocracia governamental, do judiciário, etc., ainda existe o emprego codificado, de nobreza e distinção no tratamento, pois são obrigatórios por Lei o uso de pronomes de tratamento laudatório, hierarquizados pela importância oficialmente atribuída a cada cargo (Maior importância: Excelentíssimo Senhor; menor importância, Ilustríssimo Senhor, etc.).
O emprego de “Senhor” “Senhora” são expressões do distanciamento e da subordinação em que uma pessoa, voluntariamente, se põe em relação à outra, a fim de ensejar um relacionamento educado, cortês. O principal pronome de tratamento, consagrado, universalmente, e o único que as pessoas comuns devem usar como necessária manifestação de respeito — não importa a quem estejam se dirigindo — é “Senhor”/”Senhora”. Esse tratamento guarda a tradição vernacular, além de demonstrar respeito, propriedade no modo de tratar, simplicidade na linguagem. E simplicidade não significa invenção, como vem acontecendo. Assim, é hora de parar com esse mal uso de “boa noite a todos e a todas”.
Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Presidente da Academia Acreana de Letras, Luísa Galvão Lessa Karlberg lessaluisa@yahoo.com.br