No meio da semana o Ministério Público do Acre (MP/AC) anunciou que o secretário de Estado de Polícia Civil, delegado Carlos Flávio Portela, acatou uma recomendação expedida pela promotora de Justiça da 13ª Promotoria de Justiça Criminal, Dulce Helena, em relação à ampliação do atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), para receber mulheres transexuais e travestis vítimas de violência doméstica e familiar. Contudo, a medida não é novidade, pelo menos em Rio Branco.
De acordo com a coordenadora interina da Deam, delegada Kelcinaira Firmino de Mesquita o atendimento já é feito pela equipe. “No ano passado tivemos um caso que repercutiu bastante e ela (travesti) foi atendida pela Delegacia da Mulher. Em 2016 a gente já fazia esse atendimento”, ressalta.
Kelcinaira explica que o levantamento para identificar outros casos semelhantes não foi realizado ainda, mas garante que a medida não é novidade para a Deam e que toda a equipe está muito bem preparada para receber as vítimas de violência doméstica. “A recomendação só acrescenta. Estamos preparados. Tanto que esse caso de 2016 foi atendido por aqui. Acredito que todos estão preparados”.
A coordenadora interina da Deam garante que o procedimento realizado é o mesmo com todas as mulheres. “Primeiro registra o Boletim de Ocorrência. A pessoa será encaminhada ao delegado. Se ela se interessar pelas medidas de proteção, as medidas serão encaminhadas para a Vara. Ou seja, é um procedimento igual, com provas. Se houver lesão corporal será encaminhada para fazer exame. Se houver ameaças, é preciso testemunhas que comprovem”, detalha.
Kelcinaira recorda que no caso de 2016, onde a Deam atendeu uma travesti, foi visto a fragilidade da vítima. “A gente sabe que travestis e transexuais sofrem bastante preconceito. A delegacia abriu as portas para esses casos vendo esse sentido, de que elas sofrem muito preconceito”.
A delegada acredita que o número de transexuais e travestis atendidas na Deam só não é maior hoje, porque não havia por expresso que elas poderiam recorrer àquela delegacia. “Sei de muitos casos que elas procuraram as regionais”.
A delegada acredita que com a divulgação da recomendação do MP/AC, as mulheres transexuais e travestis se sentirão mais à vontade para procurar ajuda no local, por se tratar em uma delegacia especializada. “A Deam está de portas abertas. Se elas sofrerem algum tipo de crime e forem agredidas pelo companheiro, que venham à Delegacia da Mulher”.
Em caso de violência doméstica ou familiar, não deixe de denunciar por meio dos telefones 180, 190 e 3221-4799.
“É uma conquista para elas”, comemora a procuradora de Justiça Patrícia Rêgo
A procuradora de Justiça e coordenadora do Centro de Atendimento à Vítima (CAV), Patrícia Rêgo, comemora a recomendação expedida pela 13ª Promotoria de Justiça Criminal, que amplia o atendimento na Delegacia Especia-lizada de Atendimento à Mulher (Deam) para receber mulheres transexuais e travestis em situação de violência doméstica e familiar.
“Estivemos com o secretário Carlos Flávio, o Centro de Apoio Operacional Criminal e a 13ª Promotoria. Fizemos uma recomendação para que a Deam, aqui em Rio Branco, que atende os casos de violência doméstica contra a mulher passe a atender, receber, a processar e a investigar os casos envolvendo mulheres trans e travestis. Ele acatou de pronto. No interior, onde não tem delegacia especializada, será recomendado que elas sejam atendidas e que esses casos sejam tratados no âmbito da lei”, declara.
Patrícia Rêgo afirma que essa é uma conquista das mulheres transexuais e travestis e que o tratamento a elas nas delegacias especializadas deve ser igualitário.
“Essa é uma questão polêmica, que divide os operadores do Direito. Têm operador do Direito que entende que não se aplica. Mas é uma conquista para elas, que muitas vezes são violentadas, são abusadas, sofrem violência física, psicológica pelo companheiro, e quando chegam à delegacia não são recebidas e não podem ter em favor de si as medidas protetivas. Então era um tratamento que não era isonômico, era desigual. Isso é estar reconhecendo um direito que é delas e garantir um direito que é fundamental”, finaliza.
Sistema permite utilização do nome social e relaciona crimes caracterizados como de homofobia
O secretário-adjunto de Segurança Pública, Vanderlei Thomas, anunciou outra medida que visa garantir maior atendimento ao público de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). Trata-se da instituição de um sistema novo dentro do atual sistema público de registro de ocorrências, chamado Sisnepe. Nesse novo modelo há o reconhecimento do nome social e dos crimes relacionados à questão da homofobia.
Durante o anúncio da novidade, o secretário-adjunto foi aplaudido. “Essa é mais uma ação significativa. Mas quebrar paradigmas não é fácil. Então, a Secretaria de Segurança Pública está à disposição da defesa de direito de gênero, das mulheres e do grupo LGBT”, confirmou Thomas, que representou o secretário Emylson Farias.
Vanderlei Thomas também comentou que a medida visa ampliar o atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), para receber mulheres transexuais e travestis em situação de violência doméstica e familiar. Isso é um reconhecimento histórico da Segurança Pública da constatação da diversidade que precisa existir dentro das instituições.
“É uma medida significativa já que as instituições de segurança estão tentando progredir nessa área de discussão. A questão da institucionalização dos Direitos Humanos é muito recente. Assim como o reconhecimento dos direitos, em especial, dos grupos vulneráveis, como o das mulheres e do grupo LGBT”, falou o secretário-adjunto.
“Nós, enquanto instituições policiais, precisamos avançar muito nesse sentido. Essa medida é o reconhecimento de uma dívida histórica com o movimento”, concluiu.
Após sofrer violência doméstica, transexual buscou a Deam e magistrado estendeu a garantia da Lei Maria da Penha
A decisão repercutiu na-cionalmente. O juiz Danniel Gustavo Bomfim A. de Silva, do Tribunal de Justiça do Acre (TJ/AC), decidiu em 2016 estender a garantia da Lei Maria da Penha à transexual Bhrunna Rubby Rodrigues, agredida pelo ex-namorado.
A história começou quando Rubby, denunciou na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Inclusive, com fotos, ela mostrou ter sido agredida a pauladas, dentro de casa, pelo então namorado. O caso ocorreu em julho de 2016.
“Faltou a qualidade no atendimento que tive, além da burocracia. Eu tinha passado por uma violência, mas ela foi tratada como agressão, uma coisa comum. A Lei Maria da Penha, aplicada no meu caso, foi uma vitória, já que a lei ampara com a criminalização”, comentou Rubby.
Até hoje, ela está sob as medidas protetivas. “Elas foram boas e me ajudaram a afastar a pessoa que me agrediu. Apesar de ter sido um sofrimento, que não gosto de lembrar. Esta aqui é uma grande vitória e emoção. Não é só por eu ser transexual, mas pelas outras meninas que não têm amparo ou não tinham onde recorrer”, falou Rubby.
A decisão judicial determina que o ex-namorado da transexual, que trabalha como microempreendedora, se mantenha a uma distância mínima de 200 metros dela, além de não poder entrar em contato com a vítima, a família dela e testemunhas do crime. Em caso de descumprimento, ele pode ter a prisão decretada.
O magistrado, devido à decisão, recebeu o prêmio I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com a Secretara Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça (SDH).
Na ocasião, o magistrado falou que o prêmio tem um imenso valor para o que representa a classe na garantia dos direitos humanos.
“O nosso papel é garantir a igualdade e a dignidade das pessoas. O Judiciário tem compromisso com a pacificação social e temos obrigação de tomar decisões, ainda que impopulares, mas necessárias para a inclusão das minorias e o reconhecimento das diferenças. Esse é o papel contra majoritário do Poder Judiciário, que tem como lei maior uma Constituição humanitária e que deve ser aplicada pelos juízes. A vocação da Justiça é estender a mão a quem precisa”, destacou.
“Medida é um grande passo e de maior importância”, aponta o presidente do Fórum LGBT/AC, Germano Marino
A determinação referente a ampliação do atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), para receber mulheres transexuais e travestis em situação de violência doméstica e familiar, na avaliação do presidente do Fórum LGBT/AC, Germano Marino, é um grande passo e de maior importância.
“O que está acontecendo no Acre é um marco no Brasil que abre portas de acesso, inclusão e cidadania para transexuais e travestis”, comentou Germano.
Em um vídeo postado em sua rede social, Germano detalha a importância da determinação e fala que ainda existe muito preconceito sobre o assunto.
“Para não revitimização da pessoa que já foi lesionada ou discriminada. Isso é ganho importante. Não vale a pena ficar discutindo com a intolerância. Nosso trabalho é fazer um trabalho de sensibilização a curto, médio e a longo prazo das pes-soas entenderem o que seja identidade de gênero feminino. Ainda existe muita ignorância sobre o assunto”.
Em outro momento do vídeo, ele diz que a medida do MP/AC é para garantir o estado laico. “Um estado normatizado pela Constituição Federal em que todo são iguais perante a lei. Temos direitos iguais. Os transexuais têm os mesmos direitos que as outras pessoas de ter o melhor tratamento no serviço público. Seja ele na educação, saúde ou na segurança pública. Lutamos pelo direito de conviver em paz em uma sociedade livre de qualquer preconceito”, esclareceu.
A medida vale para Rio Branco e Cruzeiro do Sul, que possuem delegacias especializadas. Já nos outros municípios o atendimento deve ser realizado em delegacias comuns, mas todos os direitos dessas pessoas vão ser respeitados e atendidos da mesma forma.
Seminário sobre Diversidade de Gênero e a Lei Maria da Penha
Durante o Seminário sobre Diversidade de Gênero e a Lei Maria da Penha ocorreu na última sexta-feira, 31, no auditório do Ministério Público, o procurador-geral de Justiça Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, falou sobre a importância do evento e do trabalho do MP/AC para garantir o respeito aos direitos do cidadão.
“Nós vivemos num mundo tão intolerante, discriminatório, cheio de desamor, sem esperança, com muita falta de fé. Hoje nós estamos promovendo a diversidade e o respeito à dignidade da pessoa humana, o respeito à honra e às diferenças”, acrescentou.