Nos últimos dias participei de duas reuniões que deram um raio-X da situação regional em termos de preparação das sociedades regionais para enfrentar eventos extremos climáticos. A conclusão destas duas reuniões está no título, porém como cheguei a esta conclusão vem abaixo.
No dia 18 de maio, a Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais (CEGdRA) do Acre que teoricamente involve mais de 40 instituições de três câmaras técnicas (desmatamento, queimadas e secas severas; inundações; e produtos químicos perigosos), fez uma reunião em preparação para a seca deste ano. Poucos dias depois, no dia 24 de maio, um grupo trinacional de técnicos de defesa civil e outros interessados, chamado miniMAP Gestão de Risco e Defesa Civil, se reuniu em Cobija – Pando para discutir lições aprendidas de eventos extremos recentes.
Como muitos se lembram, a história desta região em termos de eventos extremos climáticos mudou depois da seca de 2005 quando cerca de 500.000 ha de florestas foram afetadas por incêndios florestais na região Madre de Dios – Acre- Pando ou MAP. A partir deste evento iniciaram-se, em 2006, reuniões esporádicas de um miniMAP de Defesa Civil. Em 2008 a CEGdRA foi criada pelo Governo do Acre.
Depois da “seca-do-século” em 2005, tivemos uma seca em 2010, pior em termos de região afetada na Amazônia, porém o impacto no Acre foi um pouco menor, somente 120.000 ha de florestas queimaram comparado a 350.000 ha em 2005, segundo a Professora Sonaira Silva da UFAC. A seca se iniciou mais grave do que a em 2005, mas ocorreram chuvas que amenizaram um pouco a situação no fim de agosto.
A seca do ano passado, 2016, começou mais forte do que as outras e o Rio Acre em Rio Branco alcançou o mais baixo nivel em 40 anos, 1,3 metros. Novamente chuvas em meados de agosto reduziram o risco da seca de 2016.
A situação com inundações também mudou nos últimos 12 anos. A seca de 2005 foi seguida por uma inundação forte em 2006, em Rio Branco. A partir de 2009, ocorreram inundações acima do liminar de 14 metros a cada ano até 2015. As inundações de 2012 e 2015 foram extremamente fortes, alcançando 17,6 e 18,4 m de altura, respectivamente.
Parece que estamos em uma “nova normal climatológica” onde extremos estão ficando corriqueiros. Os dados dos últimos três anos são ilustrativos disso. Em 2014, o Rio Madeira inundou a BR-364 e reduziu drasticamente o transporte do sul do pais ao Acre. Por causa disto, cerca de 800 milhões de reais não circularam no Acre durante dois meses.
Em 2015, a inundação do Rio Acre alcançou um recorde em Rio Branco, gerando danos estimados entre 200 e 600 milhões de reais, segundo a pesquisadora Dorien Dolman, sem falar dos estragos que fez em Iñapari, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri e Porto Acre.
A seca de 2016 quase levou a colapso o abastecimento de água em Rio Branco. Teria sido um alivio ter o ano 2017 sem ter recordes extremos, mas a inundação de Cruzeiro do Sul deste ano já foi a mais alta no registro histórico daquela cidade.
Infelizmente, o melhor da ciência indica que esta tendência de eventos climáticos mais extremos vai continuar no mundo inteiro. Frente a esta história local e previsão, se espera que a sociedade humana em geral, e a sociedade nesta parte da Amazônia, em particular, deva estar se mobilizando para mitigar os perigos para se adaptar a nova normal.
Mas esta esperança não é condizente com comportamento humano. No caso de mudanças climáticas, psicólogo Robert Gifford determinou em um estudo no Canadá quatro motivações que impedem a ação: (1) Negação, ou seja o problema não existe ou a humanidade não pode fazer nada; (2) Dificuldade de mudar hábitos; (3) Metas conflitantes na vida; e (4) A sensação de que já está fazendo o suficiente.
Para Coronel George Santos, coordenador da Defesa Civil Municipal de Rio Branco e membro do Grupo Nacional de Apoio a Desastres (GADE), a defesa civil precisa ser enraizada na sociedade onde cada pessoa reflete sobre três pontos: a percepção do risco, meios de autoproteção para minimizar o risco ou se salvar e um plano para fazer isto. No Japão, por exemplo, a expectativa é de que as pessoas devem guardar água e comida para se sustentar durante três dias, o tempo que pode levar para chegar auxilio ou um resgate. Os japoneses começam este treinamento nas escolas.
Essa atitude de preparação ainda não se enraizou em nossa região e precisa de mudanças culturais. Na reunião do miniMAP sobre lições aprendidas sobre eventos extremos, o moderador Guillermo Rioja lembrou que a autocritica é muito difícil, especialmente para os governos.
Na reunião da CEGdRA em Rio Branco, poucas instituições apresentaram seus planos de ação para o caso de termos uma seca severa, apesar das experiências das secas severas de 2005, 2010 e 2016. Mesmo para as que tenham planos, será que eles foram testados num simulado da seca de 2005? Os planos dariam para reduzir pela metade a área de florestas queimadas no Acre naquele ano, de 350.000 ha para 175.000 ha ou evitar completamente os incêndios?
E a seca do ano passado sem a chuva em agosto teria secado o Rio Acre abaixo de 1,2 metros, o limite colocado para o sistema de abastecimento entrar em colapso. Estamos prontos com alternativas para abastecer centenas de milhares de pessoas em Rio Branco com água potável, se isto acontecer este ano?
É facil colocar a responsibilidade nos outros, mas não podemos esquecer de que a defesa civil e a preparação para eventos extremos é tarefa de todos! Eu, como pesquisador e professor de pós graduação, devo fazer melhor o meu papel de ajudar a sociedade a se preparar para estes eventos. Politicos, professores, técnicos, empresários e trabalhadores devem estar se questionando como podem contribuir melhor nesta tarefa.
Se você não assume a reponsabilidade de agir para mudar o cenário atual, as desculpas poderiam ser (usando os resultados do Gifford): (1) não é um problema sério; (2) não dá para mudar hábitos; (3) temos outras prioridades; ou (4) já pagamos impostos para outros fazerem a preparação. Se optar de não fazer nada, escolha a desculpa e lembre-se dela quando sofrermos os impactos evitáveis do próximo desastre.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).