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Alta incidência de leishmaniose tegumentar em Xapuri

Um estudo publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (vol.59, abril de 2017), trás à luz dados preocupantes sobre a alta incidência de leishmaniose tegumentar americana (popularmente conhecida como ‘ferida braba’) no município de Xapuri. Capitaneado pela pesquisadora da USP Andreia Fernandes Brilhante e tendo como coautores os professores da UFAC Leonardo Augusto Kohara Melchior e Cristiane de Oliveira Cardoso, a publicação revela que o risco relativo de adquirir leishmaniose tegumentar em Xapuri é 4,6 vezes maior do que em outras áreas do Acre, 13,5 vezes maior que o da região amazônica como um todo, e 77,5 vezes o do Brasil.

A leishmaniose tegumentar é uma doença infecciosa não contagiosa causada por protozoários do gênero Leishmania transmitida ao homem por insetos vetores ou transmissores conhecidos como flebotomíneos. Ela causa lesões na pele, geralmente em forma de ulcerações, mas em casos mais graves ela também pode afetar as mucosas do nariz e da boca.

Essa doença é considerada uma zoonose silvestre e sua transmissão é exacerbada, dentre outros fatores, pela derrubada e exploração das florestas pelo homem. Entretanto, são cada vez mais frequentes casos em áreas urbanas, onde o acúmulo de resíduos orgânicos (lixo) é um importante fator para o aparecimento da doença, pois pode atrair para a proximidade das residências os insetos transmissores.

Não existe vacina contra a leishmaniose que afeta o homem e para combate-la as medidas mais adotadas são o controle dos vetores (insetos) e dos reservatórios (alguns mamíferos silvestres), uso de proteção individual, diagnóstico precoce, tratamento dos doentes e educação em saúde. A medida de proteção mais eficaz, entretanto, ainda é a diminuição do contato entre humanos e insetos transmissores com repelentes, evitando exposição em horários e ambientes onde os insetos possam estar ativos, e utilizando mosquiteiros e telas de proteção em janelas.

A leishmaniose tegumentar é conhecida desde a pré-história e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 1,5 milhões de pessoas são afetadas anualmente pela mesma em todo o planeta. Nas Américas, dados publicados em 2016 pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) indicaram a ocorrência de 51.098 casos de leishmaniose tegumentar (pele e mucosa), equivalente a uma taxa de incidência de 19,76 casos por 100 mil habitantes. No Brasil ocorreram 75% dos casos reportados, seguido pela Colômbia e Peru.

No Brasil a leishmaniose tegumentar está presente em todo o país e entre 2000 a 2013 foi registrada uma média anual de 24.694 casos (13,5 casos por 100 mil habitantes), com uma redução da taxa de ocorrência de 20,3 casos por 100 mil habitantes em 2000, para 9,1 em 2013.

Apesar dessa diminuição em nível nacional, a incidência da doença continua alta em alguns estados. No Acre, segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2001 e 2013 foi observada a mais alta taxa de incidência da doença no país: 12,8 casos por 10 mil habitantes, quase 33% mais elevada que a de Mato Grosso, o 2° estado no ranking, com taxa de 9 casos por 10 mil habitantes.

Dados do DATASUS publicados no artigo dos pesquisadores da UFAC indicam que no âmbito do Acre, entre 2007 e 2013 o município de Xapuri apresentou uma incidência de 81,9 casos por 10 mil habitantes e os casos detectados representaram 14% dos registrados no estado.

A pesquisa revela que dos 932 casos de leishmaniose registrados em Xapuri entre 2008 e 2014, 906 afetaram pessoas nascidas e residentes no município. A maioria dos casos (98%) ocorreu na zona rural, em áreas de seringais nativos, ou seja, as pessoas atingidas viviam próximas ou circundadas pela floresta, onde desenvolviam suas atividades.

O estudo também revela que a doença atinge com mais frequência crianças e adolescentes (jovens com menos de 20 anos) e que o risco é maior naqueles do sexo masculino, refletindo o fato de muitos deles desenvolverem suas atividades laborais na floresta. A forma cutânea da doença é a mais comum em crianças e adolescente e representou 77,7% dos casos registrados, enquanto que adultos são afetados majoritariamente por ulcerações na mucosa, presentes em 22,3% dos casos.

Em relação ao tipo de medicamento utilizado no tratamento da doença, em 99,4% dos casos foi utilizado o antimoniato de meglumina. A duração do tratamento se estendeu por até 511 dias e menos de 3% deles não seguiram as recomendações do Ministério da Saúde. Não foram registradas mortes em decorrência da leishmaniose tegumentar em Xapuri no período da pesquisa e a cura foi reportada em 99,2% dos casos tratados.

Os autores do artigo concluem afirmando que embora a leishmaniose em Xapuri atinja majoritariamente populações isoladas em áreas florestais, as autoridades de saúde locais não devem negligenciar a situação e promover campanhas anuais para informar sobre a doença, a necessidade de seu diagnóstico precoce e a importância de seguir com rigor as recomendações para o seu prolongado tratamento. Essas recomendações decorrem do fato do município depender essencialmente da exploração dos seus recursos florestais (extrativismo) e do turismo ecológico.

Para saber mais:
‘Epidemiological aspects of American cutaneous leishmaniasis (ACL) in an endemic area of forest extractivist culture in western Brazilian Amazonia’, de autoria de Andreia F. Brilhante, Leonardo A. K. Melchior, Vânia L. B. Nunes, Cristiane de O. Cardoso e Eunice A. B. Galati, publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, vol. 59, e12, 2017.
Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar americana. Brasil. Ministério da Saúde. 2ªed. atualizada. 3ª reimpressão. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.

A Gazeta do Acre: