“Temos muito potencial para realizar doações, mas encontramos bastante resistência das famílias”, resumiu a coordenadora da Central de Transplantes do Acre, Regia-ne Ferrari, sobre o trabalho realizado no Acre. Há 11 anos, as ações desenvolvidas pela equipe é a única esperança de muitos acreanos que necessitam de um transplante para viver.
Atualmente, já foram realizados mais de 300 procedimentos. Sendo 22 de fígados, 86 de rins e quase 200 de córneas. A coordenadora ressaltou que o Estado está habilitado para realizar transplante de pâncreas. Só em 2017 foram realizados 18 transplantes.
“Estamos na expectativa de realizar o primeiro transplante de pâncreas da Região Norte no Acre. E temos outras ambições, também, que é avançar nos procedimentos pediátricos. Temos muitos projetos para avançar nessas complexidades”, destacou Regiane.
Ao longo desse período, muitos avanços foram conquistados com o apoio do Governo do Estado. Porém, ainda há muito a fazer, mas, para isso, a central depende de um fator essencial que é a autorização de doação de órgãos por parte dos familiares.
“O consentimento das famílias em doar os órgãos é a nossa principal dificuldade. Temos um índice de recusa. Para tentar mudar esse quadro, levamos informações para a comunidade. Sabemos que o povo acreano é generoso, solidário e que gosta de ajudar o próximo. Por isso, orientamos as pessoas que se declarem doadoras de órgãos. As coisas mais importantes devem ser faladas em vida. E deixar claro isso, porque quando a família não tem dúvidas sobre isso, tudo fica mais fácil”, comentou a coordenadora.
Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), nesse primeiro trimestre de 2017, o Acre ficou em segundo por milhão de população em transplante de fígado no Brasil.
“Isso demonstra que nós temos profissionais capacitados e a sociedade confia no trabalho. São retornos muito positivos que recebemos”, confirmou.
Além de receber as notificações de morte encefálica de todo o Estado e organizar a cadeia de procedimentos até a doação efetiva de um órgão, a Central fiscaliza e coordena as inscrições de receptores, órgãos e hospitais transplantadores, que são inseridos em um software do Ministério da Saúde.
Em Rio Branco, apenas o Hospital das Clinicas (HC) tem habilitação pelo órgão federal para realizar transplantes de rim, fígado, córnea, pâncreas e conjugado de rim-pâncreas, conforme a portaria de n° 220.
Atualmente, 50 pessoas no Acre compõe uma lista de espera por órgãos. No Brasil, esse número chega a mais de 30 mil.
Histórias que marcam
A coordenadora afirma que são muitas as histórias e que cada uma marca a equipe de uma forma especial.
“Recordo de um paciente que fazia hemodiálise e há um ano o irmão faleceu e a família fez a opção de consentir a doação. Mas, o órgão não compatível com ele. Mesmo assim, outra pessoa recebeu o órgão. E o paciente continuou a fazer hemodiálise. Um mês depois, outra pessoa faleceu e ele foi contemplado. Percebemos naquele momento uma resposta a pessoas que fazem o bem”, falou emocionada.
Outra história, que a coordenadora relembrou foi de um senhor que doou as córneas da esposa e um ano depois, o filho foi assassinado e ele também consentiu a doação. “São pessoas que acreditam no programa e no poder de salvar vidas através da doação de órgãos”, destacou.
Quem pode doar
Paciente que, com a morte encefálica diagnosticada, apresenta uma situação de viabilidade para o transplante de órgãos.
Para a doação de órgãos de pessoas falecidas, somente após a confirmação do diagnóstico de morte encefálica. Tipicamente, são pessoas que sofreram um acidente que provocou traumatismo craniano (acidente com carro, moto, quedas etc.) ou sofreram acidente vascular cerebral (derrame) e evoluíram para morte encefálica.
Logística
Quando existe um doador em potencial, vítima de acidente com traumatismo craniano ou derrame cerebral (AVC), com confirmação da morte encefálica e autorização da família para a doação, a função dos órgãos deve ser mantida artificialmente.
Então, a Central de Transplantes inicia os testes de compatibilidade entre o doador e os potenciais receptores, que aguardam em lista de espera. Quando existe mais de um receptor compatível, a decisão sobre quem receberá o órgão passa por critérios previamente estabelecidos como: tempo de espera e urgência do caso.
A Central de Transplantes emite uma lista de potenciais receptores para cada órgão e comunica aos hospitais e às equipes de transplantes responsáveis pelos pacientes.
As equipes de transplantes, junto à Central de Transplantes, adotam as medidas necessárias – meio de transporte, cirurgiões e equipe multidisciplinar – para viabilizar a retirada dos órgãos. Os órgãos são retirados e os transplantes realizados.
Receio das famílias
Diferentemente do que muitos pensam, o corpo do doador depois da retirada dos órgãos não sofre deformações. Depois da retirada, o corpo é recuperado para a mesma aparência.
As investigações realizadas pela Central apontam que a baixa ocorre pelos seguintes fatores, em geral: Falta de informação dos familiares, questões religiosas e medo, por se tratar de um assunto tão complexo em um momento de dor para os familiares.
O primeiro transplante realizado no Acre
O primeiro transplante realizado no Estado, por uma equipe da rede pública de saúde, ocorreu no mesmo ano de criação da Central, em 2006, no Hospital das Clínicas. O procedimento possibilitou que o paciente fosse atendido no Acre, sem necessitar deslocar-se para Tratamento Fora Domicilio (TFD).
Casos de transplantados que ganharam nova vida
É normal, comum até, ter medo da morte e não querer se preocupar com esse assunto ainda em vida. Muito mais cômodo é não pensar a respeito, apesar da inevitabilidade de que, um dia, todo mundo parte. Mas há uma decisão que, se tomada por uma só pessoa durante a vida, pode ajudar a salvar ou, ao menos, melhorar a saúde de outras pessoas: A doação de órgãos e tecidos.
O transplante de órgãos é a única alternativa para muitos pacientes portadores de algumas doenças terminais. O grande problema é que o número de doadores ainda é muito pequeno em relação ao número de pacientes e a maioria das pessoas tem medo de doar seus órgãos, às vezes por desconhecimento do que esse ato pode representar na vida de milhares de pessoas.
O transplante é um procedimento cirúrgico, regulado pela Lei nº 9.434/1997 e Lei nº 10.211/2001, no qual um órgão ou tecido doente é substituído por outro saudável. Para isso, é preciso que haja doadores vivos ou mortos. Qualquer pessoa pode ser doadora, exceto portadores de doenças infecciosas ativas ou de câncer.
A falta de doadores de órgãos está muitas vezes ligada à falta de informações, por exemplo, muitas famílias não realizam a doação por temerem ficar doentes e depois não terem mais um avida normal. Para ser um doador de órgãos, a pessoa deve manifestar seu desejo à família e pessoas mais próximas. Para um transplante de órgãos, só importa a compatibilidade entre o doador e as várias pessoas que esperam por um coração, pulmão ou rim, por exemplo.
Para David Junior, 39 anos, servidor público municipal, afirma que é importante esclarecer a população de um modo geral quanto a doação de órgãos. “Minha tia, Elza Soares, 56 anos, foi diagnosticada em 2014 com paralisia renal crônica e acompanhando toda a situação, no seu tratamento, aqui no Estado na Fundação Hospitalar, me vi na necessidade de ajudá-la. É preciso que as pessoas saibam que você doando um órgão, como por exemplo, um rim, você não vai ficará doente ou deixar de viver, pelo ao contrario, terá uma vida normalmente. A doa-ção de órgãos é um gesto nobre, humano e uma demonstração de compromisso com a vida. Espero que aumente o número de doadores em nosso Estado e que, de alguma forma, possamos contribuir para que muitas vidas possam renascer”, enfatizou.
Ano passado, foram realizadas no Brasil 23.666 cirurgias de transplante de órgãos, sendo 95% dos procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em mais da metade das operações (58%), 13.793 pacientes receberam novos órgão saudáveis. Os transplantes de rim estão em segundo lugar: foram 5.409 cirurgias em 2015, o que corresponde a 23% de todos os procedimentos.
Apesar do grande volume de cirurgias realizadas, a quantidade de pessoas à espera de um novo órgão ainda é grande. Ao todo, 41.236 pacientes estão cadastrados na lista SUS. O rim é o órgão mais demandado: 25.077 esperam por um transplante renal. Em seguida, vêm as córneas (12.686) e o fígado (2.193).
A empresária Chirley Derze Moraes, 35 anos, enfatiza que a falta de informação e de orientação por parte das pessoas, é a grande causa da doa-ção ser bem inferior. “Meu esposo, Francisco Auricélio Rego, 45 anos, estava em uma fase da doença muito complicada. Ele foi diagnosticado com problemas nos rins em 2012, em uma fase bem complicada da doença e logo começamos o tratamento. Viajamos para Goiânia e lá demos inicio ao tratamento. Só então, com a indicação de um amigo, fomos para São Paulo e procuramos uma medica que é bastante conhecida e eficiente nesses casos da doença. Eu acompanhei todo o processo de exames e optei em doar um dos meus rins para o meu esposo. Em fevereiro de 2014, a cirurgia foi realizada e hoje a saúde dele está maravilhosa”, declarou.
É importante também conscientizar a sociedade de uma maneira geral sobre todas as etapas do procedimento ao doar um órgão. Entre essas etapas, é preciso correr contra o tempo, levantar informações importantes sobre o histórico do doador e do pa-ciente e, a etapa mais delicada, contar com a solidariedade de uma família que passa por um momento de dor.
Mediante as diversas informações, a equipe médica realiza um questionário com os familiares para detalhar o histórico clínico do paciente. A ideia é investigar se os hábitos do doador teriam levado ao desenvolvimento de possíveis doenças ou infecções que possam ser transmitidas ao receptor.
Doenças crônicas como diabetes, infecções ou mesmo uso de drogas injetáveis podem acabar comprometendo o órgão que seria doado, inviabilizando o transplante. Por isso, a equipe médica verifica o passado clínico do doador. A entrevista é um guia para os médicos, que ainda realizam testes biológicos e físicos que indicam também a possível compatibilidade com os receptores na fila do transplante.
Depois de transplantado, o paciente tem um pós-operatório semelhante ao de outras cirurgias. Mas o sucesso da operação depende de vários fatores, como as condições do órgão e o estado de saúde do paciente. No entanto, ele terá de tomar remédios imunossupressores durante toda a vida para evitar uma possível rejeição do corpo ao novo órgão.