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Psicóloga orienta como proteger a família desse desafio nocivo

A psicóloga Claudia Correia demonstra preocupação com o jogo nocivo e como ele tem afetado crianças e adolescentes

No começo desta semana, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, determinou que a Polícia Federal (PF) investigue o jogo Baleia Azul, que pode estar levando jovens a mutilações corporais e até ao suicídio.
No Acre, foram registrados tentativas de suicídio tendo ligações com o jogo. Pelo menos três mortes suspeitas de estarem relacionadas ao suposto desafio já são investigadas pelas autoridades locais de Belo Horizonte, Pará de Minas (MG), Arcoverde (PE).

Baleia Azul é praticado em comunidades fechadas de redes sociais como Whatsapp e Facebook e instiga os participantes, em maioria adolescentes, a cumprirem 50 tarefas, sendo que a última delas é o suicídio.
O responsável por distribuir os desafios é a figura do curador ou moderador. Entre as provas estão assistir a filmes de terror de madrugada, ficar um dia inteiro em silêncio, subir no alto de um telhado ou edifício, escutar músicas depressivas, mutilar partes do corpo, ficar doente.

A psicóloga Claudia Correia, atuante nas causas relacionadas à saúde mental em Rio Branco, demonstra preocupação com o jogo nocivo e como ele tem afetado crianças e adolescentes. De acordo com ela, o curador acessa os bancos de dados do Serasa, do Cadastro Nacional, com o objetivo de intimidar a vítima menor de idade na rede social mostrando dados pessoais e fazendo ameaças. “Eles confrontam esses jovens mostrando que sabem o nome completo, a escola em que estudam, as médias de notas, os amigos, os pais. Eles ameaçam. Crianças e adolescentes são facilmente impressionáveis”, aponta.

Não é qualquer pessoa que se sujeita a entrar num jogo mortal como o Baleia Azul. Os participantes, em sua maioria, podem sofrer de alguma patologia, até então escondida. “O que eu percebo é que mesmo as vítimas com uma vida material confortável podem estar passando por experiências emocionais muito difíceis. Afinal, nós necessitamos de um ambiente acolhedor, afetuoso, necessitamos de aprovação em nossas ações seja das pessoas que amamos ou dos grupos que convivemos. Pessoas fragilizadas por eventos traumáticos, isoladas emocionalmente, que possuem dificuldade em confiar ou que se sentem cobradas e exigidas em demasia, elas são as mais propensas a desenvolver quadros depressivos que as fazem se tornar vulneráveis a esse tipo de manipulação”, declara Claudia.

Quanto maior o sofrimento vivido pela pessoa, mais sedutora é a proposta de se sentir vivo por meio de desafios, explica a psicóloga. A provocação da ideia de morte é como um jogo.
Claudia pede uma atenção especial aos pais. Ela acredita que uma sequência de erros está passando despercebido e que isso pode causar problemas futuros. “Cada vez mais existe um distanciamento entre pais e filhos. A falta de diálogo é estúpida, uma coisa absurda. Por não dialogarem, os pais não sabem o que seus filhos pensam, o que eles gostam de fazer, o que querem para a vida deles. Eles não conhecem seus próprios filhos. As famílias estão ilhadas dentro da própria casa, cada um em seu quarto. É por isso que eu reafirmo que os pais estão perdendo seus filhos para os quartos. Isso é muito triste”, lamenta.

Os pais trabalham duro para colocar televisão e computador no quarto dos filhos, mas acaba que eles se isolam, afirma a psicóloga. Ela indica ainda que os jovens não possuem mais limites. Neste exato momento podem estar nas redes sociais interagindo com desconhecidos sem qualquer tipo de supervisão. “Pais e filhos não brincam mais, não conversam mais, não contam mais piadas. Essa geração precisa de pais que conversem, que discutam, que orientem, que apoiem, que possam saber o que está acontecendo com eles. É preciso mais atenção”, destaca.

Claudia Correia frisa que é importante as pessoas saberem que o suicídio não é uma escolha. O suicídio é o resultado de doenças mentais como, por exemplo, a depressão, a bipolaridade, a esquizofrenia, doenças essas que contribuem para um estado de desorganização e desconforto emocionais.
“Mais de 90% dos suicídios estão relacionados a um transtorno emocional ou a outra doença mental. O suicídio está fortemente associado também à desesperança, à falta de apoio social e à solidão. O suicídio é resultado de vários problemas”.

Se a pessoa pensa que a morte é a única saída para os problemas e para a angústia que sente, o indicado é buscar imediatamente ajuda. “É importante saber que o desejo de morrer está ligado à inconformidade com a vida atual. Dessa maneira, a pessoa pode manifestar desejo de suicídio usando frases do tipo: “não vale a pena viver a vida”, “eu quero morrer”, “para viver assim eu prefiro estar morta”. Muita gente acha isso frescura, acha que quem quer morrer não avisa. Isso é mito. Avisa sim. E essas frases são avisos que não podemos desconsiderar”, afirma.
A psicóloga atenta para outro dado preocupante. Os estudos realizados nos últimos 20 anos revelam que a ansiedade insuportável é um dos maiores riscos a curto prazo fazendo com que a pessoa deprimida tente tirar a sua própria vida.

“Se você perceber alguém perto de você, seja parente, amigo, qualquer pessoa, que demonstre algum desses sinais, nós temos que procurar ajudar imediatamente. Se agirmos rápido, poderemos salvar uma vida e estaremos mostrando para ele que são importantes. Converse, dialogue, compartilhe dos interesses. Mostre o quanto eles são importantes. Lute com eles. Jamais abandonar, dar as costas ou achar que aquilo é bobagem”.

Em fevereiro, Claudia Correia apresentou o projeto Janeiro Branco à Câmara de Vereadores de Rio Branco, que foi aprovado por unanimidade. O objetivo do projeto é dar atenção especial à saúde mental. “Esse já foi um passo. Os parlamentares perceberem que se trata de algo sério e mostraram esse início de sensibilidade. Mais feliz ainda fiquei quando o prefeito sancionou imediatamente o projeto de lei”, comemora.

Claudia ressalta que vítimas sofrem ameaças dos curadores
Jovens são induzidos a se mutilarem após aceitarem o jogo

Sinais de alerta para buscar ajuda:

– Falar sobre suicídio ou morte em geral;
– Falar sobre ir embora, fazer uma longa viagem ou partir;
– Dizer que já não precisam de determinadas coisas que eram importantes para ela e dar para outra pessoa;
– Manifestar sentimentos de desesperança ou culpabilidade;
– Não ter vontade de sair ou de se relacionar com familiares e amigos;
– Deixar de participar das atividades favoritas;
– Mudanças nos hábitos alimentares ou de sono;
– Manifestação de conduta autodestrutiva como, por exemplo, beber álcool e consumir drogas, mutilação.

É preciso falar sobre o suicídio

Marcio Souza*

Silencioso, na maioria das vezes invisível. Não escolhe classe social, nível de escolaridade, muito menos gênero, cor da pele ou religião. Com essas características, o suicídio atinge cerca de 1 milhão de pessoas por ano no mundo de acordo a Organização Mundial da Saúde (OMS), isto é, a cada 30 segundos uma pessoa comete suicídio em algum lugar do planeta. Quando falamos em tentativas, esse número pode aumentar em até 20 vezes.
De certo, os números apresentado pela OMS são alarmantes, porém, estão longe de serem precisos como destaca Andreia Vilas Boas, coordenadora do Núcleo de Prevenção de Suicídio do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (HUERB).

“Nós sabemos que as estatísticas não são reais, até mesmo a OMS sabe que se trata de um sub registro devido às subnotificações. O número é muito maior. A explicação é que muitas tentativas de suicídio acabam sendo registradas nas unidades de saúde como acidentes e muitos óbitos também, devido à dificuldade em se identificar se houve ou não a intenção de causar a própria morte. Além disso, muitos óbitos registrados nos IMLs como causa indeterminada podem ter sido suicídio”, afirma.

Criado em 2012, o Núcleo de Prevenção do HUERB incluiu novos motivos de entrada no sistema de registro de dados do hospital para facilitar a identificação dos pacientes, como resultado, conseguiu diminuir a lacuna entre números e realidade.
No levantamento de 2015, feito pelo Núcleo, somente na Capital foram registradas 180 tentativas atendidas no HUERB e 32 óbitos relacionados com suicídio segundo dados do IML. Em 2016 foram 141 tentativas e 26 óbitos. Neste ano, foram constatadas 50 tentativas e três óbitos até o momento.

Fatores e grupos de risco

São inúmeros os fatores de risco que levam uma pessoa a tentar o suicídio, dos quais se destacam a depressão, os transtornos mentais e o isolamento social. Bem como o abuso de álcool e outras drogas.
Dentro destes fatores existem os grupos de risco, que vão desde mulheres vítimas de violência doméstica e sexual até os homossexuais, este último substanciado pelo preconceito e a rejeição que sofrem pelos familiares e amigos, principalmente na fase da adolescência. Outros grupos vulneráveis são os militares e os profissionais da área da saúde, pela facilidade de acesso a armas de fogo e medicamentos, respectivamente.

Na tentativa de prevenir o agravo das possíveis situações de risco, as psicólogas do Núcleo lembram das oficinas promovidas durante o Setembro Amarelo*, que têm como objetivo capacitar profissionais das unidades básicas de saúde da Capital, do interior do Estado e que trabalham com a população indígena. “A ideia das oficinas é possibilitar que os funcionários da ponta, lá dos centros de saúde e das unidades básicas, percebam as pessoas em situação de risco e possam oferecer o atendimento adequado, evitando que elas tentem o suicídio”, diz Andreia.

Faixa etária e gênero
As faixas etárias que mais tentam a morte voluntária são: adolescentes e jovens adultos, ou seja, dos 15 aos 30 anos. Além disso, a coordenadora chama atenção para o aumento de casos de tentativas de suicídio em crianças, o que até há alguns anos atrás não era tão comum de ocorrer.
Quando falamos de gênero é possível perceber que existe uma diferença entre mulheres e homens em relação à escolha do método e também em relação à procura por atendimento. Os homens costumam utilizar métodos mais agressivos, o que faz com que o número de óbitos seja maior entre eles. No entanto, o número de tentativas de suicídio em mulheres é muito maior.

“Se fizermos um gráfico para fazer esta comparação vamos concluir que em relação aos óbitos, normalmente, 90% são do sexo masculino e apenas 10% do sexo feminino. Agora, se levarmos em conta as tentativas acontece o inverso, por isso que o nosso atendimento corresponde, em sua maioria, às mulheres”, relata Vilas Boas.

Família e amigos

Tanto a família quanto os amigos são fundamentais no tocante à prevenção, porque são eles os mais próximos e que podem auxiliar na identificação de mudanças de comportamento ou possíveis reincidências. É nesse público que a equipe do Núcleo vem buscando investir para fortalecer ainda mais o seu trabalho de prevenção. “Antes, as pessoas só chegavam até nós quando a tentativa já tinha acontecido. Hoje, com as campanhas e palestras que estamos desenvolvendo, é mais constante o contato por parte dos familiares, dos amigos e até mesmo de vizinhos e colegas de trabalho”, acrescenta Andreia.

Outro ponto definido como prioridade pelo Núcleo é com relação aos familiares daqueles que cometem o suicídio. De acordo com as profissionais do Núcleo, eles são extremamente afetados e passam a fazer parte de um grupo de risco, porque além da perda repentina do ente querido, surgem também vários questionamentos e, muitas vezes, pode aflorar um sentimento de culpa por não ter percebido a tempo que aquele familiar precisava de ajuda.
É neste contexto que entram as políticas públicas do Estado na área em questão, pois se torna cada vez mais necessário o desenvolvimento de estratégias e ações de prevenção de suicídio no Acre, bem como a contratação de mais psicólogos e psiquiatras para suprir esta demanda.

O papel da imprensa

Geralmente, a palavra suicídio é tratada com certa cautela pelos veículos de comunicação. Existe a máxima de que o tema não deve ser divulgado para evitar a proliferação de casos. Neste contexto, uma opinião é unanimidade entre a equipe do Núcleo de Prevenção de Suicídio: a cobertura da imprensa não deve ser superficial, pautada apenas em noticiar o óbito, mas sim transmitir informações relevantes sobre o tema.
“A imprensa deve ser aliada, ou seja, alertar a população sobre os métodos de prevenção ao suicídio e não apenas alarmá-los com notícias de óbitos. Da mesma forma que a sociedade precisa perder o medo de debater o tema. Existem muitas campanhas de prevenção à violência e muito pouco se fala sobre a auto violência, pois o suicídio ainda é um tabu, tanto que vem sendo chamado de Epidemia Silenciosa, porque atualmente está matando mais que os casos de homicídio”, conclui Andreia Vilas Boas.

O Núcleo de Prevenção de Suicídio está localizado no Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (HUERB) e atende de segunda a sexta-feira, no horário comercial. A expectativa é de ampliar o horário de atendimento e trabalhar em regime de plantão 24 horas, durante todos os dias da semana, inclusive nos feriados. Telefone de contato: 9 9913-4045. E-mail: prevenir.ts@gmail.com

* O Setembro Amarelo é uma ação mundial, desenvolvida no Brasil a partir de 2014, criado para promover a prevenção e conscientizar a população sobre a problemática do suicídio, o movimento busca, por meio de campanhas e ações, mostrar que é necessário falar sobre o assunto. A data 10 de setembro foi escolhida como Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.

* Marcio Souza é acadêmico do 6° período de Jornalismo da Ufac

 

A Gazeta do Acre: