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Animalidade injustificável

No tempo do período de “escuridão cultural” a luta por alimento ensopou de sangue o planeta e oferece um fundo bem negro à débil luz da civilização. Ali, na luta pelo pão, se justificavam as morte. O homem primitivo era cruel porque tinha que ser cruel. A mais escura página da existência humana é a história da tortura primitiva, e do prazer causado pela dor alheia. Entre muitas tribos o homicídio causava menos horror do que causa hoje a nós. Grande parte desta crueldade estava associada à guerra. Essa animalidade primitiva é totalmente irracional, à luz dos nossos códigos de ética, e nos faz pensar que o mal no homem não é apenas limitação ou privação do bem, atraso ou negatividade dolorosa, como queria Santo Agostinho. Atualmente, não deixa de ser irônico, as nossas urbes “super modernas” estão ensopadas de sangue na luta não por pão, mas por drogas. Numa animalidade injustificável que subverte, consome e destrói.

Neste contexto de animalidade injustificável, convivemos “numa boa” com matanças em massa de civis, pessoas inocentes de pequenas nações que são invadidas por outras mais potentes em armamentos bélicos. Caso grosseiro é o daquele barco de refugiados somalis no Mar Vermelho, que foi metralhado por ocupantes de um helicóptero, deixando um saldo de 42 mortos. O mais cruel é que não houve repercussão, tal qual ao atentado do Bataclan de Paris, ou a qualquer outro acontecido no primeiro mundo! Igualmente, não se diz mais nada sobre a chacina de Guarulhos, dentre outras centenas de chacinas ocorridas neste Brasil de “Deus nos acuda!”

Desta forma, a vida tem uma imagem deformada, não é nada atraente, é duríssima, seja aqui ou ali. Milhares de mulheres e homens estão morrendo como ratos de porão, outros milhares, de fome; outros, de pestes perniciosas que vai da dengue ao vírus do Ebola; outros milhares, caso recente da Síria, estão sendo exterminados em razão dessas guerras imbecís. Há, para completar, a miséria e a fome que em muitos países afetam milhões de pessoas, Aliás, ninguém sabe, realmente, quantas pessoas morrem de fome a cada ano. Muitos países subdesenvolvidos apresentam estatísticas irregulares e muitas vezes não confiáveis, de modo particular quando concernentes a mortes de crianças. Estatísticas não muito recentes estimam que 12 milhões de recém nascidos morrem todos os anos, por causa dos efeitos da subnutrição nos países em desenvolvimento. Li em algum lugar que “A metade das pessoas que vivem em pobreza absoluta estão no sul da Ásia, principalmente na Índia e Bangladesh. Um sexto delas vive no leste e sudeste da Ásia. Outra sexta parte está no sub Saara africano. O resto divide-se entre a América Latina, norte da África e Oriente Médio. Nestas regiões tropicais ou situadas no hemisfério sul, a que comumente damos a denominação de Terceiro Mundo, calcula as Nações Unidas que pelo menos 100 milhões de crianças vão para a cama faminta, todas as noites”. Além disso, há regiões onde a fome é total, imperativa mesmo, e outras causas indiretas, como doenças e más condições físicas agudas, que prostram milhares de vítimas, visto terem perdido a resistência devido à subnutrição. As mortes ocasionadas por essas condições nem sempre são relatadas pelos membros da família; as vítimas de doenças poderão ser relacionadas entre as que morreram de causas naturais, ou desconhecidas.

A maldade cresce de maneira fenomenal. As forças positivas, diria o antropólogo e filósofo francês, Edgar Morin, “são muito dispersas, fragmentadas, perdidas no vácuo da maldade que permeia toda a atmosfera terrena” numa animalidade injustificável.

Assim, o meu sentimento interior, quem sabe, também, o do povo brasileiro em geral, em perplexidade e assombro, se move entre dois extremos: o injustificável e o desejo de justificação para essa animalidade bárbara da atual raça humana!

Francisco Assis dos Santos, Pesquisador Bibliográfico em Humanidades. E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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