O placar de quatro a três contra a cassação da chapa Dilma-Temer, julgada na semana passada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não põe fim à crise política vivida na relação cada vez mais atribulada entre o Congresso e o Governo Federal, e sentida na pele, dia após dia, pelos brasileiros.
Faz-se necessário ressaltar que esse colapso não se iniciou com o processo de impeachment que depôs do cargo a ex-presidente Dilma Rousseff, mas decorre de um sistema político apodrecido pelas relações espúrias entre o poder público e grandes empresas. Estas sempre dispostas a financiar campanhas eleitorais para em seguida cobrar a fatura dos eleitos. Trata-se da mais perniciosa aliança já firmada na história política do país, graças à desmedida ganância de empresários e à venalidade de representantes do povo.
Não obstante a comemoração de Michel Temer e seus aliados do PMDB logo após a votação que garantiu ao primeiro a permanência na cadeira presidencial, o governo continua a equilibrar-se sobre a corda bamba da impopularidade. E com o agravante de precisar carregar sobre os ombros a ameaça de debandada por parte de aliados, temerosos com a possibilidade de submergir junto com ele.
O próprio PSDB, autor da ação que pedia a cassação da chapa por abuso de poder econômico, ainda não decidiu se fica com Temer até o fim ou abandona o barco antes do naufrágio iminente.
Tal preâmbulo se faz imprescindível à revelação de quem, como suplente de deputado federal que assumiu o cargo, tem sido testemunha ocular de tantos conchavos e reviravoltas na política nacional – e que mesmo após tantos anos de militância partidária e de experiência no parlamento, ainda é capaz de se afligir e padecer ante tantas incertezas sobre o futuro da Nação.
Que o sistema político precisa ser reformulado com urgência é apenas uma das premissas de um silogismo cuja conclusão é a de que o Brasil só vencerá as dificuldades quando os representantes do povo estiverem a serviço dos interesses coletivos. A segunda premissa, tão importante quanto a primeira, diz respeito ao voto, com a maioria dos eleitores cientes de que as suas escolhas precisam ser feitas com muita responsabilidade e lucidez.
Lamentar a crise atual e execrar a classe política como um todo, pelos sucessivos escândalos que a tantos colocam sob suspeição, é um direito de cada brasileiro honesto e trabalhador. Em contrapartida, cabe-lhes também o dever, individual e intransferível, sobre o processo da mudança inadiável.
Generalizar a classe política, imputando a cada um dos seus componentes os crimes cometidos pela maioria, é uma das trivialidades do senso comum que precisa ser reformulada tanto quanto o sistema político.
Se vale a prerrogativa de se condenarem as atividades subterrâneas daqueles que, uma vez eleitos, logo se acostumam a fraudar a ética e a vilipendiar o dever cívico, cabe também ao cidadão não incorrer no erro de tomar as partes pelo conjunto.
Isso significa não condenar, por antecipação, todos aqueles que receberam recursos de campanha por parte de empresários que confessaram em juízo ter distribuído propinas. Afinal, as doações legais, analisadas e aprovadas pelos tribunais eleitorais, diferem do dinheiro sujo repassado a candidatos de forma sorrateira.
Significa ainda respeitar a trajetória virtuosa de membros do Legislativo e do Executivo nacionais, cujas biografias deveriam servir de exemplo aos demais congressistas e membros do governo – ao contrário de negligenciadas pelo eleitor e até mesmo pela imprensa.
Se a soma entre um sistema político degenerado e o desleixo da maioria dos eleitores para com o seu dever de conhecer o candidato em quem pretende votar nas próximas eleições é a regra que nos levou ao caos, que então sejam levadas em conta as exceções: mulheres e homens públicos que, a despeito de amargarem a vulgarização por tantos descalabros alheios, ainda se dispõem a recolocar a política de volta aos trilhos da decência.
Meu mais íntimo desejo é que esse tema seja objeto de ampla reflexão e de acalorados debates entre todos os brasileiros que sonham com um país do qual possamos todos nos orgulhar no futuro.
Moisés Diniz é deputado federal pelo PCdoB e autor do livro O Santo de Deus.