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O mundo está (a) piorando, (b) melhorando ou (c) ambos?

Para entender como podemos sobreviver num ambiente complexo, ou seja, no mundo de hoje, cientistas como o Prêmio Nobel Daniel Kahneman notaram que tivemos que adotar dois sistemas para pensar. O sistema 1, o rápido, usa regras simples e o sistema 2, o lento, usa raciocínio. Por bem ou por mal, usamos o sistema 1 na maior parte do tempo, fazendo análises rápidas, mas nem sempre seguras.

O sistema 1 incorpora experiências passadas, aprendizagens e emoções. Estamos “ancorados” nesta bagagem que influencia como absorvemos novas informações. Estas âncoras poderiam gerar um viés de confirmação, ou seja, selecionamos as informações que confirmam o que pensamos e rejeitamos as que são contraditórias. Como eu estudo os impactos de eventos extremos climáticos, esta tendência pode significar que só recordo de informações que mostram que os impactos estão aumentando, ou seja, a resposta (a) do título. Se eu fosse parte do governo e quisesse mostrar melhorias, a minha tendência seria ver somente avanços positivos, ou seja, a resposta (b) do título.

Caso o mundo fosse uma mistura de avanços e retrocessos, o viés de confirmação poderia levar a uma visão muito distorcida da realidade. O sistema 1 pode nos enganar, por isso precisamos do sistema 2, o lento, que exige muito esforço mental para reprogramar o nosso sistema 1 para poder analisar uma realidade complexa.

Um artigo recente de Nicholas Kristof do jornal New York Times, intitulado ‘Boas notícias apesar de tudo’, me fez buscar informações no sítio ourworldindata.org. Este site mostra uma compilação de dados globais sobre uma série de tendências. Existem vários fatores que estão melhorando no mundo, como a queda de pobreza absoluta, a melhoria de saúde, aumento do alfabetismo, acesso a energia elétrica, etc. É claro que ainda falta muito, mas pelo menos nestes parâmetros, o mundo está melhorando, apesar das notícias.

Quando se olha no nível de países ou regiões a situação fica diferenciada. Por exemplo, a queda da taxa de natalidade no Brasil tem resultado numa idade mediana (metade da população mais velha, outra metade da população mais nova) de 31 anos. Uma idade mediana dessa significa que o crescimento da população brasileira está freando e vamos chegar a uma população estável nas próximas décadas. Na África, porém, muitos países têm idade mediana abaixo de 20 anos, indicando que suas populações vão continuar a crescer rapidamente. Parece que estejamos na situação da resposta (c) do título.

Mas por que importa reconhecer que o mundo tem tendências positivas e negativas? A resposta envolve as duas mais importantes disciplinas dos programas de pesquisa: problemologia e solucionologia. A maior parte da pesquisa do mundo acadêmico concentra na problemologia, ou seja, na definição de problemas. Ela é um passo essencial porque, sem definir corretamente o problema, soluções não vão funcionar. Mas só definir o problema não resolve, precisamos buscar as soluções.

No caso de problemas globais, como os impactos de mudanças ambientais, saber da complexidade ajuda a definir soluções. Também existe o efeito psicológico de saber que alguns fatores estão melhorando, o que permite otimismo para pensar em soluções para os fatores que estão piorando. Virgílio, o poeta romano, capturou a importância do otimismo para encontrar soluções, conforme indica o ditado em latim Possant quia posse videntur, ou seja, eles podem porque pensam que podem.

Se estamos conseguindo resolver alguns problemas globais como saúde e educação, temos chances de resolver outros como o aumento da taxa de acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Nos anos 2015 e 2016, a taxa de acúmulo foi cerca de 3 ppm por ano, bem acima dos valores anuais desde 2000.

É muito fácil para o nosso sistema 1 concluir que o mundo está piorando e não tem jeito, ou crer que alguém ou alguma tecnologia vai resolver todos os problemas. Usar o nosso sistema 2 para pensar é trabalhoso, mas é fundamental para traçar soluções para os desafios globais que enfrentamos neste século 21.

Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

 

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