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Após testemunhar os empates liderados por Chico Mendes, Xapuri volta a ser palco por disputas de terra

Posseiros correm o risco de perder a terra, em Xapuri

Resistência. Era isso que significava os empates realizados pelos seringueiros na tentativa de barrar, sem a utilização de armas, a invasão dos jagunços dos fazendeiros que tinham o objetivo de transformar a floresta em pasto a partir da década de 70, em Xapuri. Atualmente, o município vive o clima de tensão tão comum no passado, por conta da disputa de terra entre posseiros e pessoas que se dizem donos da terra.

A incerteza do futuro desses produtores teve início há 15 dias, quando foram notificados por um oficial de Justiça sobre o cumprimento do mandado de reintegração de posse.

“Estávamos tranquilos, quando o oficial de justiça chegou para cumprir a ordem de despejo. Moro lá há 20 anos. Tenho várias plantações e criações. Tiro o sustento da minha família de lá. E vem uma pessoa que nunca morou lá dizer que a terra é dela. Ele é comerciante. Tem condições de viver. Moravam 22 famílias, muitas já saíram da área. Atualmente moram 12 famílias lá. E a ordem de despejo seria para tirar quatro famílias. Isso é injusto”, falou um dos posseiros atingidos pela decisão judicial, Sebastião dos Santos.

O produtor ressalta que a área não tem qualquer utilidade. “Nasci e me criei em Xapuri e achávamos que esse negócio de disputa de terra tinha acabado. Mas, estamos quase vivendo a vida que Chico Mendes viveu. Infelizmente, existe muito conflito. Além disso, têm autoridades que favorecem os fazendeiros. Só saio da minha terra se for algemado. Não vou abandonar minha área. Não tenho para onde ir nem levar a produção. Não são 20 dias, são 20 anos”, comentou Sebastião emocionado.

O posseiro da propriedade Fé em Deus, Manoel Nascimento Cunha, afirma que na área dele existe produção de farinha, banana, arroz, além dos animais. “Meus filhos fazem faculdade. É de lá que tiro recurso para pagar os estudos dos meus filhos. Nossa área é cercada, fizemos ponte e abrimos ramal. Esperamos que a justiça seja feita. Já derramamos muito suor nessa terra. Nós queremos trabalhar”, comentou.

A área em questão é uma parte do Seringal Nova Esperança, às margens do Rio Acre, trecho entre Xapuri e Brasileia.

O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri (STR) denuncia a situação de conflito na região baseada em ações judiciais movidas pelos fazendeiros que, quase sempre, ganham na Justiça o direito de expulsar posseiros antigos e históricos dos velhos seringais que ficaram fora da Reserva Extrativista Chico Mendes.

De acordo com o presidente do STR, Assis Monteiro, a situação é tensa e por ter convivido de perto na época de Chico Mendes, ele afirma que a tensão é igual ao período em que o líder seringueiro foi assassinado, em dezembro de 1988.

“O sistema é muito cruel com quem precisa da terra. Durante os empates, era comum ver pessoas presas, deitadas nos ramais sob o sol do meio dia tendo fuzis apontados e agredidos de todas as formas. Xapuri tem muitas áreas como reserva extrativista, assentamento extrativista ou projeto de colonização, que é conquista desse movimento. Mas, ainda existem muitas áreas em que os companheiros ainda estão de forma irregular, por isso, o sindicato está ao lado deles, para que eles não sejam expulsos. É nossa função defender os trabalhadores”, comentou o presidente.

“Quem vive da terra vive bem. Não passa fome nem necessidade. Há, sim, possibilidade de uma boa vida. E é isso que essas pessoas querem”, ressaltou Monteiro.

Posseiros e suas famílias alegam que vivem nas terras há mais de 20 anos e que produzem no local

Sindicato se articula para ajudar trabalhadores

O Sindicato pede às autoridades como Poder Judiciário, aos Ministérios Públicos Estadual e Federal para agirem rapidamente, antes que ocorra um conflito de grandes proporções.

“Atualmente, mais de 500 famílias que estão sob ameaça de expulsão neste momento, vez que, mesmo aquelas onde não há processos, já se percebe a movimentação dos fazendeiros no sentido de judicializar a questão alegando, fundamentalmente, que as posses, antigas, todas elas, são ‘parte da reserva legal’ de suas propriedades e que, por isso, os posseiros têm de ser expulsos”, estima Monteiro.

Na manhã desta terça-feira, 4, o sindicato, acompanhado de vários produtores, se reuniram com a Comissão de Reforma Agrária da Aleac.

“A Comissão junto com o presidente da Aleac está tentando articular uma reunião entre o pessoal do Incra e do Ministério Público para tratar da situação e dar um prazo maior para os trabalhadores ficarem na terra”, destacou o presidente.

“A ausência de atuação do sindicato nos últimos 12 anos deu fôlego para os fazendeiros”, denunciou o atual presidente

Os empates tinham uma estratégia baseada em formas pacíficas de resistências. A comunidade se organizava, sob a liderança do sindicato e seguia para a área que seria desmatada pelos pecuaristas.

Os extrativistas colocavam à frente dos peões e jagunços, com suas famílias, mulheres, crianças e velhos. Em um segundo momento, as lideranças do movimento explicavam a eles que, desmatando a floresta, também estariam ameaçados.

Chico Mendes acreditava que a emoção do discurso acarretaria em resultados uma vez que os peões também eram pessoas simples, que cumpriam ordens dos patrões. Com a repercussão da morte do líder seringueiro, os autores das ações, muitas vezes violentas, precisaram se conter.

“Com isso, os fazendeiros recuaram. Começaram a entender que não estavam sozinhos no mundo para fazer o que queriam. Os últimos 12 anos foram um retrocesso para o sindicato. Já que não tem delegacia sindical e nem havia reuniões nas comunidades. Então isso vai enfraquecendo o movimento e os fazendeiros começaram a tomar fôlego. Então, o resultado é esse que está acontecendo. Precisamos estar unidos para resistir e encontrar mecanismos de continuar na terra”, relatou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que tomou posse no mês passado.

No entanto, o clima de tensão está grande e a cada dia aumenta na região. “Estamos atentos e acompanhando o desenrolar das situações na Justiça”, garantiu Assis Monteiro.

De março de 1976 até 1988, ano da morte de Chico Mendes, os seringueiros promoveram 45 empates. Relato do próprio Chico Mendes conta 30 derrotas e 15 vitórias dos extrativistas nos processos de tentativa de convencimento dos peões a baixarem suas motosserras.

Sindicalista Assis Monteiro

Justiça decide suspender o cumprimento de reintegração de posse e marca audiência de conciliação

Ainda nesta terça-feira, 4, o juiz da Comarca de Xapuri, Luiz Gustavo Alcade Pinto, acolheu o pedido de suspensão do cumprimento do mandado reintegração de posse. Além disso, o magistrado marcou uma audiência de conciliação entre as partes para o dia 18 de agosto. Na ocasião, terão representantes do Ministério Público do Estado vinculados à promotoria de Conflitos Agrários, Incra, Iteracre e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

A Gazeta do Acre: