Estamos enfrentando uma série de desafios, não só na área ambiental, mas também social. Como o Papa Francisco colocou na sua Carta Encíclica Laudato Si, temos que abordar a degradação do planeta e a desigualdade simultaneamente. Um exemplo disto é o uso de energia elétrica. Estamos enfrentando uma série de desafios, não só na área ambiental, mas também social. Como o Papa Francisco colocou na sua Carta Encíclica Laudato Si, temos que abordar a degradação do planeta e a desigualdade simultaneamente. Um exemplo disto é o uso de energia elétrica. A Amazônia, em especial na área andina de onde se originam os rios principais, tem um grande potencial para gerar energia de várias fontes, dentre as quais energia hidroelétrica, energia solar e de petróleo. Cada uma tem seus problemas e vantagens.Os impactos de usinas hidroelétricasnão têm sido nada pequenos, desde no funcionamento dos rios até na vida cotidiana de populações ribeirinhas, urbanas e indígenas. Inicialmente promovidas como fonte de energia renovável e limpa, as usinas têm causado emissões de gases de efeito estufa, em muitos casos equivalentes as de usinas termoelétricas, degradação dos rios e marginalização de populações nas suas vizinhanças. Por exemplo, nas usinas hidroelétricasde Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira em Rondônia, os reservatórios são mais de 50% maiores do que foram declarados nos seus estudos de impacto ambiental e o Reservatório de Jirau já invadiu a Bolívia. A falta de elevação da estrada BR-364, ao lado do reservatório da Usina Jirau resultou numa redução drástica no abastecimento do Acre durante a inundação do Rio Madeira em 2014. A sedimentação destes reservatórios está avançando aparentemente mais rápido do que o estimado, aumentando as possibilidades de um colapso dos mesmos.Estes erros grosseiros na previsão dos construtores das usinas colocam em dúvida a quantidade e qualidade de energia que será produzida. A intensificação da época seca e o aumento de temperatura acoplados a continuação do desmatamento indicam que a produção de energia destas usinas será menor do que o previsto.A expansão destas usinas significaria mudanças irreversíveis no funcionamento dos rios na Amazônia. A energia oriunda do petróleo é a fonte principal para transporte no mundo. Porém, por causa do seu impacto na composição da atmosfera, via o acúmulo de gás carbônico (CO2) que afeta a temperatura da Terra e a acidificação dos oceanos, os países estão tentando se livrar do seu vicio no uso desta fonte. Na Amazônia já se tem campos de petróleo, o mais recente descoberto em Pando, na Bolívia. A
“descarbonização” das economias nacionais significa que a maior parte destas reservas não pode ser explorada, ou seja uma perda econômica que incentiva a descrença sobre mudança climática antropogênica.Mas apesar dos problemas, precisamos de energia elétrica em grande escala. Uma alternativa, pouca explorada na Amazônia, é a energia solar, mais especificamente energia fotovoltaica produzida via placas solares. Há décadas ela foi usada em comunidades isoladas, mas só recentemente foi integrada em redes urbanas de abastecimento de energia. Vamos descrever brevemente a nossa experiência em casa. O nosso sistema alternativo de geração de energia constituído de oito placas solares com capacidade de 250watts cada uma, instalado pela empresa Sistema Solares Alternativos – Sisa, completou um ano no fim de agosto. Aparentemente foi uma das primeiras residências no Acre a ser ligada a rede da Eletroacre. Durante este ano as placas produziram 2.500 kilowatt-horas (kWh) de energia, satisfazendo as nossas necessidades e gerando um excedente de 600 kilowatt-horas que foram lançados na rede, suprindo demandas no Acre, e também via rede nacional, fora do estado.Colocado deste jeito, parece que a nossa casa virou uma fonte perfeita de energia elétrica. Mas como qualquer fonte, a energia solar tem suas limitações. A primeira delas é que não temos sol 24 horas por dia; efetivamente a energia vem por somente oito horas por dia. Precisamos de energia da rede durante as outras 16 horas para manter a geladeira e luzes funcionando. Consequentemente colocamos muita energia na rede durante o dia e usamos uma quantidade moderada da Eletroacre quando não tem sol. Na média, produzimos 6,8 kWh por dia, consumimos 5,1 kWh por dia e retornamos para a rede 1,7 kWh por dia. A rede serviu como um tipo de bateria para iluminar a nossa casa a noite. Também entre os dias a energia produzida não foi constante, variando de 3 a 10kWh por dia, dependendo da presença de nuvens. Se mudarmos de escala, 100.000 casas com placas equivalentes as nossas, produzem 680.000 kWh/dia, ou seja, 680 MWh/dia, equivalente a uma média de30 megawatts. Infelizmente, não são 30 megawatts contínuos, mas 80 megawatts durante o dia e 0 megawatts a noite. Como referência, o consumo médio de energia elétricaem2016 para o estado do Acre foi cerca de 112 megawatts. Obviamente, existem considerações para expandir a escala de energia solar e este exemplo simples mostra apenas um dos problemas – de onde vai vir a energia elétrica das 18 as 21 horas? Mas por outro lado, o potencial de expandir a produção e alcançar múltiplos de megawatts é tecnicamente possível, usando apenas os tetos das casas e lotes onde as placas poderiam ser instaladas para os que vivem em apartamentos. Ainda existem barreiras econômicas e burocráticas que precisam de políticas públicas bem pensadas. O Chile fornece um exemplo da rapidez de mudança quando se decidir investir: em 2012 o pais produziu somente dois megawatts de energia fotovoltaica mas pulou para 1600 megawatts em 2016, aumentando 800 vezes em quatro anos. Se quisermos manter alguns rios na Amazônia na sua forma natural e decarbonizar a economia, precisaremos encontrar urgentemente soluções para as demandas energéticas, sendo a energia solar uma delas. E se quisermos um desenvolvimento mais equitativo, precisaremos considerar como a geração e consumo de energia elétrica podem ser usados como meio de desenvolvimento. Estes assuntos, porém, são temas para um outro artigo.
OBS: Os interessados em consultar as referências deste artigo poderão solicitá-las ao Jornal A Gazeta no e-mail: [email protected].
*Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.**Vera Reis Brown, Bióloga, Mestre e Doutora em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo/USP; Diretora técnica do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação dos Serviços Ambientais do Estado do Acre – IMC; Secretaria Executiva da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais – CEGdRA/Sema; e Professora dos cursos de Ciências Biológicas e Arquitetura da Uninorte.