[dropcap]O[/dropcap] presente texto motivado pelo Professor Doutor Álvaro Sobralino, ilustre confrade da Academia Acreana de Letras. Estávamos no salão da Academia, admirando uns painéis, quando ele disse: “olha essa construção antiga, dela surgiu à expressão sem eira nem beira”. Resolvi, naquele instante, pesquisar o dito popular, não por desacreditar na lição do imortal e sim porque entendo que o leitor de Letras & Letras também gostaria de ficar sabendo como nasceu uma expressão tão presente no cotidiano brasileiro.
É comum, no Acre, ouvir alguém dizer: “como ele vai casar? O cara não tem eira nem beira”. Isso significa dizer que o indivíduo está sem dinheiro, despercebido. No entanto, em épocas passadas, tratava-se de um detalhe no acabamento dos telhados das casas.
Atualmente, a expressão <<sem eira nem beira>> quer dizer pessoa sem nada, sem passado e sem futuro. Mas antigamente a <<eira>> designava aquele terreno de terra batida ou cimento, onde deixam os grãos ao ar livre. E <<beira>> era a beirada da eira. Assim, quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos ao deus-dará e o proprietário fica sem nada.
Um dado curioso, a observar, é que antigamente as casas das pessoas abastadas tinham no telhado dois tipos de acabamento, a beira ceveira (beira sobre beira = beiral) e a eira que era o acabamento decorado, feito na fachada, e a casa da plebe tinha apenas o telhado sem acabamento. Esse elemento arquitetônico acrescentou outro termo ao idioma – sem eira nem beira – que significa situação de miséria.
Nota-se, pelo exemplo, que as palavras nascem pela necessidade que tem o ser humano de dar nome às coisas. E, no caso do acabamento das casas, o nome indicava o status do morador. Possuir a eira e a beira era sinal de riqueza e de cultura. Então, a <<eira>> e a <<beira>> davam status às pessoas.
O tempo passou, mas a expressão ficou entre nós. E embora não seja mais utilizada para designar acabamento das casas, nem o status das pessoas, vem sendo usada para indicar a pobreza material de alguém. E, o contrário, para apontar riqueza, tem-se o automóvel, que se for importado, o proprietário está com tudo em cima. De outra parte, se a pessoa possui um carro popular e, ainda, bastante usado, então se diz que ela está sem eira nem beira, ou seja, não possui nenhuma riqueza e, logicamente, nenhum poder.
Compreende-se, pela expressão <<sem eira nem beira>>, que as palavras viajam no tempo e que, no percurso, podem perder a significação primeira e ganhar uma outra de sentido totalmente diferente. Isso denota aquilo que diz gramático Fernão de Oliveira (1536), que os homens fazem a língua e não a língua os homens. E, na língua portuguesa, há inúmeros casos de palavras que mudaram de sentido, ou seja, antes designavam uma coisa e hoje outra coisa. Esse processo, em Semântica, se denominou chamar de “mudança de sentido das palavras”, que tem no francês Pièrre Guiraud um grande mestre.