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No Dia Mundial da Alfabetização, Acre celebra histórias de superação com o Quero Ler

A sala de aula é um cantinho improvisado na garagem da casa da professora, não tem ar-condicionado, falta rebocar as paredes, mas é mais aconchegante e alegre do que muitos espaços bem equipados. É assim a turma do Quero Ler coordenada pela educadora Luciana Martins, no bairro Santa Inês, na capital. São dez alunos com faixa etária entre 19 e 80 anos, que de segunda a sexta-feira, têm aulas de alfabetização.
“Temos aula todo dia, e às vezes, até no domingo, quando eles têm alguma dúvida, eles vem aqui em casa para eu tirar”, diz a professora, com brilhos nos olhos.
Dona Raimunda Amorim, aluna da turma, se identifica e complementa a afirmação da docente. “Eu venho mesmo, porque tenho sede de aprender e tem horas que eu quero saber se escrevi certo e venho aqui, porque depois posso esquecer”, diz, sorridente.
A relação da professora com os alunos vai além do ato de ensinar a ler e a escrever: “Conheço a história de vida e de luta de cada um deles, e isso me motiva a querer ajudá-los, porque sei que ensiná-los a formar frases e palavras é uma forma de dar dignidade a eles”, explica Luciana.
Amiga, conselheira, psicóloga e confidente ela conta orgulhosa que conhece a intimidade de seus aprendizes. “A gente se envolve emocionalmente. Hoje, meus alunos são tudo pra mim, conheço os medos e também o potencial de cada um”, completa.

Realizando sonhos
A dona de casa Raimunda Amorim só teve a oportunidade de sentar no banco de uma escola aos 54 anos de idade. “Quando eu era jovem, eu morava no seringal e ajudava meus pais a cortar seringa e, por isso, não tive tempo de estudar, na verdade nem tinha como, naquela época, não tinha nem escola perto”, desabafa.
De acordo com Amorim, apesar de não ter tido condições de estudar na idade certa, nunca desistiu de conhecer o mundo através dos números e das letras: “Sempre foi um sonho e hoje estou concretizando, já sei ler e escrever algumas coisas, sabia?”, comemora com um sorriso largo.
Para comprovar o que diz, a dona de casa abre o caderno e lê para a reportagem o que escreveu: “Ó, aqui tá escrito manga, luva, felicidade. Viu? Li certim, não foi?!” indaga, dona Raimunda, como se quisesse contar ao mundo que ela aprendeu a juntar letras e formar palavras.
Indagada sobre os benefícios de aprender a ler, Raimunda Amorim se emociona e, com lágrimas nos olhos, conta que já consegue identificar os letreiros das linhas de ônibus da cidade.
“Antes, eu ficava no terminal perguntando para um e outro que ônibus era aquele. E agora, sou eu que ajudo outras pessoas a pegar o ônibus certo, sabia?!”, conta com a empolgação de quem conseguiu a tão sonhada autonomia.
Aliás, aprender sobre as placas dos ônibus foi uma das primeiras tarefas ensinadas pela professora. “Parece uma coisa simples, mas para quem não sabe ler é muito difícil, o mundo é muito visual. Por isso, no primeiro mês de aula já ensinei eles a ler as rotas de ônibus, para que eles pudessem se virar sem precisar de ajuda. Até os que fazem tratamento nos hospitais, eu ensinei quais as linhas que faziam o percurso”, diz Luciana Martins.
Segundo Luciana, alfabetizar inserindo elementos que fazem parte do cotidiano da vida dos estudantes ajudou no processo de ensino aprendizagem. “Eu percebi que eles absorviam mais rápido quando eu ensinava coisas que faziam parte da rotina deles, como pegar ônibus e anotar a lista da feira e por isso os esforços para aprender eram maiores”, conta. (Agência Acre)

 

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