“Nao precisamos de cientistas para dizer que está aumentando a temperatura, já sabemos disto. Nós queremos saber quem é o responsável!” Com estas palavras,Victor, um morador da Reserva Nacional de Vida Silvestre de Manuripi, declarou a sua frustração com cientistas e seu desejo de encontrar soluções. Alex Oliveira, um aluno do Mestrado de Ecologia da UFAC, e eu ouvimos esta frase quando estávamos participando, na semana passada, de um workshop organizado pela Universidade Amazônica de Pando em Cobija. O objetivo foi discutir a interação de clima e conservação nesta Reserva que fica em Pando, Bolívia, cerca de 100 km sul de Brasilieia e Epitaciolandia.
Já ouvi observações como a do Victor, de líderes indígenas, de produtores rurais e de seringueiros em toda a região de Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia ou MAP. Estudos científicos confirmam que nas últimas décadas as temperaturas aumentaram e as chuvas e as secas são mais intensas e menos previsíveis.
Neste workshop, dois pesquisadores da Universidade de Columbia nos EUA apresentaram os resultados de modelos para as próximas décadas. De 21 modelos analisados, a maioria indicou que vai ser mais quente com menos chuva na época seca, ou seja basicamente uma extrapolação das tendências da última década. Em outras palavras, não foi uma novidade, o clima vai continuar ficando mais complicado e vamos ter saudades da situação atual.
Respondendo à segunda parte do desabafo do Victor, falei que as evidências indicam que a influência humana, seja via desmatamento na Amazônia, seja via o acúmulo de gases de efeito estufa, está contribuindo a este efeito, só que é difícil dizer qual é a importância destes fatoresno momento. Os modelos de clima da Universidade de Columbia, porém, indicam que, se continuarem as tendências de desmatamento e emissões de gases, a situação vai piorar, não só para a reserva Manuripi, mas para a região MAP e a Terra.
A frase chave é “se continuarem as tendências de desmatamento e emissões de gases”. Para dar uma ideia das tendências podemos rever a história do gás carbônico – CO2, um gás de efeito estufa, durante cerca de 800 mil anos. Durante este período a concentração de gás carbônicooscilava entre 180 e 300 ppm. Recentemente começou a subir. Quando nasci em 1951, a concentração foi cerca de 315 ppm. Quando joguei rugby nas Bermudas na década de 1970, recebi uma gravata da equipe que tenho até hoje, que ganhou o nome de 330 ppm, a concentração naquela década. Hoje a média global é mais de 405 ppm e nos últimos dois anos a concentração está subindo a quase 3 ppm por ano. Provavelmente vou viver para ver um aumento de mais de 100 ppm na concentração de gás carbônico durante a minha vida.
Tipicamente, esta discussão divide pessoas em três grupos. O primeiro que acha que é uma enganação, não existe uma influência humana significativa no clima, nem no gás carbônico, e que vamos adaptar à variabilidade natural do clima. O segundo grupo nota as tendências e as extrapola ao futuro, chegando à conclusão de que não há soluções. O terceiro grupo vê as tendências e acredita que tem meios de mudá-las, evitando catástrofes.
Para convencer pessoas a mudar dos grupos 1 e 2 para o grupo 3, é importante ter um plano de ação. Existem pelo menos dois para começar. O Papa Francisco publicou a sua carta encíclica Laudato Si em 2015, endereçada a “cada pessoa que habita este planeta”,mostrando que a solução para a deterioração da Terra envolve também enfrentar o desafio da desigualdade no planeta via uma mudança de valores. Mas esta mudança de valores precisa também de ações concretas para reverter a situação de aquecimentoglobal.
Este ano saiu um compendium com oitenta ações, que no conjunto poderia reverter a situação em que encontramos em termos de aquecimento global. Creio que os números não são exatos, mas pelo menos servem para iniciar uma discussão que focaliza mais nas soluções e menos nos problemas. O livro deste compendium é entitulado em inglês “Drawndown” que significa redução (www.drawdown.org).
A Tabela anexa mostra as dez maiores soluções das oitenta propostas. Estas dez totalizam cerca de 60% do total das emissões evitadas ou absorvidas (1000 gigatoneladas de CO2 -equivalente) no período de 2020 a 2050. Como referência, as emissões globais foram estimadas a 53 Gigatoneladas de CO2-equivalente por ano em 2012.
Algumas não são relevantes para a nossa região, como turbinas eólicas, mas podemos fazer a nossa parte, contribuindo para as outras soluções. Podemos notar que educação para moças e planejamento familiar são dois fatores combinados que têm mais impacto do que conservação de florestas tropicais até 2050.
Este compendium é longe de ser a última palavra ou o plano definitivo para reduzir a concentração de gases de efeito estufa. Mas ele deve provocar debates sobre quais soluções são mais factíveis e como podemos implementá-las.
Várias das soluções ajudama parar a deterioriação da Terra, descrita pelo Papa Francisco. A minha esperança é que estas soluções, junto com a visão promovida em Laudato Si, vão permitir aos meus netos usufurir uma Terra bela, numa sociedade mais justa.
A alternativa é somente discutir adaptação local, como no workshop em Cobija, onde o cenário proposto para daqui a algumas décadas foi “20 dias de temperaturas acima de 38 graus Celsius em setembro e outubro e extensão da época seca com 30% menos chuva.” Se os moradores já estão sentido dificuldades agora, imaginem num cenário deste! A adaptação é essencial, mas em alguns casos inadequada, e tem seus limites.
Voltando aos três grupos, adoraria ter ficado no grupo 1, mas as evidências me convenceram que os problemas de mudanças climáticas são reais e crescentes. Também soluções existem, mas vão nos tirar da nossa zona de conforto, como Papa Francisco avisou. Espero que o grupo 3 vá crescer e o Victor da Reserva Manuripi vá ter não só respostas, mas também caminhos para manter a sua Reserva e a Terra como o mais bonito lugar nesta parte do Universo.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.