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Enxugando gelo

A expressão enxugar gelo é bem típica de quem atua na área de Segurança Pública. Explica as ações na ponta, as superficiais contra a criminalidade e a violência, enquanto as raízes desses problemas continuam intactas, sem serem cortadas. É o equivalente ao raciocínio populesco de que de nada adianta a polícia prender, se depois a Justiça solta o marginal nas ruas de novo.
Pois bem, já passou da hora de superarmos esse termo.
Hoje nosso combate ao crime organizado é corajoso. Nossas polícias tem uma atuação heroica e brava. Admirável. Porém, muitas vezes, as estratégias pecam na eficiência. As ações conotam o eixo demasiadamente repressivo (ou seja, aquele que anseia a sociedade), para os atos que já passaram dos limites. E o esboço do que logo adiante vai se tornar criminoso fica intocável.
Lemos muito sobre união das instituições em prol da segurança. Isso é bom. É o caminho certo. Mas o que vemos na prática, em muitos casos, destoa do discurso.
A nível nacional, o que temos é um Judiciário bradando que apoia ações contra o crime. Que faz o possível com as leis que temos. Só que não assume a sua cota de responsabilidade pelo problema. Prefere criticar o sistema prisional, as falhas técnicas da polícia e venerar posições garantistas da lei, acima das circunstâncias atuais (quais circunstâncias? As de que estamos lascados, sem proteção em meio a uma guerra contra o crime). Já o legislativo se proclama parceiro nesta luta, mas é moroso e inábil para mudar as leis que dão brechas para livrar bandidos. Enquanto isso, parte do Executivo brinca de fazer política com o problema.
E no meio de tudo isso, ainda temos a tal corrupção. Ah, a corrupção. Outro símbolo da nossa ineficácia em coibir a violência. Pergunte a um agente federal ou a um fanático pelo ativismo jurídico qual é o maior problema do país. Ele vai te dizer: a corrupção. Pergunte qual é o foco deles. Mais de 90% vão dizer que é salvar o Brasil dos corruptos. Na prática, não irão.
Vejamos bem como são os espetáculos em prisões. Para prender um político corrupto, faz-se um cerco com requintes de mega operação em São Paulo, Brasília e outras grandes cidades. Dezenas de policiais federais para prender um, repito, UM bandido, que, quando encurralado e incriminado, certamente, para o seu próprio benefício jurídico, já iria se entregar e virar delator. Enquanto isso, os efetivos da PF, PRF e Forças Armadas nos estados de fronteira, como o nosso, são insuficientes e desamparados para conter o fortalecimento do narcotráfico. Imagina só todo esse efetivo aqui empenhado em esculachar traficantes.
Precisamos enfrentar a corrupção, sim, mas não com showzinhos. A efetividade nas operações de Segurança deve guiar a nossa vitória contra o mundo do crime, dos traficantes, das facções. Mas, antes, precisamos discutir o roteiro para atingir essa efetividade. Quais são as nossas prioridades, e qual a proporção da força que empenharemos para conter cada uma delas?
Se não soubermos a resposta, continuaremos apenas a “enxugar gelo”.

 “A corrupção é outro símbolo da nossa ineficácia em coibir a violência”

A Gazeta do Acre: