No dia 30 de maio deste ano publiquei neste espaço uma preocupação sobre a falta de preparação para eventos extremos climáticos. Os sinais não foram somente a falta de participação de alguns órgãos governamentais em reuniões preparatórias para o período seco, mas também a falta de cobrança da sociedade civil para esta preparação. Como faço parte desta sociedade, podemos considerar isto como auto-critica.
Na verdade, estamos avançando na preparação, mas numa velocidade muito abaixo do que o necessário para acompanhar as mudanças recentes, muito menos os prováveis eventos que podem chegar nos próximos anos.
Vamos começar com lembranças dos últimos anos.
2014: a inundação do Rio Madeira reduziu drasticamente o transporte do sul do Brasil ao Acre durante dois meses. Este evento resultou em filas enormes para compra de gasolina, importação de comida do Peru e racionamento de feijão. Cerca de 800 milhões de reais não circularam durante este período no estado.
2015: a Inundação recorde do rio Acre nas últimas décadas em Rio Branco, com cota de 18,4 metros, bem acima (0.7 metros) das inundações de 2012 e 1997. Cerca 100.000 pessoas em Rio Branco foram atingidas, mas nenhuma cidade ou ribeirinho nas margens do Rio Acre escapou. Brasileia teve o seu centro histórico severamente danificado.
2016: a inundação recorde em Cruzeiro do Sul e recorde no baixo nível do Rio Acre em Rio Branco, alcançando 1,30 metros em setembro. Se esse nível tivesse baixado mais vinte centímetros, provavelmente teríamos tido o colapso do sistema de abastecimento de água em Rio Branco, afetando centenas de milhares de pessoas.
2017: três municípios do leste do Acre e o municipio de Cruzeiro do Sul entraram em colapsos parciais de abastecimento de água e fizeram declarações de emergência.
Segundo uma reportagem do UOL, o Prefeito de Rio Branco, Marcus Alexandre, notou durante a inundação de 2015 que a cidade não tinha recuperado da inundação de 2012 e ia levar mais cinco anos para recuperar da inundação de 2015. Quando os eventos extremos são mais frequentes do que o tempo de recuperação, significa empobrecimento avançando.
As emergências não são resultado somente dos eventos extremos em si, mas também das nossas decisões de construir em áreas não apropriadas ou não aprender de experiências passadas.
Se a lista de eventos extremas nos últimos quatro anos não foi suficiente, a concentração de CO2, um gás de efeito estufa, aumentou 8 partes por milhão (ppm) desde 2014 e agora está a 405 ppm. Quando visitei Rio Branco pela primeira vez em 1986, a concentração média global foi cerca de 347 ppm. Se continuarem as tendências, podemos chegar a concentrações de 475 a 950 ppm até o ano 2100.
Um exemplo de que podemos fazer melhor envolve a organizaçao de dados. Se não sabemos o número de pessoas afetadas, por exemplo, é difícil planejar respostas, como construção de abrigos em tempo hábil, e mais tarde a falta de informação pode impossibilitar quantificar os danos causados. Se não sabemos os danos, estamos empobrecendo silienciosamente, sem poder tomar medidas preventivas.
Por exemplo, Alessandro Rocha na sua dissertação de mestrado do MPGAP do INPA observou uma discrepância marcante entre o que o cadastro municipal de Rio Branco listou como edifícios na área de inundação e o que ele contou usando fotos aéreas, verificação de campo e imagens de satélite.
Por exemplo, na Cadeia Velha, bairro urbano do município de Rio Branco, com aproximadamente 174 hectates de área, na base cadastral do município foi observado em torno de 700 edifícios cadastrados em agosto de 2016, quando na referida pesquisa foi verificada a existência de 2180 edifícios nas imagens de 2013, cerca de 200% mais do que está na base oficial do município. Mas grave ainda foi a situação do bairro Taquari com 50 edifícios cadastrados e 3096 existentes. Em ambos os bairros a grande maioria dos edifícios foi atingida pela inundação de 2015.
Esta desfazagem entre o cadastro e a realidade tem implicações sérias nas ações de prevenção, preparação e respostas frente a eventos extremos, como foi o caso da inundação do Rio Acre em 2015. Uma das principais dificuldades encontradas pela gestão municipal naquele ano foi quantificar o número de pessoas atingidas durante a escalada do nível de água do rio.
Uma recomendação é que o cadastro seja atualizado urgentemente antes das próximas inundações. Uma base cadastral mais próxima da realidade daria maior agilidade nas ações auxiliando as Defesas Civis do município e do estado no atendimento das milhares de pessoas atingidas pelas águas.
Uma pesquisadora holandesa, Dorien Dolman, estimou que os danos causados pela inundação de 2015 ficaram entre 200 e 600 milhões de reais, só no municipio de Rio Branco. Ela não conseguiu reduzir a incerteza (um fator de três) por causa da falta de dados dos impactos da inundação. Mesmo assim, os custos e os danos somaram mais de 200 milhões reais e mostram que estamos frente a processos de degradação da economia local e da dignidade humana. Sem dados, o empobrecimento é silencioso, dificultando a busca de soluções.
Como cientista, estou surpreendido com a frequência dos eventos extremos climáticos nos últimos quatro anos. Eu esperava mais tempo entre os eventos, mas a realidade tem sido outra. A cada ano temos um sistema de clima mais energético com o aumento da concentração de gases de efeito estufa. Também temos influências de mudanças da cobertura da terra na Amazônia que está contribuindo para mudanças no ciclo regional da água.
A continuação destas tendências significa que os eventos extremos climáticos vão ser mais frequentes e mais fortes nos anos seguintes. Precisamos de programas de mitigação dos fatores que estão empurrando estes eventos e medidas de adaptação para os eventos que agora parecem bombeados com esteroides. Dados confiáveis e atualizados nos níveis municipais e estadual ajudaria no planejamento de políticas públicas mais efetivas.
A alternativa não é muito agradável: sofrer um empobrecimento que vai acumulando ano a ano.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.