Muito se tem debatido sobre a BR-364 ao longo dos últimos anos, em especial nessa atual legislatura da Aleac, sobretudo sobre a qualidade das obras executadas nos governos da Frente Popular do Acre (FPA), seu custo total, o valor médio do km de pavimentação, dentre outros aspectos. A Operação Buracos, deflagrada pela Polícia Federal, com desdobramentos nesta segunda-feira, 30 de outubro de 2017, resultando em mandados de condução coercitiva e de busca e apreensão, é mais um episódio desta saga.
Conduzido a prestar depoimento sobre mais uma investigação em curso, o Prefeito Marcus Alexandre colocou disposição das autoridades o sigilo fiscal e bancário, seu e de toda a sua família; respondeu a todos os questionamentos e se prontificou a colaborar com as investigações. A bem da verdade, diga-se que este é um dos 44 processos a que já respondeu, sobre o mesmo assunto, entre inquéritos policiais, auditorias, tomadas de contas especiais e outros procedimentos. Destes, 38 já foram arquivados. Em todos eles, compareceu sempre que intimado a depor e prestar os esclarecimentos devidos.
Afora isso, alguns mitos, de tão repetidos, sobretudo da tribuna da Aleac, acabam sendo assimiladas como verdades. O primeiro deles é de que as obras da rodovia consumiram mais de R$ 2 bilhões dos cofres públicos. Essa é a primeira falácia. A rodovia, cujas obras iniciaram em 1960, consumiu, nos governos da FPA, o montante de R$ 1.639.664.517,63 (um bilhão, seiscentos e trinta e nove milhões, quinhentos e dezessete reais e sessenta e três centavos). Foram 8 convênios de transferências de recursos da União, por intermédio do Dnit, ao Governo do Estado, por intermédio do Deracre, que abrangeram 649,97 km, incluindo o trecho do perímetro urbano (Via Verde) e a terceira ponte sobre o Rio Acre, ambos na cidade de Rio Branco.
O segundo deles é o argumento do custo do quilômetro. Considerando esse trajeto de 649,97km, nele incluídas todas as pontes, travessias de cursos d’água, aterros, drenagens, base e sub-base (além, obviamente, do revestimento asfáltico), tais obras tiveram um custo médio de R$ 2.522.671,22 (dois milhões, quinhentos e vinte de dois mil, seiscentos e setenta e um reais e vinte e dois centavos) o quilômetro. Para se ter uma idéia, a Rodovia Interoceânica, no trecho que liga as cidades peruanas de Iñapari e Puerto Maldonado custou R$ 5,5 milhões cada quilômetro. Para se ter outro parâmetro, o Custo Médio Gerencial (CMG), previsto pelo DNIT, no ano de 2009, para rodovias federais dessa natureza, tomando como base os valores de BDI (benefício e despesas indiretas) do Estado de Minas Gerais (masi baratos que os valores dos estados da Região Norte) varia de R$ 1.501.661,87 a R$ 2.350.822,46.
Vejamos o exemplo da Etam, empresa de propriedade do senhor Eládio Cameli, pai do Senador Gladson Cameli. Tal empresa foi responsável por 2 lotes, cada um em um determinado trecho da rodovia, sendo eles: o Lote 5 do trecho Manoel Urbano – Feijó, correspondente a 35,82km, pelos quais recebeu o montante de R$ 109.325.313,86 (R$ 3.052.074,64 por km); e o Lote 2 do trecho Tarauacá – Rio Liberdade, correspondente a 20,00km, pelos quais recebeu o montante de R$ 42.296.564,23 (R$ 2.114.828,21 por km)
Já a empresa Colorado, de propriedade dos herdeiros de Orleir Cameli, ficou encarregada de 4 lotes: o Lote 4A do trecho Manoel Urbano – Feijó, correspondente a 35,10km, pelos quais recebeu o montante de R$ 50.982.503,25 (R$ 1.452.492,97 por km); o Lote 5A do trecho Manoel Urbano – Feijó, correspondente a 35,82km, pelos quais recebeu o montante de R$ 16.448.180,41 (R$ 459.189,84 por km); o Lote 1 do trecho Rio Liberdade – Rio Juruá (restauração), correspondente a 24,97km, pelos quais recebeu o montante de R$ 47.654.774,89 (R$ 1.908.481,17 por km); e o Lote 2 do trecho Rio Liberdade – Rio Juruá (restauração), correspondente a 33,23km, pelos quais recebeu o montante de R$ 51.420.086, 98 (R$ 1.547.399,54 por km).
Observe-se que, mesmo em lotes de trechos diferentes, mas sob responsabilidade de empresas de um mesmo grupo econômico (Família Cameli), o valor ou custo do quilômetro variou em mais de 600% entre o menor e o maior custo, o que se explica em virtude da distância ou proximidade de jazidas de pedra, preço dos insumos na praça local, quantidade de metros cúbicos de aterro/terraplenagem e assim por diante.
Na BR-364 temos dois grandes desafios: o clima e o solo, ambos nada propícios à construção e manutenção de rodovias na Amazônia. Temos, no percurso, apenas 4 jazidas de solo melhorado (Sena, Purus, Tarauacá e CZS) e a última ocorrência de pedra do tipo piçarra é no município de Bujarí. Não há, em todo o território acreano, uma única jazida de pedra do tipo macadame ou brita que, para ser utilizada, percorre um trajeto de 400 a 975km até chegar nos trechos de obras. Com a ausência de pedras ou mesmo de jazidas melhoradas de solo, a solução técnica empregada para construção da base e sub-base (solo-cimento), embora mais barata, não é a mais adequada para suportar grandes cargas.
Adicione-se a estes três fatores (clima, solo e tecnologia inadequados) mais dois: a ausência de controle de peso pelo Dnit (10% acima do permitido ou projetado para cada rodovia, segundo estudo do próprio Dnit) e manutenção insuficiente, com intervalos muito grandes entre uma execução e outra. Sem manutenção constante e sem fiscalização quanto ao peso, a deterioração da rodovia é certa. Foi exatamente isso que aconteceu pois, após a devolução da Estrada, pelo Governo Estadual ao Governo Federal, o que ocorreu em dezembro de 2014, apenas em outubro de 2015 fora publicado o primeiro contrato de recuperação e manutenção (Crema), para um trecho de apenas 28km. Após isso, passaram-se mais de 2 anos sem uma efetiva manutenção, o que só veio a ocorrer a partir do mês de junho de 2017.
O custo médio de conservação de rodovias federais, segundo as tabelas e planilhas de Custos Médios Gerenciais (CMG), do Dnit, era de R$ 34.000,00 o kilometro/ano. Assim, considerando que o segmento entre Feijó e Cruzeiro do Sul tem de extensão 254 km, verifica-se que o Estado do Acre custeou, pelo menos, R$ 8.636.000,00 por ano nos trechos pavimentados. Já nos trechos não-pavimentados (Sena Madureira-Feijó), cuja distância, em 2009, era de 224 km, considerando o parâmetro acima, verifica-se que o desembolso era de R$ 7.840.000,00/ano. Assim, o Estado do Acre, com seus limitados recursos financeiros, gastou mais de R$ 16.000.000,00 por ano (entre 1999-2014), na BR-364 para manter sua trafegabilidade.
Com isso, considerando que a BR-364 esteve sob a responsabilidade do Estado do Acre de 1999 a 2014, tem-se, em média, um gasto suportado pelos cofres estaduais de R$ 240.000.000,00, quantia esta que não foi e nem será ressarcida pela União, o que prejudica, severamente, as finanças estaduais.
O fato é que quando a manutenção da estrada ainda esteve sob a responsabilidade do Deracre, havia 6 acampamentos permanentes, com máquinas, combustível, insumos e pessoal, aptos a dar manutenção aos trechos que apresentassem maior deterioração a cada inverno. A técnica apresentada (solo-cimento), embora inadequada, fora apresentada em projetos, aprovada pelo DNIT e executada. Visitas anuais do Tribunal de Contas da União (TCU), da Polícia Federal (PF) e da Controladoria Geral da União (CGU) também ocorreram durante todo o período de execução da obra, com fartos relatórios de auditoria e laudos periciais.
Temos plena convicção de que as investigações atualmente em curso hão de corroborar com as afirmações aqui expostas. E que o mérito daqueles que emprestaram suas vidas para colaborar com a integração do Acre será reconhecido.
* Daniel Zen é bacharel e mestre em Direito, deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores, Líder do Governo na Aleac e presidente do Diretório Regional do PT/AC.