Este título deve parecer um pouco confuso; nos deixe fazer as conexões. O filme Avatar de 2009 de James Cameron é um dos filmes mais populares no mundo e tem gerado discussões diversas sobre seus temas. Trata-sede uma lua extraterreste chamada Pandoracoberta de uma floresta exuberante, com grupos nativos vivendo em harmonia com a natureza. Humanos, procurando um elemento chamado unobtanio, chegaram a Pandora parafazer mineração, destruindo a floresta e ameaçando os grupos nativos. Cameron disse que fez o filme como um alerta sobre o que estamos fazendo com o nosso planeta Terra, pois precisamos encontrar paz com a natureza.
O Papa Francisco publicou a sua Carta Encíclica Laudato Si em 2015, abordando o mesmo assunto – cuidar da nossa Casa Comum, a Terra, frente a deterioração ambiental e social que está acontecendo. Dentro da carta, o Papa enfatiza a mudança cultural que precisamos fazer, citando os povos indígenas da Amazônia como exemplo de como conviver com a natureza.
No dia 19 de janeiro deste ano, o Papa visitou Puerto Maldonado em Madre de Dios, Peru, exatamente para detalhar a sua mensagem. Ele se reuniu preferencialmente com lideranças indígenas de várias partes da Amazônia ena sua mensagem a elas, ressaltou como suas culturas podem servir como modelos para conviver com a natureza:“Vós sois memória viva da missão que Deus confiou a todos: cuidar da Casa Comum.”Também criticoua cultura dos mineiros de ouro: “Paralelamente, há outra devastação da vida que está associada com esta poluição ambientalcausada pela extração ilegal.Refiro-me ao tráfico de pessoas: o trabalho escravo e o abusosexual.”
Cameron e o Papa escolheram o contraste entre a mineração e a vida na floresta tropical como metáfora da relação da sociedade humana e a Terra. Mineração aluvial de ouro, que predomina nas florestas Amazônicas de Madre de Dios e Cusco, promove impactos visualmentemarcantes, as vezes criando terrenos semelhantes às crateras da lua. Também os mineiros frequentemente usam o metal líquido e tóxico de mercúrio para concentrar o ouro. Além destas características, este tipo de mineração atrai outras atividades degradantes, como o Papa notou.
No fim do ano tivemos a oportunidade de ir de carro de Puerto Maldonado a Cusco, passando via Quincemil, uma pequena cidade na subida dos Andes. Quincemil é onde o Padre René Salizar, um ativista de direitos humanos e ambientais e amigo, atua.
No caminho de Puerto Maldonado passamos a área de mineração chamada “Las Pampas”onde dezenas de milhares de mineiros trabalham na esperança de ficar ricos. Os lados da estrada nesta área servem como lixão e deu para ver indicações de bordéis, etc. via as placas nas lojas. Em suma, parece um pedaço do Inferno na Terra para a maioria dos seus residentes.
Iniciando a subida dos Andes, chegamos a 600 metros de elevação em Quincemil, onde as chuvas são duas a três vezes maior do que as de Puerto Maldonado ou Rio Branco. A floresta Amazônica fica ainda mais exuberante.Folhas de samambaia, por exemplo, são maiores do que uma pessoa. Os rios fluem com força e nos lembrou as cenas do filme Avatar.
Mas amineração tem chegado na vizinhança de Quincemil e serve como motor econômico da cidade. O Padre René nos pediu para fazer uma palestra sobre o que está acontecendo na Terra e distribuiu anúncios da palestra pela cidade. Quem participou foi o grupo de estudo chamado Laudato Si que ele coordena e alguns oficiais da cidade. O seu grupo se sente pequeno frente as forças econômicas, mas afirmamos que mudanças podem acontecer se batalhar para isso. Existem sinais de esperança, como Laudato Si do Papa.
O dia seguinte vimos um destes sinais. O secretário municipal de desenvolvimento social de Quincemil nos levou para conhecer o aterro sanitário que o município está construindo. Ficamos impressionados com a qualidade da construção. A única preocupação que o secretário tinha foi a de poder convencer a população a pagar para usar o aterro. Ele pediu que escrevêssemos um artigo para estimular o uso do referido aterro.
Se os residentes de Quincemil precisarem um incentivo, é só olhar o inferno de Las Pampas, comparando-oao paraíso das florestas de Quincemil. Vivemos num planeta finito; chegou o momento em que não temos mais lugares paradegradar.A sociedade humana é quem efetivamente decide se prefere morar num inferno ou num paraíso.
A decisão não depende somente de mineiros no Peru. Afinal nós consumimos ouro para obturações dentárias e nos celulares. A nossa demanda ajuda a degradar o paraíso.
A Amazônia é a nossa Pandora e o Papa reafirma que a maneira como estamos tratando os povos e o ambiente da Amazônia vai levar a deterioração social e ambiental. A escolha de Quincemil é uma escolha que todos fazemos, talvez em termos menos marcantes. Afinal, algumas das piores deteriorações ambientaissão quase invisíveis, como o acúmulo de gás carbônico na atmosfera ou de mercúrio em ecossistemas aquáticos da Amazônia.
Os residentes de Quincemil precisam decidir se vão pagar os custos de depositar o seu lixo num aterro,e também decidir se a mineração vai produzir um paraíso ou um inferno. Nós precisamos fazer decisões equivalentes. Nesta terra incógnita de novos paradigmas e valores, guias éticos como a Carta da Terra e a Carta Encíclica Laudato Si do Papa Francisco podem ajudar.
A chave é buscar as soluções, porque não buscar significa seguir as tendências atuais. As tendências vão nos levar mais provavelmente ao inferno no lugar de paraíso, seja na subida dos Andes, seja nas margens do Rio Acre.
* Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.
** Vera Reis Brown, Bióloga, Mestre e Doutora em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo/USP; Diretora técnica do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação dos Serviços Ambientais do Estado do Acre – IMC; Secretaria Executiva da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais – CEGdRA/Sema; e Professora dos cursos de Ciências Biológicas e Arquitetura da Uninorte.