Paradigmas são ideias básicas que usamos para construir a nossa visão do mundo. Em sua essência, eles servem como simplificações que nós, humanos, aplicamos para lidar com a vida. Um paradigma reinante ainda em algumas mentes é que a Natureza é bonita, mas dispensável. Precisamos fazê-la nossa servente ou eliminá-la, se ficar inconveniente. A Amazônia como fronteira para ser conquistada faz parte deste paradigma. Aliás, este paradigma tem servido a humanidade para a grande parte da sua história, por bem e por mal.
A ciência fez a sua parte neste paradigma de dominação via geração de conhecimento que foi usado para controlar a Natureza. Mas, ao mesmo tempo, a ciência revelou que a separação entre humanos e a Natureza é artificial.
A ligação começa com a observação que o oxigênio molecular, que faz um quinto da nossa atmosfera, é basicamente ausente nos outros planetas do nosso sistema solar. O oxigênio é um produto da Natureza ou, usando um termo mais atual, da biosfera – o conjunto de ecossistemas que fazem a vida no nosso planeta.
Ele é tão fundamental que nos esquecemos do seu papel, que pode ser revelado pela pergunta “quanto tempo se pode viver sem respirar?” O acúmulo de oxigênio e o regulamento da sua concentração e outros gases, como gás carbônico, metano e nitrogênio, durante dezenas a centenas de milhões de anos. Isso foi um resultado de processos mediados pela biosfera, especialmente pelas plantas, bactérias e animais, principalmente os invertebrados.
Mas a ciência tem suas limitações e, no momento, temos dificuldade de entender exatamente como a biosfera participa nestes ciclos que mantêm condições propícias para a vida no planeta.
Nem sempre as condições foram tão propícias e, no registro geológico, podemos encontrar cinco períodos de grandes extinções nos últimos quatrocentos e quarenta milhões de anos, começando com o Ordoviciano-Siluriano, depois o Devoniano (365 milhões de anos atrás), Permiano-Triássico (250 milhões de anos atrás) , Triássico-Jurássico (210 milhões de anos atrás) e Cretáceo-Terciário (65,5 milhões de anos atrás). Mais recentemente embarcamos numa sexta extinção.
Esta sexta extinção tem algumas diferenças. Primeiro, somos nós que estamos causando estas extinções. Segundo, em comparação com a maioria das outras extinções, a velocidade é extremamente rápida. Terceiro, as ações nos próximos anos e décadas vão influenciar decisivamente a severidade desta sexta extinção.
É importante ressaltar que o jogo é muito mais do que a extinção de uma ou outra espécie. Ele envolve a inoperância que a redução e eventual extinção de animais e plantas causam nos ciclos que mantêm a vida.
Além da destruição de habitats como causa de extinções, as mudanças climáticas estão alterando ambientes rapidamente. Alguns céticos finalmente convencidos que as mudanças são reais, agora falam de quem ganha e quem perde com as mudanças, como se fosse um jogo de futebol. Só que num jogo de futebol, 50% ganha e 50% perde, e não 99% perdendo e menos de 1% ganhando.
Outros acham que evolução vai resolver as extinções com a criação de novas espécies. Mas estas novas espécies não vão repovoar áreas empobrecidas durante a minha vida, nem na vida dos meus bis-bis-bisnetos. Sim, algumas bactérias vão ganhar, como as que produzem metano na região de tundra que já está aquecendo extremamente rápido e podem gerar uma bomba de metano, acelerando mais ainda o aquecimento global.
Neste contexto, li dois artigos recentemente que aumentaram mais ainda a minha preocupação. Na Alemanha, em várias áreas de preservação, foram levantadas as concentrações de insetos voadores desde 1986. O estudo encontrou um decréscimo de mais de 75% na biomassa deles em 27 anos. Seria melhor dizer que foi um colapso nas populações. Para os que só sabem que mosquitos de dengue e Zika são insetos, uma queda destes parece legal, mas insetos fazem funcionar muitos processos em ecossistemas, desde a polinização de plantas até a reciclagem da vegetação e da bosta de animais e formam a base da cadeia trófica. Podemos achar ou esperar que isto seja um fenômeno restrito a Alemanha, mas as indicações são que não.
Num outro estudo, usando animais conhecidos como vertebrados (os peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos), os autores usaram a frase “aniquilação biológica” no título para descrever a tendência atual. Eles encontraram colapsos de populações, especialmente de mamíferos, causados por uma variedade de pressões humanas e estimaram que já houve uma queda de 50% nos números de indivíduos de vertebrados com uma tendência de acelerar a queda.
Se as populações, sejam de animais, microrganismos ou plantas, estão em colapso, também estão em colapso os serviços que os ecossistemas fornecem. Um caso serve como exemplo. Quem bebe água que vem da ETA II em Rio Branco, estaria bebendo o xixi de Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia e Cobija, se não fosse o serviço ambiental oriundo do ecossistema aquático do Rio Acre, que purifica as águas de esgoto lançados pelas cidades a montante. Mas a capacidade deste ecossistema não é infinita e tem seus limites.
O Papa Francisco capturou a essência do novo paradigma e repetiu cinco vezes na sua carta Encíclica Laudato Si: “Tudo está interligado”. A continuação de colapsos de populações de insetos, vertebrados, até plantas como árvores emergentes nas florestas da Amazônia, vai gerar impactos na sociedade humana. O futuro da biosfera está entrelaçado com o nosso. Afinal somos todos interligados.
Referencias discutidas: Hallmann et al. (2017) PLoS ONE 12 (10): e0185809. https:// doi.org/ 10.1371/ journal. pone.0185809
Ceballos et al. (2017) PNAS. E6089–96. https:// doi.org/ 10.1073/ pnas.1704949114.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.